Valor econômico, v. 17 , n. 4236, 17/04/2017. Política, p. A5

Repasses ao PMDB superam R$ 396 milhões

 
 

As delações da Odebrecht revelam repasses da construtora ao PMDB que somam, pelo menos, R$ 396,3 milhões - uma montanha de dinheiro cujo destino teria sido negociado com um restrito grupo de no mínimo 43 políticos da legenda, encabeçado pelo presidente da República, Michel Temer, e que passa por todas as esferas de governo, chegando a prefeitos de pequenos municípios. Quase metade dos recursos ilícitos teve como destino cinco caciques do PMDB do Rio, maior seção estadual do partido.

É o que mostra levantamento do Valor a partir dos inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal (STF), das petições remetidas a outras instâncias do Judiciário pelo relator da Operação Lava-Jato no STF, ministro Edson Fachin, e pelos depoimentos dos 77 executivos da Odebrecht que detalham o maior esquema de corrupção da história do país.

 

 

Os R$ 396,3 milhões de "vantagens indevidas' que teriam sido destinados aos 43 pemedebistas se referem apenas à maior das construtoras envolvidas na Lava-Jato. O montante é o piso dos recursos que teriam abastecido o PMDB. O dinheiro envolvido em corrupção e caixa dois pode ser muito maior, já que na delação do ex-diretor Hilberto Mascarenhas ele afirma que a Odebrecht pagou US$ 3,37 bilhões entre 2006 e 2014 - equivalente a R$ 11,12 bilhões.

Além disso, há petições que não mencionam cifras. É o caso de quatro das cinco que citam o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, preso em Curitiba. Mesmo sem estes valores, o "Caranguejo" - codinome do ex-parlamentar nas planilhas da Odebrecht -, desponta entre os campeões de repasses do Setor de Operações Estruturadas, o "departamento de propina" da companhia, ao PMDB.

Segundo os delatores, Cunha foi beneficiário de R$ 44,3 milhões em três negociações. A primeira por atuar em favor da Odebrecht no processo de licitação da usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Pela ajuda, o pemedebista teria embolsado R$ 20 milhões de um bolo de R$ 50 milhões divididos entre dois correligionários - o senador Romero Jucá (RR) e o então deputado federal Sandro Mabel (GO) - e o deputado petista Arlindo Chinaglia, ficando os três com R$ 10 milhões cada. Nas outras duas transações, Cunha teria usado sua influência sobre a Caixa Econômica Federal para liberar recursos do fundo FI-FGTS para aportes na Odebrecht Transport e para as obras do Porto Maravilha, no Rio, recebendo em troca, respectivamente, R$ 4,6 milhões e R$ 19,7 milhões.

O portfólio de Cunha ainda inclui sua presença na maior negociação entre o PMDB e a construtora de Emilio e Marcelo Odebrecht - embora seja desconhecida a fatia distribuída ao ex-deputado e aos demais participantes. Trata-se do acerto de propina de US$ 40 milhões - cerca de R$ 132 milhões -, equivalente a 5% sobre o valor do bilionário contrato estabelecido pela Odebrecht com a Petrobras para adequar instalações da estatal no exterior às regras de segurança, meio ambiente e saúde (SMS). Do total combinado, 1% iria para o PT, e 4% (US$ 32 milhões, ou R$ 105,6 milhões) para a cúpula do PMDB.

De acordo com o depoimento do presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, e outros três executivos (Cláudio Melo Filho, Márcio Faria e Rogério Araújo), o anfitrião do acordo teria sido Michel Temer. Era 15 de julho de 2010 e o pemedebista acabara de se tornar, menos de cinco semanas antes, o candidato a vice-presidente da República, na chapa de Dilma Rousseff (PT). Fortalecido, o presidente nacional do PMDB sentou-se à cabeceira da mesa de seu escritório em São Paulo - localizado na avenida Antônio Batuíra, 470, no bairro Alto de Pinheiros - e, ladeado pelos colegas de partido Henrique Alves (RN), então presidente da Câmara dos Deputados, e o que viria a sucedê-lo no posto, Eduardo Cunha, teria assistido a negociação do "pedágio" sobre o contrato. O emissário da empreiteira no encontro era Márcio Faria, ex-presidente da Odebrecht Engenharia Industrial. Temer nega que tenha participado de negociação de valores com a Odebrecht.

A relação do PMDB com o grupo empresarial, no entanto, envolveu outros interlocutores mais assíduos, notadamente Cláudio Melo Filho, figura central como ex-diretor de relações institucionais da Odebrecht; José Carvalho Filho; Henrique Valladares - diretor da área de energia, tão cara ao PMDB -; e Benedicto Barbosa da Silva Júnior, o BJ, manda-chuva do "departamento de propina". O time de executivos reflete compromissos mais descentralizados com o PMDB, numa relação menos verticalizada do que a Odebrecht cultivava com o PT.

No outro inquérito que cita a participação de Michel Temer, por exemplo, são seis delatores da empresa que relatam o jantar, em 28 de maio de 2014, no Palácio do Jaburu - residência oficial da vice-presidência da República -, no qual teria havido um acerto do repasse de R$ 10 milhões em caixa dois para campanhas eleitorais do PMDB naquele ano. Deste total, R$ 6 milhões iriam para o presidente da Fiesp e então candidato ao governo, Paulo Skaf, e outros R$ 4 milhões para que os escudeiros de Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco, então ministro da Aviação Civil, irrigassem outras campanhas pemedebistas. Como contrapartida, a Odebrecht conseguiria manter regras que lhe eram favoráveis na concessão de aeroportos.

Até se apurar quem ficou com quanto dos US$ 32 milhões conferidos à cúpula do partido pelo contrato com a Petrobras, o detonador do processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff só não teria sido o maior depositário de dinheiro ilícito da Odebrecht do que Sérgio Cabral. O viajado ex-governador do Rio - que está limitado aos 16 metros quadrados de sua cela em Bangu 8, onde completa nesta segunda-feira cinco meses de prisão - foi o destinatário de R$ 96 milhões. É o que afirmou Benedicto Júnior em seu depoimento. A relação entre Cabral e BJ era tão estreita que o executivo comprou uma casa no mesmo condomínio de luxo, o Portobello, em Mangaratiba, litoral sul fluminense, onde o pemedebista tem uma mansão.

Juntos, Cabral, Cunha, o ex-prefeito Eduardo Paes, o governador Luiz Fernando Pezão e o presidente da Assembleia do Rio, Jorge Picciani, são apontados como recebedores de, pelo menos, R$ 189,4 milhões da Odebrecht. A empresa viu no poder deles no Rio a chance de facilitação para a obtenção de grandes contratos em obras como as da Olimpíada, do PAC do Alemão, do Arco Metropolitano e da Linha 4 do metrô.

A conexão dava-se ainda por meio do diretor da Odebrecht no Rio, Leandro Azevedo, e de Luiz Eduardo da Rocha Soares, executivo que coordenava os pagamentos do "departamento de propina" da Odebrecht. Em sua delação, Soares afirma que, em 2010, Paes já era visto como um político promissor, com potencial de ser governador e presidente da República - e, por isso, atenderam a seu pedido de R$ 3 milhões para a campanha de Pedro Paulo, seu aliado, para deputado federal, ainda que o valor parecesse exagerado.

A distribuição dos recursos ilícitos para o PMDB teria contemplado outras alas e personagens tradicionais do partido. Há referências a pagamentos para os notáveis do Senado, como o atual presidente da Casa, Eunício Oliveira, Renan Calheiros (e seu filho, governador de Alagoas), o líder do governo, Romero Jucá (RR), Edison Lobão (MA) e o ex-presidente do partido Valdir Raupp (RO), os três últimos citados por negociações que somam R$ 75,5 milhões em troca de favorecimento na construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau.

O PMDB da Câmara aparece, sobretudo, concentrado no "petit comité" da burocracia partidária liderado por Temer - ex-presidente da Casa - e seu núcleo duro, como os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco, além de Geddel Vieira Lima.

Descendo pela constelação de caciques estaduais - Amazonas (Eduardo Braga), Pará (Jader e Helder Barbalho), Goiás (Iris Rezende, Maguito Vilela e Daniel Vilela), Rio Grande do Sul (Germano Rigotto), Tocantins (Marcelo Miranda e Kátia Abreu), Espírito Santo (Paulo Hartung) - a relação da Odebrecht com o PMDB chega também a prefeitos e ex-prefeitos de cidades como Itaboraí, Macaé, Rio das Ostras, no Rio, até Juiz de Fora (MG), Trindade (GO); além de Santos, Rio Claro, Mairinque e Santa Gertrudes, em São Paulo.