Inflação é a menor em 10 anos 
Daiane Costa
11/05/2017
 
 
Taxa abaixo do centro da meta do BC pode levar a corte de 1,25 ponto nos juros, dizem analistas

Ao seguir sua trajetória de queda, caindo a 4,08% no acumulado em 12 meses, a inflação oficial medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) atingiu em abril o menor nível em dez anos e voltou a ficar abaixo do centro da meta estabelecida pelo Banco Central, de 4,5% no ano. Os dados foram divulgados ontem pelo IBGE. As consequências dessa desaceleração — há um ano, essa taxa era de 9,28% — vão muito além do alívio no orçamento doméstico. O resultado aumenta as apostas em um corte de 1,25 ponto percentual na taxa básica de juros, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), no fim deste mês, e em uma Selic de um dígito ao final do ano, encerrando 2017 em 8%, frente aos 11,25% atuais.

O movimento é considerado imprescindível por economistas para estimular a retomada do crescimento econômico, porque tem efeito imediato na redução do custo de financiamento da dívida pública, ajuda a turbinar o mercado de capitais e, no médio prazo, faz os juros ao consumidor caírem, estimulando a contratação de consignado, a tomada de crédito imobiliário e o financiamento de veículos.

Segundo cálculo de Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central (BC) e economistachefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), só o governo deve economizar cerca de R$ 100 bilhões com o pagamento de juros da dívida em 2017, se a Selic fechar o ano em 8%:

— O vento está totalmente a favor de uma Selic de um dígito no final do ano. A economia está fraca, e a inflação derreteu. Não há justificativa para uma Selic maior que 8% em dezembro. O efeito imediato disso é a redução do que é gasto com pagamento de juros da dívida, já que a maior parte dela é indexada.

CONSUMIDOR SÓ SENTIRÁ EM 2018

Dessa forma, o gasto com juros da dívida ficaria em R$ 301 bilhões, em vez dos R$ 401 bilhões a que chegaria com uma Selic de 13% ao ano, taxa que era realidade no começo de 2017. Em março, dado mais recente, a dívida pública federal, que inclui os endividamentos do governo dentro do Brasil e no exterior, avançou 3,17% frente a fevereiro, para R$ 3,23 trilhões.

Assim como Carlos Thadeu, o Banco Haitong e as corretoras Infinity e Icatu Vanguarda também preveem corte de 1,25 ponto percentual na taxa básica de juros, na próxima reunião do Copom. O ex-presidente do BC acredita inclusive que os cortes na Selic sigam até agosto, quando a taxa já pode chegar a 8% ao ano, permanecendo assim até dezembro. Se a aposta, que também é a previsão do Bradesco, se concretizar, será a primeira vez, desde outubro de 2013, que a Selic atingirá um dígito.

O consumidor, no entanto, vai demorar um pouco mais a sentir esse efeito da queda da taxa básica, explica Carlos Thadeu, principalmente em razão do mercado de trabalho, que ainda está bastante deteriorado e bloqueia a demanda ao crédito.

— No bolso, juros menores só serão sentidos no ano que vem, quando o mercado se recuperar — avalia o ex-diretor do BC, justificando que, com uma Selic de 8% ao ano, os juros reais (já com a inflação descontada), que hoje estão entre 6%e 7% ao ano, cairão para 4%. — É um patamar nunca antes visto. Se tudo der certo, as reformas (trabalhista e da Previdência) passarem e o desemprego diminuir, o crescimento real do crédito, que hoje está negativo, vai voltar a ficar positivo em 2018. Com a queda da Selic os ganhos do sistema bancário diminuem, e eles vão competir emprestando a juros mais baixos. Os créditos imobiliário, de veículos e o consignado vão levantar o crédito — explica Carlos Thadeu.

O corte da taxa também ajuda a turbinar o mercado de capitais, pois papéis de empresas dos setores de consumo e imobiliário se beneficiam de juros menores, tanto devido a saída de pessoas da renda fixa para a variável, que se torna mais atrativa, quanto pelo aumento do consumo.

Há economistas que ponderam, porém, que, para acelerar o corte na Selic, o BC antes quer ter maior garantia do andamento da aprovação das reformas.

— Saímos de um círculo vicioso para um virtuoso. A inflação alta gerava aumento de juros, que gerava queda de atividade. Agora, a inflação baixa abre para a queda de juros, que vai estimular o crescimento. Se o Banco Central vai acelerar o corte ou não, não sei. Espaço para acelerar ele tem. Mas isso vai ocorrer se houver mais certeza da aprovação das reformas. Sem a reforma da Previdência, pode haver um novo choque na economia. Não dá para descartar — avalia o economista-chefe do Banco ABC, Luis Otávio Leal, que ainda mantém previsão de inflação acima dos 4% para este ano, em 4,10%.

Elisa Machado, da Aria Capital, também é cética quanto a uma aceleração da queda da taxa já neste mês.

— Essa inflação caindo é resultado de um conjunto de coisas: baixo nível de atividade, desemprego, uma ancoragem de expectativas e um BC capaz de assegurar essa credibilidade que esse movimento exige. Acreditamos em corte de um ponto para a próxima reunião do BC, porque ele tem demonstrado preocupação com o andamento das reformas. É uma avaliação que farão até a próxima reunião, no fim do mês.

A queda na inflação vem sendo puxada pela redução na demanda, já que o desemprego alto e o risco de perder o emprego freiam o consumo, mas também é apontada por economistas como fruto de uma decisão acertada do atual governo, que manteve os juros altos mesmo com a economia fraca para segurar a inflação.

Em relação a março, a inflação desacelerou 0,14%, a menor taxa para abril desde o início da série histórica em 1994. No ano passado, a taxa havia ficado em 0,61% nesse mesmo mês. Em 2017, o índice acumulado é de 1,10%.

ENERGIA PUXOU RESULTADO PARA BAIXO

Reflete, principalmente, uma queda pontual das contas de energia elétrica, mais baratas em 6,39%, devido aos descontos aplicados sobre as faturas, por decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de modo a compensar os consumidores por cobrança indevida em 2016. O desconto se sobrepôs, inclusive, ao efeito da bandeira vermelha, que trouxe um acréscimo de R$ 3 a cada 100 kWh nas contas.

— Nos alimentos, vemos claramente que a desinflação está ocorrendo graças à boa safra e à ausência de problemas climáticos. Mas a recessão só aumentou essa desinflação. Em serviços, que depende muito do orçamento, comprometido devido ao desemprego, a gente vê mais esse efeito da queda da demanda segurando os preços — analisa Maria Andreia Lameira, economista do Ipea, lembrando que a inflação de alimentos e bebidas caiu dez pontos em abril, no acumulado em 12 meses.

Para maio, com o fim da compensação nas contas de luz, a previsão é que haja aceleração do IPCA, para a casa do 0,50%, mas sem comprometer as estimativas dos analistas para o resultado fechado do ano, que ficam entre 3,7% e 4,1%.

 

O globo, n. 30593, 11/05/2017. Economia, p. 21