Valor econômico, v. 17 , n. 4236, 17/04/2017. Brasil, p. A2

Nova política de dividendo do BNDES favorece liquidez e agrada a analistas

 

Francisco Góes

 

A política de dividendos aprovada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que limita o pagamento de dividendos à União e retém pelo menos 40% do resultado no banco, é positiva, na visão de economistas e especialistas em governança ouvidos pelo Valor, pois vai garantir "colchão de liquidez", permitindo ao banco aumentar sua alavancagem para empréstimos. A medida também dará maior previsibilidade ao banco e evitará o pagamento de quase todo o lucro ou mesmo a antecipação de dividendos à União, como ocorreu no passado recente.

Houve anos, como em 2012 e 2014, em que o BNDES pagou dividendos ao Tesouro que superaram o resultado do exercício. Em 2012, o banco teve lucro de R$ 8,1 bilhões e pagou ao Tesouro dividendos de R$ 12,9 bilhões, segundo o Tesouro Nacional. O dividendo a maior se explica porque se pagou não só o dividendo de 2011, mas também de anos anteriores. Em 2014, o lucro foi de R$ 8,5 bilhões e o dividendo, de R$ 9 bilhões.

A série histórica de dividendos do BNDES difere da do Tesouro. Isso ocorre porque, enquanto o Tesouro usa o conceito "caixa", o BNDES considera o conceito de "competência", disse Ricardo Baldin, diretor da área de gestão de riscos, tecnologia da informação e controladoria do banco. Na prática, o pagamento de quase todo o lucro como dividendo nos anos recentes restringiu a alavancagem do banco. Baldin disse que a política de dividendos dará ao banco mais alavancagem de capital.

Na visão de especialistas, o principal efeito da política de dividendos será ajudar a capitalizar o banco, dando a ele maior capacidade de captar recursos e assumir riscos. A política de dividendos foi aprovada no novo estatuto como forma de adequar a instituição à lei das estatais. Para alguns observadores no mercado, o banco está indo além: "O BNDES está fazendo mais do que se adequar à lei das estatais, o banco está fazendo governança 'strictu sensu'", disse Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec).

A Amec é crítica da lei das estatais, e a considera "ineficaz", disse Cunha. Para ele, a situação só vai mudar quando o modelo de gestão das estatais adotar como base nos princípios das empresas públicas da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). O modelo de governança para estatais defendido pela Amec prevê transparência, delegação de responsabilidades e monitoramento.

Sérgio Lazzarini, professor do Insper, considerou a politica de dividendos "saudável" para o banco se capitalizar. Cria, segundo ele, um "colchão de liquidez" que permite ao BNDES emprestar mais. Lazzarini disse que a política também é salutar para limitar a distribuição futura de dividendos, evitando contabilidades criativas, como ocorreu no passado, afirmou.

O patrimônio líquido de referência do BNDES é equivalente a R$ 136 bilhões, com base em 31 de dezembro de 2016. Significa que o patrimônio de referência do banco equivale a 21,7% de seus ativos ponderados. Quer dizer que para cada R$ 100 que o banco empresta e que corre algum risco, tem hoje R$ 21,70 de patrimônio. O mínimo, pelas regras do Banco Central, para cumprir os índices de Basileia, seria 11%. A situação do banco, portanto, é confortável tanto em relação ao patrimônio líquido quanto ao à posição de caixa.

No mercado há quem avalie que, como o banco tem hoje folga de patrimônio e de caixa, o efeito da política de dividendos seria pequeno. Baldin rebateu o argumento: "Para nós a mudança no estatuto é relevante porque se não tenho regra definida, transparente, não consigo ter previsibilidade do capital líquido de referência para operar. Hoje quero operar [emprestar] se tiver projeto bom e se houver procura."

Baldin afirmou que foi definido o pagamento obrigatório de 25% do lucro como dividendo mínimo ao Tesouro. Além disso, pode ser pago um dividendo complementar de até 35%.

No exercício de 2016, o BNDES lucrou R$ 6,4 bilhões e pagou R$ 1,5 bilhão como dividendo à União. O valor é equivalente a 25% do lucro já descontado 5% do resultado a título de reserva obrigatória. Este mês haverá Assembleia Geral Extraordinária (AGE) do BNDES na qual deverá se discutir se haverá necessidade de pagamento de dividendo adicional de até 35% sobre o lucro de 2016.

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Rejeição a pedidos de crédito não cresceu, mostra banco

 

Fernando Torres

 

A gestão de Maria Silvia Bastos Marques à frente do BNDES vinha sofrendo críticas de empresários e de integrantes do governo diante de estatísticas que apontam queda 35% nos desembolsos anuais do banco, ao mesmo tempo em que a instituição fechou o ano com R$ 129 bilhões "parados no caixa" - mesmo depois de devolver R$ 100 bilhões antecipadamente ao governo federal em dezembro.

Apesar de haver casos conhecidos de empresas que tiveram crédito recusado - sem falar na interrupção de desembolsos de financiamentos já aprovados em linhas de exportação de serviços -, os dados internos do BNDES sobre o andamento dos pedidos de crédito não sancionam a tese de que a instituição estaria com uma postura pró-cíclica, no sentido a agravar ainda mais a crise atual.

O argumento da cúpula do banco é que os desembolsos estão menores por falta de demanda dos empresários, que estão com capacidade ociosa e sem planos de investimento.

Dados levantados pelo BNDES a pedido do Valor indicam que, do total dos pedidos que entraram em consulta em 2016, 25% foram rejeitados na etapa de enquadramento, índice que está em linha com a média de 24% observada desde 2009.

Nessa fase do processo de concessão de crédito, o banco avalia se o pedido se enquadra em sua política operacional e também é feita a primeira avaliação da capacidade de crédito da potencial tomadora, além da análise cadastral - que verifica processos de irregularidades, como investigações sobre corrupção, por exemplo.

Na etapa seguinte, em que os pedidos enquadrados passam pela análise de crédito, o banco informou que, em média, de novo, 25% do volume é cancelado, por rejeição do banco ou desistência da empresa.

Segundo o BNDES, a taxa de cancelamentos de projetos enquadrados no ano passado manteve o mesmo comportamento das operações de anos anteriores. "Entre as operações não automáticas enquadradas em 2016 que passaram por todas as etapas até a decisão final da diretoria, 25% foram canceladas. Esse índice foi exatamente igual aos de 2014 e 2015. Em 2013, a taxa de cancelamento foi ligeiramente mais baixa: 21%", disse a instituição.

A mudança na política operacional do banco, que de maneira geral reduziu a parcela dos investimentos que será financiada por juros subsidiados, pode reduzir a demanda de tomadores que venham a optar outras opções de funding no mercado de capitais.

Mas além de esse ser um desejo declarado da nova gestão do BNDES - de que grandes empresas com acesso a crédito em condições de mercado se financiem com recurso privado -, não teria dado tempo de essa nova política, lançada início de 2017, ter provocado a queda dos desembolsos dos últimos meses.

Algo que de fato mudou, contudo, foi o fim do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que oferecia taxas de financiamento até mesmo abaixo da inflação, e que atraiu uma demanda que não talvez não existiria em condições normais.

No ano passado, o BNDES liberou apenas R$ 4,8 bilhões em linhas do PSI, ante R$ 33 bilhões destinados em 2015 e outros R$ 76 bilhões em 2014.

Assim, quando se olha o total de R$ 88 bilhões desembolsados pelo BNDES em 2016, ele fica 35% abaixo do repasse de 2015 e 53% inferior ao volume liberado em 2014. Quando se faz a conta excluindo os desembolsos do PSI, a queda é mais suave. Teria sido de 19% na comparação com 2015 e de 25% com 2014.