Valor econômico, v. 17, n. 4236, 17/04/2017. Política, p. A8

Governadores receberam R$ 61 milhões

 

Os 12 governadores citados nos depoimentos de ex-executivos da Odebrecht ao Ministério Público são acusados de receber ou pedir para aliados recursos de caixa dois para o financiamento de campanhas eleitorais. O mineiro Fernando Pimentel (PT) é o único dentre estes governadores que ainda acumula a acusação de receber propina enquanto ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2011-2014).

Com base nos depoimentos de 16 delatores da Odebrecht, o chamado setor de Operações Estruturadas da empreiteira gastou ao menos cerca de R$ 61 milhões para financiar as campanhas eleitorais destes 12 governadores ou de seus aliados entre 2008 e 2014. O PMDB lidera este ranking, com quatro governadores na mira da Justiça, seguido pelo PSDB (3), PT (2), PSD (2) e PCdoB (1).

À frente do governo do Rio desde 2014, Luiz Fernando Pezão (PMDB), foi entre os governadores quem ganhou o maior montante de repasses via caixa dois. No total, foram R$ 20,3 milhões. A empreiteira ainda teria pago no exterior 1 milhão de euros ao seu marqueteiro, Renato Pereira. Os pagamentos, conforme os delatores, foram feitos a pedido do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB).

"O Pezão não sentou com a Odebrecht para pedir dinheiro", relatou o ex-presidente do grupo, Benedicto Junior. A prestação de contas apresentada pelo governador do Rio não traz doações oficiais da Odebrecht. Em termos de valores, Pimentel aparece como o segundo da lista de governadores. De acordo com os delatores, o petista recebeu R$ 13,5 milhões de propina para defender os interesses da empresa na condição de ministro.

Herdeiro do Grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht revelou ainda, sem precisar os valores, que boa parte dos R$ 8 milhões doados pela empresa para a campanha do governador mineiro em 2014 foi por meio de caixa dois. O executivo afirmou que a doação ocorreu pela parceria de Pimentel como ministro nas demandas da construtora e da subsidiária Braskem nos assuntos de crédito de exportação.

"Fiquei sabendo que a gente deu uns R$ 8 milhões para ele [Pimentel]. Grande parte, caixa dois", disse Odebrecht, acrescentando que o dinheiro não contabilizado foi repassado antes que Pimentel abrisse seu comitê para arrecadar as doações formais. Pelos depoimentos não fica claro, porém, se o dinheiro pago a título de propina também fez parte dos repasses que abasteceram o caixa dois.

Potencial candidato a Presidência em 2018, o governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), foi beneficiado com recursos não contabilizados da ordem de R$ 10 milhões, sendo R$ R$ 8,3 milhões na campanha à reeleição, em 2014, e R$ 2 milhões em 2010. Os delatores também contam que foram pagas vantagens indevidas a agentes públicos em obras da linha 2 Verde do Metrô na gestão do tucano.

Ex-diretor da empresa em São Paulo, Carlos Paschoal afirmou que Alckmin entregou a ele, na eleição de 2010, o cartão de visitas de seu cunhado, o consultor Adhemar Ribeiro, que seria a pessoa indicada pelo governador para intermediar os pagamento ilegais. Em 2014, esse papel teria sido desempenhado por Marcos Monteiro, ex-tesoureiro do PSDB e ex-secretário de Planejamento.

Benedicto Junior disse aos procuradores que em troca das doações para Alckmin a Odebrecht esperava ser beneficiada em contratos do Metrô e na área de saneamento. O mesmo delator também revelou o pagamento de R$ 2,5 milhões para a campanha à reeleição de Beto Richa (PSDB) no Paraná em 2014. Como contrapartida à doação, a empreiteira abateu o montante do projeto de duplicação da PR-323, que tinha a construtora à frente do consórcio.

"Era o único projeto [da Odebrecht] que existia no Paraná. [Se o projeto fosse adiante], ia ser lançado como despesa, ele ia onerar o projeto: ou diminuir na minha margem ou na nossa capacidade de dar desconto. Mas é uma concessão que está aguardando financiamento até hoje", afirmou Benedicto Junior.

O executivo ainda relatou o pagamento de R$ 550 mil no caixa dois das campanhas de Richa em 2008 e 2010, quando o tucano concorreu, respectivamente, à Prefeitura de Curitiba e ao governo do Estado. Não foram exigidas contrapartidas nas duas eleições. A decisão de doar a Richa, segundo Benedicto, tinha como base a percepção de que ele era um político em ascensão no cenário nacional.

Já o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo (PSD), pediu a Odebrecht que sua campanha em 2010 fosse abastecida com recursos não contabilizados. "Oferecemos R$ 2 milhões e ele pediu que fosse em caixa dois porque ele não queria naquele momento ter uma doação oficial da Odebrecht. Ele não queria ter nenhum vínculo", disse o ex-presidente da Odebrecht Ambiental Fernando Reis.

Colombo teria feito outros pedidos de doações não contabilizadas para candidatos do PSD de Santa Catarina. O apoio ao governador catarinense e seus aliados tinha como pano de fundo a privatização da Casan, que interessava para a Odebrecht. Reis disse que foi procurado novamente em 2014 pelo secretário estadual da Fazenda, Antonio Gavazzoni.

"[Ele disse] Que ele precisava de uma ajuda, que a campanha estava muito difícil, muito competitiva, que eles queriam fazer maioria na Assembleia. Então, ele me pedia uma complementação de R$ 2 milhões", disse o delator. "No final desse jantar, o secretário fez questão de ligar para o celular do governador e me colocar para falar com o governador, mostrando que o governador sabia, como se estivesse avalizando aquele pedido".

No caso do governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), pesa a acusação de pedir doações a candidatos do PMDB nas eleições de 2010 e 2012. O pemedebista, no entanto, não concorreu nestas disputas. Os pagamentos, conforme Benedicto, foram feitos no caixa dois.

"Me preparei para pagar R$ 1 milhão para a campanha dos candidatos que o PMDB ia apoiar em 2010. Em 2012, ele me procurou, pediu uma contribuição para os candidatos do partido que ele ia apoiar no Espírito Santo e eu autorizei. Nós fizemos uma doação de R$ 80 mil", disse Benedicto.

O governador de Alagoas, Renan Calheiros Filho (PMDB) será investigado por receber a pedido do pai, o senador Renan Calheiros (PMDB), ao menos R$ 800 mil em recursos não contabilizados em 2010. Seu caso, assim como dos governadores do Acre, Tião Viana (PT), e do Rio Grande do Norte, Robinson Faria (PSD), ficará em um primeiro momento no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) por envolver outros políticos com prerrogativa de foro privilegiado.

Em nota, os 12 governadores negam as irregularidades e afirmam que não pediram nem autorizaram doações ilegais.

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Empresas de cunhado de Alckmin têm R$ 39,2 milhões em capital social

 
 
 

Acusado por delatores da Odebrecht de intermediar doação de R$ 2 milhões por meio de caixa dois à campanha de Geraldo Alckmin ao governo de São Paulo, em 2010, o consultor Adhemar Cesar Ribeiro, de 76 anos, acumula capital social declarado de R$ 39,2 milhões em seis empresas dele ou nas quais tem sociedade com familiares.

Ribeiro é cunhado de Alckmin. O empresário é irmão da primeira-dama do Estado, Lu Alckmin. As informações sobre as empresas constam da base de dados da Receita Federal. Ribeiro tem um perfil profissional diversificado. As empresas que administra ou de que participa atuam na locação de imóveis, securitização de créditos financeiros, consultoria em gestão empresarial e ainda na prestação de serviços administrativos.

Com sede na Avenida 9 de Julho, a Wall Street Empreendimentos e Participações Ltda. é a que apresenta maior capital social declarado à Receita: R$ 38,1 milhões. Ela tem como atividade econômica principal o "aluguel de imóveis próprios". A empresa foi aberta em agosto de 1993 e está registrada em nome da mulher e do filho de Ribeiro.

Ele aparece como sócio principal de outra empresa, a Padema Agropastoril Ltda., com capital social de R$ 665,6 mil, cuja atividade principal é "consultoria em gestão empresarial". O empresário ainda é sócio de uma rede de estacionamentos, a XV de Novembro, e de outra empresa, a AR Planejamento, cuja principal atividade econômica é descrita na Receita como "consultoria em gestão empresarial".

Quatro dessas empresas apresentam o mesmo endereço indicado na base de dados do Fisco: a XV de Novembro Estacionamentos, a Nações Empreendimentos e Participações, a Wall Street e a Padema Agropastoril. Outras duas, a AR Participações e a Youw Coworking Serviços Administrativos Ltda., têm o mesmo endereço, na avenida Brigadeiro Faria Lima.

O ex-executivo da Odebrecht, Benedicto Júnior, disse que no primeiro semestre de 2010 o então superintendente da empresa em São Paulo, Carlos Armando Paschoal, viabilizou pagamentos à campanha de Alckmin "tendo como interlocutor Adhemar Cesar Ribeiro, através da equipe de Hilberto Silva [chefe do departamento de propinas da companhia]".

"Em 2010, eu fui procurado pelo meu executivo em São Paulo, Carlos Armando, com uma demanda de uma pessoa que trabalhava dentro da construtora, aliás um acionista da construtora, Aluizio Araújo [falecido em 2014], que era muito amigo do governador Geraldo Alckmin, de que nós deveríamos nos preparar para fazer uma doação de campanha de R$ 2 milhões", disse Benedicto Júnior em depoimento em delação premiada registrado em vídeo.

"O Carlos Armando deveria tratar desse assunto com o cunhado do doutor Geraldo Alckmin, o doutor Adhemar Cesar Ribeiro. Eu autorizei o Carlos para que fizesse planejamento para o pagamento, ele contatou o doutor Adhemar e fez os pagamentos sob o codinome 'Belém' no valor de R$ 2 milhões para essa campanha do governador Geraldo Alckmin em 2010", relatou o delator na gravação.

Paschoal também contou em delação que, juntamente com Aluizio Araújo, manteve reunião com Alckmin no escritório do governador, na Avenida 9 de Julho.

"Lá chegando, inicialmente aguardei em uma antessala (...). Na minha presença, foram faladas apenas banalidades, e com isso percebi que o tema já estava acertado entre os dois", disse. " Encerrado o encontro, Alckmin determinou pessoalmente à sua secretária que me passasse os dados de contato de Adhemar Ribeiro, seu cunhado, o qual seria incumbido dos recebimentos", disse Paschoal.

"Jamais pedi recursos irregulares em minha vida política, nem autorizei que o fizessem em meu nome. Jamais recebi um centavo ilícito. Da mesma forma, sempre exigi que minhas campanhas fossem feitas dentro da lei", afirmou o governador de São Paulo por meio de sua assessoria.

A reportagem tentou contatar Adhemar Ribeiro desde quinta-feira para ouvi-lo sobre as acusações dos delatores. Mas nem Ribeiro nem seu advogado, Gerber de Andrade Luz, foram localizados até o fechamento desta edição.

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Pimentel obteve recursos por ser próximo de Dilma

 

Governador de Minas Gerais, o petista Fernando Pimentel pediu e recebeu, quando ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior do governo Dilma Rousseff (PT), recursos da Odebrecht para financiar ilegalmente campanhas de prefeitos mineiros aliados em 2012 e, depois, em 2014 em sua campanha a governo. As duas operações tiveram participação direta de um homem que se tornou uma sombra para o petista: Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, apelidado de Bené.

As afirmações constam das delações de Marcelo Odebrecht, herdeiro e ex-presidente da empresa, e de João Carlos Mariz Nogueira, executivo da área internacional da Odebrecht, cujo sigilo foi retirado na semana passada.

A empresa, alegaram ambos, tinha duas razões para agradar ao então ministro. Primeiro, garantir que ele atendesse a interesses da empresa. E segundo porque Pimentel era considerado o ministro que mais tinha intimidade com Dilma e alguém capaz de influenciar a então presidente em temas sensíveis para a construtora.

"A única coisa que eu sei em relação a Pimentel é isso: que ele apoiou sim a gente muito [quando ministro]. Foi dada contribuição relevante? Foi. Foi dado parte via a caixa 2? Foi", disse Marcelo Odebrecht, em sua delação. Marcelo falou em R$ 8 milhões, sendo a maior parte em caixa dois. Mas Nogueira, que fez um relato detalhado, disse que o total foi de R$ 13,5 milhões. Esse valor está na petição do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fachin, que remeteu o tema para o Superior Tribunal de Justiça.

A assessoria do governador informou que ele jamais participou de ato ilícito. "Jamais recebeu qualquer benefício ou valor ilícito da Odebrecht, nem direta e nem indiretamente, por terceiros."

Nogueira era o principal elo da empresa com o ex-ministro e afirmou que a primeira vez que Pimentel pediu dinheiro foi durante uma conversa no gabinete ministerial numa manhã de agosto de 2012. "Ele [Pimentel] me disse que precisava de dois milhões". Era, segundo disse ter ouvido do então ministro, para pagar contas das campanhas de prefeitos aliados e que viriam a apoiá-lo na sua planejada campanha a governador de 2014.

"Eu não podia me indispor com o homem que estava sentado na principal cadeira do comércio exterior brasileiro, presidente da Camex, ministro de Estado muito próximo à presidente Dilma e o homem que tinha de fato nos atendido diligentemente, com capacidade de articulação e de concertação", afirmou Nogueira na delação. Na época, a empresa tinha 17 projetos no exterior com US$ 3,8 bilhões em análise pelo ministério. "Eu não podia arriscar essa aprovação."

A Odebrecht concordou. E Fernando Migliaccio, superior hierárquico de Nogueira, recomendou, segundo este, a seguinte logística: alguém da confiança de Pimentel se hospeda num hotel em São Paulo, informa o quarto a Nogueira; Nogueira informa uma senha [alface, feijão, melancia foram algumas delas]; e o entregador usa essa senha para se identificar ao hóspede. Segundo Nogueira, R$ 1,5 milhão foi entregue assim entre setembro de 2012 e abril 2013. O codinome de Pimentel era "Linha", referência a linha de crédito.

"A relação era muito boa e ficou ainda melhor", definiu Nogueira ao falar da relação de Pimentel com a Odebrecht após o pagamento. "Ele ficou agradecido pelo pleito ter sido atendido."

Quem era o homem de confiança encarregado de tratar desse pleito em nome de Pimentel? Bené, disse Nogueira. Ele conta que foi o então chefe de gabinete do ministro, Eduardo Serrano, quem os apresentou para a missão.

Em maio de 2013, Bené voltou à ação. Nogueira disse ter ouvido dele que Pimentel preparava uma campanha a governador dura contra um candidato que seria apoiado pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) e que além eleger o petista a meta era Dilma vencer em Minas. "E aí pediu R$ 15 milhões como contribuição." Ao contrário da primeiro pedido, afirmou Nogueira, esse foi apresentado como forma de a Odebrecht obter autorização da Camex de financiamento para obra de US$ 1,5 bilhão no metrô em Buenos Aires. Marcelo Odebrecht avalizou, a Camex deu seu aval e R$ 12 milhões foram entregues, disse Nogueira.

A logística se repetiu, segundo Nogueira. Pimentel foi eleito e Dilma foi a mais votada em Minas Gerais. Mas o projeto portenho acabou não saindo. O relato coincide com a delação que Bené fez em 2016 após ser preso pela operação Acrônimo, quando acusou Pimentel de ter obtido vantagens indevidas de empresas (entre elas Odebrecht) quando estava no ministério. A ação penal da Acrônimo está no STJ e se virar réu, Pimentel poderá ter de deixar o cargo.