Duas investigações esperam Temer ao fim do mandato

 

Ao terminar o mandato em dezembro de 2018, o presidente Michel Temer deverá ser investigado em pelo menos dois inquéritos da Operação Lava-Jato. O Valor apurou que, para incluir Temer nas investigações, bastará um pedido do Ministério Público à Justiça. Um dos casos deve ir para as mãos do juiz Sergio Moro, responsável pelas investigações da Lava-Jato em Curitiba. O outro deve ser remetido à Justiça Federal em São Paulo.

A visão de investigadores ouvidos pelo Valor é que Temer exercia função preponderante no grupo do PMDB responsável por arrecadar recursos ilicitamente. Também fariam parte do grupo os atuais ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, da Secretaria-Geral da Presidência, Wellington Moreira Franco, o senador Romero Jucá e o ex-deputado Eduardo Cunha, atualmente preso.

Temer ainda não é alvo de inquérito na Lava-Jato porque, na visão da Procuradoria-Geral da República (PGR), o presidente da República não pode ser investigado durante o mandato por fatos anteriores a ele. Mas a PGR escreveu nos documentos enviados ao Supremo Tribunal Federal (STF) que se trata de uma "imunidade temporária", ou seja, assim que terminar o mandato Temer deverá ser investigado.

Se as demais pessoas mencionadas nos inquéritos também perderem o foro privilegiado, as investigações deverão sair do STF para serem conduzidas pela 1ª instância. Por envolver desvio de verbas da Petrobras, um dos casos deverá ser remetido ao juiz Sergio Moro.

Essa investigação usa trechos da delação de Márcio Faria da Silva, ex-presidente da Odebrecht Engenharia Industrial. Ele afirmou em depoimento que Temer teria comandado uma reunião, em 2010, na qual se acertou o pagamento de propina de R$ 40 milhões ao PMDB. O valor corresponderia a 5% de um contrato da empreiteira com a Petrobras. Na época, Temer era candidato a vice-presidente da República. Na quinta-feira, após a divulgação das delações da Odebrecht, Temer divulgou nota afirmando que "jamais tratou de valores" com Márcio Faria.

O outro inquérito que deverá incluir Temer já tem como alvos dois de seus principais auxiliares: Padilha e Moreira Franco. Eles são investigados pela suspeita de pedir à Odebrecht recursos ilegais para campanhas eleitorais, em nome de Temer e do PMDB. Em troca, teriam favorecido a empresa nas regras para a segunda rodada de leilão de concessão de aeroportos, no fim de 2013. Como o leilão ocorreu em São Paulo, o caso deve ser remetido à Justiça Federal paulista.

"Há fortes elementos que indicam a prática de crimes graves, consistente na solicitação por Eliseu Padilha e Moreira Franco de recursos ilícitos em nome do PMDB e de Michel Temer, a pretexto de campanhas eleitorais", afirmou a PGR ao pedir a abertura da investigação.

No documento, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, atribui a Temer uma função de comando do grupo. O pedido aponta que, segundo os colaboradores da Odebrecht e as provas obtidas até agora, "a obtenção ilícita de recursos" atenderia "o grupo político capitaneado por Michel Temer" - que era vice-presidente na época dos fatos, que teriam ocorrido de março a setembro de 2014.

A PGR frisa que "as relações entre os políticos mencionados são, entretanto, mais longevas do que se poderia supor." O pedido de inquérito cita trecho da delação do ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho, segundo o qual "o núcleo político organizado do PMDB" na Câmara dos Deputados "era historicamente liderado por Michel Temer e capitaneado por três nomes: Michel Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco". Outra citação das falas do executivo aponta que "a pessoa mais destacada para entabular negociações com agentes privados e centralizar as arrecadações financeiras da Odebrecht era Eliseu Padilha, que atuava como verdadeiro preposto de Michel Temer, deixando claro que muitas vezes falava em seu nome".

Segundo o pedido de inquérito, "o grupo político permaneceu em funcionamento de forma concertada após a assunção por parte de Michel Temer da vice-presidência da República." Na nota divulgada na semana passada, Temer negou "de forma categórica" qualquer envolvimento em irregularidades.

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Marcelo mandou recado a Dilma: "Ela cai, eu caio"

 

Entre novembro e dezembro de 2014, com a Operação Lava-Jato já batendo à porta das maiores empreiteiras do país, Marcelo Odebrecht, passou a pressionar a então presidente Dilma Rousseff a reagir para ajudar a proteger a companhia e, nas palavras de Marcelo, o próprio governo.

Um documento entregue pelo executivo ao Ministério Público Federal como parte de sua delação traz a seguinte anotação: "Ela cai, eu caio." A nota era um recado de Marcelo à presidente, passado pelo governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT).

Quem ajuda a entender a anotação é João Carlos Nogueira, ex-diretor de Crédito à Exportação da Odebrecht e interlocutor de Pimentel. Segundo o relato de Nogueira, era 17 de dezembro de 2014 e Marcelo foi a Belo Horizonte se reunir com o então governador eleito. Levou na bagagem documentos que provavam repasses em caixa dois da empresa à campanha de Dilma à Presidência. "Sempre alertei a presidenta e as pessoas que eu procurei [no governo], mesmo sem tomar consciência do tamanho da exposição. Eu sabia da dimensão do nosso caixa dois. Eu sabia que tinha ido muito caixa dois para o João Santana [marqueteiro do PT]", disse Marcelo em delação.

Nogueira detalha a movimentação de Marcelo. "Marcelo foi lá para demonstrar ao Pimentel que tinha vindo recursos não contabilizados, para que ele [Pimentel] pudesse conversar com ela [Dilma]. Mostrar que tinha documentos que implicavam o governo federal na crise, para catalisar uma atitude do governo, que não tinha acontecido", disse Nogueira em delação. "Eram tempos desesperadores."

Foi Nogueira quem apresentou Pimentel a Marcelo. Em sua delação, o ex-diretor narra encontros em sua casa unindo Pimentel e Marcelo, além de pelo menos duas ocasiões em que tratou a sós com o governador sobre a Lava-Jato e as possíveis consequências para Dilma e Odebrecht.

"Ele [Pimentel] me disse que iria sondar o governo e que entendia que alguma ação deveria ser feita em função da escalada da crise. Ele entendia a gravidade do cenário", afirmou Nogueira.

O ponto principal de interesse da Odebrecht era que o governo endossasse a iniciativa da construtora Engevix, que também estava na mira da Lava-Jato, para tirar os processos da Justiça Federal de Curitiba, ou seja, do juiz Sergio Moro, e levá-los ao Supremo. "Essa contestação de competência talvez pudesse, não melar [a Lava-Jato] - ninguém tinha essa esperança -, mas seria menos traumático. Era um controle de danos", disse ele.

A proximidade entre Pimentel e Nogueira era tanta que o governador contou ao executivo da empreiteira sobre uma reunião convocada por Dilma para tratar da crise no governo.

"Pimentel me convidou para almoçar com ele no apartamento dele na Asa Sul, em Brasília. Lá chegando, ele me disse: 'João, hoje à noite haverá uma reunião no Alvorada, de avaliação de crise. Eu estarei. Vou aproveitar essa oportunidade para checar se algo vai ser feito em relação à reclamação da Engevix.'" Tarde da noite, Pimentel enviou uma mensagem via WhatsApp para Nogueira com a resposta: "Providências serão tomadas."

A Justiça vai investigar a tentativa de Pimentel de obstruir a Lava-Jato. O petista teria recebido R$ 13,5 milhões da empreiteira - ao mesmo tempo em que intermediava pedidos da companhia na Presidência.