Marco Aurélio se declara impedido e pressiona Gilmar

Carolina Brígido e André de Souza 

11/05/2017

 

 

Ministro do STF alegou que sobrinha trabalha com advogado de Eike

“Presume-se que a colocação do doutor Janot seja séria. Como fiscal da lei, se imagina a equidistância”

Marco Aurélio Mello

Ministro do Supremo Tribunal Federal

 

-BRASÍLIA- O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), declarou-se impedido para julgar qualquer processo em que atua o escritório do advogado Sergio Bermudes. Ele tomou a providência porque a sobrinha dele Paula Mello atua no escritório. O tema veio à tona na segunda-feira, quando o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entrou com ação pedindo para o STF declarar Gilmar Mendes impedido para atuar no habeas corpus de Eike Batista. O empresário é defendido por Bermudes e a mulher do ministro, Guiomar Mendes, é sócia no escritório.

“Para efeito de distribuição e tomada de voto, informo estar impedido de atuar em processos — subjetivos e objetivos — patrocinados pelo escritório Sergio Bermudes Advogados e naqueles que, embora atue advogado que não o integre, envolvam cliente do referido escritório de advocacia, nas áreas civil e criminal”, escreveu Marco Aurélio. A posição dele é diferente da do colega. Gilmar alegou ter atuado no habeas corpus porque, embora Eike seja cliente de Bermudes, o advogado não o defendeu no caso específico.

O Código de Processo Civil proíbe um juiz de atuar em um processo quando o advogado da causa for cônjuge ou parente até terceiro grau. A regra também proíbe o juiz de atuar quando, no processo, uma das partes é defendida pelo escritório de advocacia onde trabalha o cônjuge ou parente até terceiro grau. Pouco antes de divulgar a decisão, Marco Aurélio disse que a ação de Janot é isenta, já que o procurador-geral tem o papel de fiscalizar o cumprimento da lei.

— Presume-se que a colocação do doutor Janot seja uma colocação séria. Porque ele não é parte no habeas corpus. Habeas corpus só tem uma parte, que é o paciente (Eike), personificado pelo impetrante. Então, está agindo como fiscal da lei. Como fiscal da lei, se imagina a equidistância. Não é autor, não é réu — disse Marco Aurélio.

O ofício de Marco Aurélio foi entregue à presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. O ministro também afirmou que está impedido de julgar processos em que tenham atuado previamente a mulher dele, a desembargadora Sandra De Santis Mendes de Farias Mello, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF); a filha dele Letícia De Santis Mendes de Farias Mello, do tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região; e a filha Cristiana De Santis Mendes de Farias Mello, que é procuradora do Distrito Federal e advogada. Também pelo Código de Processo Civil, um não pode atuar quando outro integrante da família já tiver julgado o caso.

— Eu fui o juiz que mais se deu por impedido. Por quê? Porque eu tenho uma mulher atuando aqui no TJ. Então, em todos os processos dela eu me declaro impedido. Não que eu tenha suscetibilidades extras — disse Marco Aurélio momentos antes de divulgar a decisão.

Na terça-feira, o ministro considerou “constrangedor” o desentendimento entre Gilmar Mendes e Janot.

— É algo indesejável. Estou há 38 anos no Judiciário e nunca enfrentei uma exceção de suspeição, de impedimento de colega. É constrangedor e ruim para o Judiciário como um todo — disse Marco Aurélio sobre o pedido do PGR.

Marco Aurélio sugeriu que os dois fizessem as pazes logo:

— Que eles (Janot e Gilmar) fumem o cachimbo da paz.

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Relator no TSE: há partidos que são ‘quase uma banca de negócios’

Catarina Alencastro 

11/05/2017

 

 

Herman Benjamin defende aumento do valor de doações de pessoas físicas

-BRASÍLIA- Em uma audiência pública sobre reforma política na comissão especial instalada na Câmara, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Herman Benjamin disse ontem que o Brasil vive três “subcrises” na política: partidária, de transparência e de financiamento. Segundo ele, há partidos que funcionam como bancas de negócio. Ele defendeu mudanças no sistema eleitoral, dizendo que o atual não representa bem o eleitor, e afirmou que é preciso ter coragem para instituir um novo modelo de financiamento de campanhas, público. De acordo com ele, pagar a democracia é tão importante quanto comida e medicamentos.

— Existem pequenos partidos que são genuínos e existem pequenos partidos que são tudo, menos partidos. Podem ser aglomerações familiares. Alguns são quase que uma banca de negócios — disse Herman, criticando a grande quantidade de legendas (hoje há 35 registrados).

VOTO DISTRITAL MISTO

Herman Benjamim, que é o relator do processo que pode levar à cassação da chapa DilmaTemer, opinou ser mais “simpático” ao voto distrital misto, no qual metade das cadeiras do Congresso é escolhida por lista previamente ordenada (fechada) pelos partidos e a outra metade, pelo voto distrital, no qual o Brasil é dividido em microrregiões e o eleitor vota como se fosse para o prefeito daquele local. Sua tese é a de que com o modelo de hoje, em que cada candidato faz uma campanha individual, não é possível financiar as eleições, já que as doações empresariais, que sempre bancaram as candidaturas, foram proibidas. A comissão da reforma política tentar votar as mudanças até outubro deste ano, prazo limite para que posam valer para as próximas eleições.

— Por que é tão difícil aceitar que nós temos que pagar pelo custo da democracia e pelo custo das eleições? A resposfalhou ta, ao meu juízo, é que infelizmente financiamento de campanha tem sido debatido como matéria afeita apenas aos políticos, não é. É afeita a todos os brasileiros, tanto quanto um frasco de medicamento ou um prato de comida — comparou.

Herman elogiou o relatório do deputado Vicente Cândido, mas avaliou que o limite máximo permitido para doações de pessoas físicas é “muito baixo”. O relator prevê até dois salários mínimos na pré-campanha e mais três durante a campanha. Para ele, é preciso ser realista, pois campanhas são caras, mas o modelo de doação empresarial e é a “mãe do desastre” que o Brasil vive, na esfera política.

— A solução que tínhamos da doação empresarial mostrou-se a mãe do desastre que vivemos hoje, que não é de ontem. Sabemos que há um custo, e que o sistema de pagamento empresarial falhou, criou um sistema perverso que colocou a classe política como um todo como se fosse em um ambiente de clandestinidade — pontuou o ministro.

FÉ NAS ELEIÇÕES

O ministro discordou do deputado Marcelo Castro (PMDBPI), quando ele avaliou o ambiente eleitoral brasileiro como o pior do mundo. Para Herman, há muitas qualidades, como a propaganda eleitoral gratuita e a Justiça Eleitoral, a qual ele elogiou bastante. Ele afirmou que os corregedores eleitorais estão finalizando contribuições para dar à comissão da reforma política, e adiantou que discorda da cobrança na propaganda eleitoral na internet.

— O que salva o Brasil ainda é a fé que os brasileiros têm nas eleições. Se não tivesse essa esperança de que a cada dois anos aqui a coisa pode melhorar, nos teríamos uma guerra civil. Se não tivéssemos a Justiça Eleitoral talvez não estivéssemos em situação tão diferente de países onde as grandes questões nacionais não são definidas nas urnas, mas com armas nas ruas — disse.

Embora tenha sido perguntado sobre o processo que relata no TSE, de supostas ilegalidades na campanha presidencial de 2014, Herman não quis responder.

— Prefiro não responder sobre o vice — encerrou.

 

O globo, n. 30593, 11/05/2017. País, p. 10