O Estado de São Paulo, n. 45068, 09/03/2017. Política, p. A4

Políticos acusam Supremo de 'criminalizar' doações

Após turma da Corte receber denúncia contra senador por ‘propina disfarçada’ em doação oficial, parlamentares atacam decisão; tensão cresce na véspera da nova lista de Janot

Por: Ricardo Brito / Igor Gadelha / Daiene Cardoso

 

Na iminência dos pedidos de abertura de inquérito contra dezenas de congressistas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em razão das delações de ex-executivos da Odebrecht, parlamentares acusaram ontem o Supremo Tribunal Federal de se igualar à chamada “República de Curitiba” e querer “criminalizar” as doações legais no julgamento que tornou réu o ex-presidente do PMDB e senador Valdir Raupp (RO) por lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

Parlamentares, como o líder da maioria na Câmara, Lelo Coimbra (PMDB-ES), argumentaram que a tese acolhida no recebimento da denúncia pelo STF contra Raupp é a mesma que tem sido amplamente aceita pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela condução da Lava Jato na primeira instância. Havia uma expectativa de que o Supremo tivesse um entendimento diferente nesse aspecto.

A denúncia da Procuradoria- Geral da República acolhida pela Corte foi de que os R$ 500 mil doados oficialmente pela construtora Queiroz Galvão à campanha de Raupp ao Senado em 2010 seriam “propina disfarçada” e teriam origem no esquema de corrupção instalado na Diretoria de Abastecimento da Petrobrás. Esse foi o primeiro caso no Supremo referente à Lava Jato em que se admitiu que doações oficiais podem ser consideradas pagamento de propina, tese defendida pela PGR.

Parlamentares avaliaram que a interpretação dada no caso do senador abre espaço para criminalizar quaisquer doações eleitorais registradas a candidatos e partidos políticos. “Consideramos que foi um equívoco do STF”, afirmou o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP).

“A aceitação da denúncia é muito grave, praticamente criminaliza as doações legais.” Para o deputado Daniel Almeida (PC do B-BA), a decisão do STF é uma “anomalia”.

“Quem achava que estava isento com a prestação de contas não terá mais essa garantia”, afirmou. “Vai haver um esforço muito grande para o Supremo fazer a distinção do que foi propina, do que foi doação legal, do que foi caixa 2. Não sei como vai conseguir. É uma anomalia.” Jantar. Em jantar anteontem que reuniu políticos em Brasília logo após o julgamento do caso de Raupp, o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), fez ao colega da Câmara Chico Alencar (PSOL-RJ) a defesa de que não se pode criminalizar as doações eleitorais.

Outra preocupação dos parlamentares é a tipificação do caixa 2 de campanha, alvo das investigações da Lava Jato e que deve estar no cerne das delações da Odebrecht. Aécio disse a Chico Alencar que não se pode colocar toda a classe política no “mesmo bolo”. Para o tucano, essa medida abrirá espaço para um “salvador da pátria”.

“Um cara que ganhou dinheiro na Petrobrás não pode ser considerado a mesma coisa que aquele que ganhou cem pratas para se eleger”, afirmou Aécio, segundo relato de Chico Alencar e conforme antecipou o jornal Folha de S.Paulo.

Em reservado, deputados consideram que decisão do STF torna inviável qualquer tentativa de anistia de caixa 2. A avaliação é de que, pela interpretação que a Corte vem dando, não adiantará mais o político alegar que o recurso foi obtido de forma não contabilizada, pois o ato será enquadrado como outro tipo de crime, como corrupção e lavagem de dinheiro.

Três criminalistas ouvidos pelo Broadcast Político têm uma avaliação mais contida que os deputados. Eles consideram que, para uma condenação no caso de Raupp, terá de ficar claro se houve uma contraprestação para o recebimento do recurso – o chamado ato de ofício.

“Se existe apenas a doação e a palavra de um delator que nada vale, essa doação não pode ser tida como ilícita”, disse o advogado de Raupp, Daniel Gerber.

“Não basta a mera expectativa de benefício, é preciso do ato concreto”, afirmou o advogado Celso Vilardi. “(A condenação) Não pode ficar nas mãos de um delator”, disse Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.

 

‘Campo probatório’. Na decisão da Segunda Turma do STF, o voto do relator Edson Fachin pelo recebimento da denúncia contra Raupp por corrupção passiva foi aceito pelos outros quatro ministros: Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Gilmar Mendes. Já por lavagem de dinheiro Toffoli e Gilmar votaram contra.

Em seu voto, Lewandowski destacou. “Saber se os acusados tinham conhecimento de que o dinheiro aparentemente por eles solicitado possuía origem ilícita e se, posteriormente, de algum modo participaram ou tiveram conhecimento de um estratagema para recebê-lo por meio de partido político, de modo a poder dar-lhe aparência lícita, empregando-o na campanha política do senador Valdir Raupp, constitui matéria a ser resolvida no campo probatório ao longo da instrução criminal.”

 

Réu. Valdir Raupp, do PMDB, em sessão no Senado; ele vai responder a ação penal no STF

 

“A aceitação da denúncia criminaliza doações legais.”

Carlos Zarattini (SP), líder do PT na Câmara dos Deputados

 

‘Reação legislativa’

Relator na comissão da reforma política, Vicente Cândido (PT-SP) disse que a Câmara está tentando “assimilar” a decisão do STF “para decidir em que linha trabalhar”.

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‘Foi o enterro definitivo da linha de defesa’

Por: Ricardo Brandt / Fausto Macedo / Mateus Coutinho

 

A tese defendida pela Procuradoria- Geral da República na acusação contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) tem como base provas levantadas pelos procuradores da Operação Lava Jato desde 2014, nas ações em primeira instância. O mérito ainda será julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Executivos de pelo menos três empreiteiras presos e processados pela Lava Jato confirmaram que, para repassar propinas a políticos no esquema da Petrobrás, usaram doações eleitorais e aos partidos para dar aparência legal ao dinheiro.

A decisão do Supremo também reforça a linha que será defendida pela força-tarefa nas ações cíveis em que partidos, em especial PT, PMDB e PP, serão acionados judicialmente.

“Foi o enterro definitivo da linha de defesa de que a doação oficial descaracteriza o crime de lavagem”, afirmou o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. “Se houver corrupção, não importa a forma do pagamento da contraprestação, será lavagem.” 

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Renan quer volta de Padilha para barrar aliado de Cunha

Por: Erich Decat / Julia Lindner / Vera Rosa / Ricardo Brito

 

O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), defendeu ontem que o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, volte “imediatamente” ao cargo para evitar que o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – preso pela Lava Jato – ponha um aliado em sua cadeira.

“Política você analisa, compreende pelos sinais que são emitidos. Pelas últimas nomeações e decisões do governo, nós estamos compreendendo que há uma disputa muito grande pelo PSDB, que é legítima, e esse grupo originário da Câmara do PMDB, liderado pelo Eduardo Cunha”, afirmou. “Eu falei hoje (ontem) para o Moreira (Franco, ministro da Secretaria- Geral da Presidência) que era muito importante avisar ao Padilha que volte imediatamente, já que ele está recuperado, para que ele sente na cadeira dele, senão o Eduardo Cunha vai sentar lá o Gustavo Rocha.” A declaração abriu nova crise entre a bancada e a cúpula do governo. Rocha foi advogado de Cunha e atualmente ocupa o cargo de subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil.

Padilha recebeu ontem alta médica do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, após ter sido submetido, no último dia 27, a uma cirurgia para a retirada da próstata. Em mensagens enviadas a grupos do PMDB, por WhatsApp, o ministro disse que voltará ao Palácio do Planalto na segunda-feira.

Na lista dos “sinais”, Renan citou a reorganização do Centrão, grupo na Câmara que era controlado por Cunha e até hoje abriga adeptos do peemedebista, como Carlos Marun (PMDB-MS), que preside a Comissão Especial da Reforma da Previdência na Casa.

Questionado, Marun rebateu Renan e disse que não teve contato com Cunha nos últimos 60 dias.