Assembleias têm regime especial de aposentadoria 

Tiago Dantas 

08/05/2017

 
 
Benefício a deputados estaduais contraria decisão do Supremo que barrou privilégio em Mato Grosso

“É inadmissível a elaboração de leis imorais e anti-isonômicas, cujo único propósito seja privilegiar poucos indivíduos”

Rodrigo Janot

Procurador-geral, em parecer contra benefício no RS

-SÃO PAULO- Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) já tenha se posicionado contra a existência de regimes especiais de previdência para deputados estaduais pagos com dinheiro público, parlamentares de cinco unidades da federação ainda podem receber valores superiores ao previsto na Constituição quando pararem de trabalhar. Em alguns casos, o legislador pode garantir a aposentadoria após dois mandatos — ou oito anos de trabalho.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tenta derrubar, no Supremo, leis que criaram modelos diferentes de previdência para parlamentares no Ceará, no Paraná e no Rio Grande do Sul. As assembleias legislativas de Pernambuco e Minas Gerais também aprovaram regras próprias para que seus deputados engordem os ganhos na aposentadoria. Segundo a Constituição, porém, deputados estaduais fazem parte do Regime Geral de Previdência, assim como a maioria dos trabalhadores.

Até agora, o STF só deu resposta a uma das ações que pedem a inconstitucionalidade deste tipo de regra. Em 6 de abril, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu, em caráter liminar, seis leis aprovadas pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso que permitiam um modelo diferente de previdência para os deputados. Criado em 1984 e alterado por essas legislações sucessivamente até 2008, o Fundo de Assistência Parlamentar (FAP) de Mato Grosso pagava aposentadorias de até R$ 25,3 mil mensais aos políticos e custou, em 2016, R$ 16,8 milhões.

Ao menos dois parlamentares que têm mandato atualmente recebem a aposentadoria. Procurada, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso não informou se pretende recorrer da decisão da Corte nem disse se continuará pagando as 103 aposentadorias registradas no FAP.

Em sua decisão, Moraes chamou a atenção para o fato de que o plenário do Supremo ainda não se pronunciou sobre o assunto, o que pode acontecer no julgamento de algum dos outros três casos propostos pela OAB. A Procuradoria-Geral da República (PGR) já emitiu parecer contra o benefício criado pelos deputados do Rio Grande do Sul em 2014. No texto, o procurador-geral Rodrigo Janot classificou a legislação como “imoral”:

“É inadmissível a elaboração de leis imorais e anti-isonômicas, cujo único propósito seja privilegiar poucos indivíduos, locupletando-os à custa do Estado, com regras especiais, sem razão consistente”, diz o parecer. Segundo cálculo feito pela OAB, em 2015, a aposentadoria especial dos legisladores gaúchos custou R$ 5,3 milhões aos cofres públicos. A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul se recusou a responder às questões feitas pela reportagem.

— A Constituição deixa muito claro que o deputado estadual tem que contribuir no regime geral do INSS. Apenas funcionários de cargos efetivos podem contribuir para um fundo de previdência complementar — afirma o presidente da seção do Rio Grande do Sul da OAB, Ricardo Breier. — O caso de Mato Grosso abriu um precedente. Nosso objetivo é que todas essas leis sejam suspensas e que os deputados devolvam aos cofres públicos o que já receberam.

No Ceará, a Assembleia Legislativa estima que gasta, anualmente, R$ 2,2 milhões. De acordo com a Casa, os benefícios são pagos pelo Fundo de Previdência Parlamentar, “composto pelas contribuições e rendimentos de aplicações financeiras”. Para conseguir se aposentar, um deputado estadual do Ceará precisa contribuir com 11% do seu salário por, no mínimo, 20 anos. A Assembleia paga o mesmo valor todo mês para formar o fundo.

Os deputados estaduais de Pernambuco precisam de menos tempo de contribuição para começar a receber o benefício. Se o parlamentar tiver mais de 60 anos e já tiver deixado a assembleia, pode começar a receber após dois mandatos. De acordo com a Assembleia Legislativa de Pernambuco, o regime funciona como uma previdência privada, no qual o participante investe de 7% a 8,5% do salário.

O governo de Minas Gerais extinguiu, no fim do ano passado, o Instituto de Previdência do Legislativo do Estado (Iplemg), mas manteve um plano para que os parlamentares possam complementar sua aposentadoria. Segundo a nova regra, o deputado vai se aposentar pelo INSS, como os demais trabalhadores, mas terá direito a um incremento se tiver dois mandatos e oito anos de contribuição ao novo regime. Assembleia e parlamentar pagam, todo mês, o mesmo valor a um fundo.

Em outros estados, leis que criavam regimes especiais de previdência já perderam a validade. Na Paraíba, o benefício foi aprovado no meio de outros projetos em junho do ano passado e está sendo alvo de contestação no Tribunal de Contas do Estado, que, em novembro, decidiu barrar sua continuidade. Em Santa Catarina, o governo do estado vetou a criação do benefício em 2015 e, recentemente, a Assembleia decidiu manter o veto.

 

O globo, n. 30590, 08/05/2017. País, p. 4