‘LULA DETINHA O COMANDO’

CLEIDE CARVALHO

DIMITRIUS DANTAS

 GUSTAVO SCHMITT

06/05/2017

 

 

O ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque deu ontem um dos depoimentos mais comprometedores contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos mais de três anos de Lava-Jato. Depois de permanecer calado em quatro vezes diante de Sergio Moro, Duque tinha pedido uma nova audência com o juiz porque, segundo ele, tinha muito o que falar. E falou: de acordo com o ex-diretor, Lula estava “no comando” do esquema de corrupção do PT na estatal e recebeu propina por contratos da empresa de sondas Sete Brasil. O petista, ainda segundo Duque, chegou a perguntar a ele se tinha contas na Suíça, assunto que estaria causando preocupação à então presidente Dilma Rousseff, e a orientá-lo para não ter contas para receber propina no exterior. Tanto Lula quanto Dilma negam as acusações.
No depoimento ao juiz Sergio Moro, Duque, que foi condenado a 57 anos de prisão e tenta há mais de um ano um acordo de delação premiada, afirmou que Lula tinha “pleno conhecimento” e detinha o comando do esquema de propinas na Petrobras. Ele também disse que esteve três vezes com o ex-presidente, entre 2012 e 2014, e que, nos dois primeiros encontros, o petista quis saber sobre os contratos de sondas para exploração do pré-sal. Nessas reuniões, relatou, ficou claro que Lula “conhecia tudo” e que João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, “era um braço que atuava para o Lula”.

— No último encontro em 2014, já com a Lava-Jato em andamento, ele (Lula) me chama em São Paulo. E tem (comigo) uma reunião no hangar da TAM em Congonhas. E ele me pergunta se eu tinha uma conta na Suíça com recebimentos da empresa SBM. Dizendo que a então presidente Dilma tinha recebido a informação de que um ex-diretor da Petrobras teria recebido dinheiro numa conta na suíça dessa SBM. Eu falei não, nunca recebi dinheiro da SBM. Aí ele vira pra mim e fala assim: ‘E das sondas, tem alguma coisa?’ E tinha, né? Ele falou assim: ‘Olha, presta atenção no que vou te dizer. Se tiver alguma coisa, não pode ter. Não pode ter nada no teu nome, entendeu?’ Eu entendi. Mas o que eu iria fazer? Não tinha mais o que fazer — disse o ex-diretor da Petrobras.

Segundo Duque, Lula teria dito que iria conversar com a presidente Dilma, que estava preocupada com esse assunto:

— Nessas três vezes (três encontros com Lula) ficou claro para mim que ele (Lula) tinha pleno conhecimento de tudo e que detinha o comando.

Enquanto Duque explicava sobre propinas que recebia quando era diretor, Moro quis saber quem tinha conhecimento a respeito do funcionamento do esquema no PT. Ele foi direto:

— Todos sabiam. Todos do partido, desde o presidente do partido, tesoureiro, secretário, deputado, senadores. Todos sabiam que isso ocorria.

Duque lembrou que conheceu Vaccari em 2007, quando foi chamado a Brasília pelo então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Vaccari teria sido apresentado como o homem que iria cuidar dos interesses políticos de Lula nas empresas que atuavam na Petrobras. A partir de então, Vaccari teria passado a comandar a arrecadação com as empresas.

A negociação das sondas para o pré-sal, segundo o ex-diretor, teria sido a primeira que Vaccari não decidiu sozinho, porque Lula teria delegado o assunto ao ex-ministro Antonio Palocci. Duque ainda disse que Palocci gerenciou a parte da propina que seria destinada a Lula.

A DECISÃO DE DIRCEU

Duque ainda falou sobre como funcionava o esquema de propina nos contratos das sondas.

— Pela primeira vez, em todos esses anos, o (João) Vaccari não deu a posição final. Neste assunto específico, ele (Lula) disse: Vou consultar o ‘doutor’, essa era a forma com que ele se referia a Palocci. Porque o Lula encarregou o Palocci de cuidar desse assunto — revelou Renato Duque.

Desde que foi apresentado a Vaccari, relata o ex-diretor, o tesoureiro petista sempre se mostrou muito bem informado sobre os contratos fechados pela Petrobras e sequer precisava ser avisado sobre o resultado das licitações.

— Passei a ser procurado por Vaccari, que tinha uma capacidade tão grande de interlocução, que às vezes sabia muito mais de resultado de licitação do que eu mesmo — disse.

— Queria deixar claro, meritíssimo, que cometi ilegalidades. Quero pagar, mas pelas ilegalidades que eu cometi. Sou ator, tenho papel de destaque nessa peça, mas eu não fui nem o diretor nem o protagonista dessa história — disse.

Duque atribuiu ao ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira, e não a José Dirceu, sua indicação ao cargo.

— Todo mundo diz que eu fui indicado por Zé Dirceu. Até onde sei, houve um embate entre Delúbio e Silvio Pereira. Delúbio defendia um outro nome para a diretoria de Serviços, defendia o nome do Irani Varela, que foi meu antecessor. O Silvio Pereira defendia o meu nome. O José Dirceu, então ministro, foi chamado para dar uma decisão. Isso fiquei sabendo a posteriori — disse Duque, emendando o que seriam os motivos de Dirceu:

— A decisão foi clara: o PSDB já está contemplado na diretoria da Petrobras, eu não vou colocar na diretoria da Petrobras, atender a um pedido do doutor Aécio Neves. Quem vai ficar na diretoria é Renato Duque. Este fato fez com que, de alguma maneira, eu ficasse ligado a uma imagem de José Dirceu.

 

“Ficou claro para mim que ele (Lula) tinha pleno conhecimento de tudo e que detinha o comando”

“Em 2014, já com a Lava-Jato em andamento, ele (Lula) me chama em São Paulo. E tem (comigo) uma reunião no hangar da TAM em Congonhas. E ele me pergunta se eu tinha uma conta na Suíça com recebimentos da empresa SBM. Dizendo que a então presidente Dilma tinha recebido a informação de que um ex-diretor da Petrobras teria recebido dinheiro numa conta na Suíça da SBM. Eu falei não. Aí ele fala assim: ‘E das sondas, tem alguma coisa?’ E tinha, né? Ele falou assim: ‘Olha, presta atenção no que vou te dizer. Se tiver alguma coisa, não pode ter. Não pode ter nada no teu nome, entendeu?” Renato Duque Diretor de Serviços da Petrobras de 2003 a 2012

    O globo, n.30588 , 06/05/2017. País, p. 3