Ex-mulher de Cabral é alvo de ação da PF

Chico Otavio

09/05/2017

 

 

Susana Neves, que guardava 29 quadros em Minas, é suspeita de lavar propina paga ao ex-governador
 

O resultado das buscas e apreensões desencadeadas ontem, pela Polícia Federal, em dois endereços em Petrópolis (RJ) e São João del-Rei (MG), complica a situação de Susana Neves, ex-mulher de Sérgio Cabral, na Operação Calicute, versão da Lava-Jato no Rio. A descoberta de 29 quadros e 61 conjuntos mobiliários, a maioria antiguidades, guardados por Susana na cidade mineira, além de 19 objetos de arte em Araras, Petrópolis, reforça a suspeita dos investigadores de que a ex-mulher ajudou na lavagem do dinheiro recebido ilegalmente por Cabral.

Uma serigrafia da série “O Beijo”, de Rubens Gerchman, e uma camisa do Santos autografada por Pelé estão entre os objetos apreendidos. A busca foi autorizada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, depois que vizinhos da propriedade de Susana em São João del-Rei perceberam, entre janeiro e fevereiro, a chegada de grande quantidade de obras de arte no imóvel, formado por três casas. A procuradora da República Marisa Ferrari, integrante da força-tarefa, disse que a investigação caminha para uma denúncia contra a ex-mulher de Cabral por lavagem e participação em organização criminosa.

 

SUSANA RECEBIA MESADA

As primeiras suspeitas sobre o papel de Susana no esquema surgiram quando os investigadores descobriram que ela recebia uma mesada de Cabral. No período compreendido entre 2014 a 2016, a ex-mulher recebeu, ao menos, 13 vezes valores transferidos por Carlos Bezerra e Carlos Miranda, ambos operadores de Cabral, totalizando R$ 883 mil. Com a quebra de sigilo das contas bancárias, a força-tarefa constata agora que Susana também utilizou sua empresa, a Araras Empreendimentos Consultoria e Serviços, para ocultar a origem ilícita de R$ 1,2 milhão.

De acordo com as investigações, de 25 de outubro de 2011 a 13 dezembro de 2013, foram identificadas 31 transferências bancárias de recursos oriundos do grupo de empresas da empreiteira FW Engenharia, por intermédio da empresa Survey Mar e Serviços. A força-tarefa sustenta que a Survey fez pagamentos à Araras a título de serviços de consultoria em valor quase duas vezes maior que a sua renda bruta declarada. Quase 50% dos valores recebidos da FW no período analisado pela investigação foram repassados logo em seguida para a empresa de Susana Neves.

Os investigadores apuraram que Susana comprou o imóvel de São João del-Rei, em nome da Araras, por R$ 600 mil sem que, aparentemente, tivesse recursos de origem lícita compatível.

O pagamento de propina teria ocorrido em troca de contratos que o governo do Estado do Rio firmou com a FW Engenharia.

Um dos contratos, no valor de R$ 35 milhões, teve por objeto a elaboração de projeto executivo e a execução de obras complementares de urbanização no Complexo de Manguinhos, comunidade beneficiada pelo PAC das Favelas. A contratação foi financiada com recursos da União provenientes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

 

O EMPREITEIRO AMIGO

A investigação joga luz sobre o papel do empresário Flávio Matos de Werneck, dono da empreiteira. Ele teria se aproximado de Sérgio Cabral por intermédio de Francisco Kiko de Assis Neto, exsecretário adjunto da Subsecretaria de Comunicação do governo Cabral (chefiada por Ricardo Luiz Rocha Cota) e ex-secretário de Comunicação de Duque de Caxias. Após ganhar a confiança de Cabral, Werneck passou a circular com frequência pelo gabinete do então governador no Palácio Guanabara.

Criada em 1989, a FW Empreendimentos Imobiliários e Construções cresceu consideravelmente no governo Cabral. Executivo da empreiteira Andrade Gutierrez, Clóvis Primo disse que, além das obras do Maracanã e do Comperj, sabe que houve pagamento de propina na obra de Manguinhos. “Essa obra consistia na urbanização, construção de casas etc, no conjunto de favelas em Manguinhos; que essa obra era estadual, mas recebeu recursos federais do Programa de Aceleração do Crescimento — PAC; que nesse caso também houve acerto com Sérgio Cabral do pagamento de 5% do valor da obra”, relatou.

O advogado de Susana Cabral, Sérgio Rieva, disse que só se pronunciará sobre o caso quando tomar conhecimento da operação. Ontem, ele alegou que encontrava-se no exterior. Já a FW informou que não se manifestará.

O globo, n.30591 , 09/05/2017. País, p. 5