Valor econômico, v. 17 , n. 4236, 17/04/2017. Política, p. A4

Megadelação tende a encerrar uma era

 
 

A megadelação da Odebrecht colocou em exposição o maior esquema de corrupção conhecido no mundo democrático. É difícil consolidar qual foi o montante pago pela empresa em vantagens indevidas a centenas de políticos nos últimos anos, mas há uma evidente concentração em favor de a todos os partidos que comandaram o Brasil desde 1985: PMDB, PSDB e PT. Eleito por um partido nanico, o ex-presidente e senador Fernando Collor (PTC-AL) também foi beneficiário do esquema.

O PMDB, partido do atual presidente Michel Temer se beneficiou de repasses que somam R$ 396,3 milhões na estimativa mais conservadora possível, levando-se em conta os inquéritos e citações em que apenas pemedebistas aparecem. Há uma grande concentração no Estado do Rio, a maior máquina administrativa controlada pela sigla.

O PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teria recebido repasses de, no mínimo, R$ 155,7 milhões desde 2006, período em que a legenda já havia deixado a presidência, mas manteve-se como a principal sigla opositora nas eleições de 2006, 2010 e 2014. O governador paulista Geraldo Alckmin e os senadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), os três candidatos presidenciais derrotados nestas eleições, estão entre os maiores beneficiários.

O esquema mais centralizado de repasses beneficiou o PT, em que os pagamentos da Odebrecht eram gerenciados pelo ministros da Fazenda entre 2003 e 2014, Antonio Palocci e Guido Mantega. Neste banco informal em que o PT tinha uma conta com limite generoso para saques, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria uma subconta, a "Amigo", só para seu uso exclusivo.

Ao atingir Lula, Aécio e Alckmin, presidenciáveis citados para 2018, a megadelação da Odebrecht pode encerrar uma era histórica no Brasil. PT e PSDB monopolizaram as últimas seis eleições presidenciais. O PMDB foi o aliado decisivo destas siglas nas eleições e na construção da governabilidade.

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Presidenciáveis concentram "verba" no PSDB

 

Tomando como verdadeiras as delações da Odebrecht, é possível afirmar que a milionária relação da construtora com políticos do PSDB era marcada pela desigualdade. Conforme compilação do Valor, tucanos em diferentes níveis de governo foram vinculados a repasses que somam R$ 155,7 milhões (sem atualização pela inflação). O senador Aécio Neves (MG), sozinho, está associado a metade: R$ 78 milhões (50,1%). Em segundo vem o senador José Serra (SP), com R$ 40,3 milhões (25,9%). Com R$ 10,7 milhões (6,9%), o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, é o terceiro. Todos os tucanos negam as irregularidades.

Alvo de cinco inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), Aécio, presidente da sigla, aparece envolvido em nove narrativas que, segundo delatores, resultaram em transferências da Odebrecht. Algumas em espécie, em dois casos via contratos fictícios da construtora com o marqueteiro Paulo Vasconcelos, em outros por meio de contas no exterior.

 

 

Os principais casos envolvendo Aécio são: propina de R$ 50 milhões para defender interesses da Odebrecht nas obras de hidrelétricas no rio Madeira; R$ 6 milhões solicitados pessoalmente para ajudar na própria campanha a presidente em 2014 e socorrer as campanhas de Antônio Anastasia (PSDB-MG) ao Senado, Pimenta da Veiga (PSDB) ao governo mineiro e Dimas Toledo (PP-MG) para deputado; e R$ 7,3 milhões em espécie para ajudar na campanha de Anastasia ao governo mineiro em 2010.

Em alguns desses episódios, o ex-presidente de Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) Oswaldo Borges é mencionado como operador de Aécio. Ele teria sido designado, por exemplo, para montar um cartel de nove construtoras para a obra da Cidade Administrativa, sede do governo de Minas, em 2007. Nesse caso, dizem os delatores, a propina só da Odebrecht foi de R$ 5,2 milhões.

Embora José Serra também tenha sido citado como beneficiário de transferências ilegais em diferentes circunstâncias ao longo de vários anos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) só pediu um inquérito contra ele. Não fica claro o critério usado pelo procuradores nesse aspecto.

O maior valor associado a Serra é um "pedágio" de R$ 23,3 milhões que, segundo os delatores, foi pago em 2009 para que o então governador de São Paulo quitasse dívidas acumuladas do Estado com a construtura. Nesse caso, o repasse teria sido feito via dois nomes indicados por Serra: Ronaldo Cézar Coelho e Márcio Fortes.

Sempre conforme os delatores, os outros pagamentos feitos a Serra, sempre sem registro oficial, foram: R$ 4,6 milhões para a campanha de prefeito em 2012; R$ 4 milhões em 2006 para ter bom relacionamento com o político; R$ 3 milhões em 2008 para ajudar na campanha municipal (ano em que ele apoiava Gilberto Kassab para prefeito de São Paulo); R$ 2,2 milhões em 2007 como "pedágio" na renegociação de contrato de obra do Rodoanel; R$ 2 milhões em 2004 para menter bom relacionamento com o então candidato a prefeito; e R$ 1,2 milhão em 2006 também associado ao Rodoanel.

Terceiro tucano que, conforme as delações, mais recebeu, Geraldo Alckmin teria usado o cunhado Adhemar Ribeiro para viabilizar parte dos recebimentos. Os ex-diretores da Odebrecht afirmaram que viam o governador como alguém importante para ajudar. Tinham expectativa de contratos e participação em concessões. São narrados três episódios com transferência de dinheiro: R$ 2 milhões em 2010 a pretexto de financiamento para a campanha ao governo; mais R$ 8,3 milhões na reeleição, em 2014; e ainda uma doação registrada na Justiça Eleitoral de R$ 400 mil.

 

 

Na petição de abertura de inquérito contra ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) na Justiça Federal de São Paulo, o tucano aparece como alguém citado por apenas um delator, Emílio Odebrecht. E ainda assim, de forma vaga. O dono da construtora disse ter "certeza" que fez doações registradas e via caixa dois às campanhas de FHC em 1994 e 1998. Afirmou, porém, que não se lembrava dos detalhes. Disse que não queria falar de um dos envolvidos, pois o personagem em questão já morreu. Também não mencionou -nem foi inquirido- sobre valores ao menos estimados.

FHC também foi citado numa delação de Marcelo Odebrecht. O filho de Emílio afirmou que as contribuições da empresa para o Instituto Lula tiveram como "referência" um montante de R$ 40 milhões doados ao iFHC anos antes. O caso, proém, não deve ser investigado. O tucano sustenta que a ajuda não foi de R$ 4 milhões.

Em alguns casos, os inquéritos e os depoimentos contra políticos tucanos são confusos, contraditórias ou mal justificados.

Um episódio de evidente contradição é o que teria resultado numa doação via caixa dois de R$ 1 milhão ao senador Agripino Maia (DEM-RN) a pedido de Aécio. Esse pagamento, conforme os delatores, estava no contexto de um pedido de R$ 15 milhões feito diretamente por Aécio. Os representantes da empreiteira, porém, dizem que não conseguiram montar uma logística segura para a entrega do dinheiro em espécie a Oswaldo Borges, o operador de Aécio. Segundo Marcelo Odebrecht e Cláudio Melo Filho, só R$ 1 milhão que cabia a Agripino foi entregue. Os também delatores Benedicto Júnior e Sérgio Neves, porém, garantem que isso não ocorreu.

Numa outra passagem, Marcelo fala numa doação oficial de R$ 5 milhões a Aécio em 2014, mas os procuradores só conseguiram encontrar registro de R$ 2 milhões.

Há ainda narrativas curiosas. O prefeito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira, segundo um delator pediu e recebeu R$ 50 mil, mas a planilha interna da empresa o cita como recebedor de R$ 300 mil. Ninguém especula sobre as possíveis razões dessa diferença.