No Paraná, apreensão com efeito da Carne Fraca

Alexandre Hisayasu

26/03/2017

 

 

Lapa, a 50 km de Curitiba, abriga sede da Seara, que emprega 1,8 mil trabalhadores

 

 

Desde a deflagração da Operação Carne Fraca, há cerca de dez dias, cidades da região metropolitana de Curitiba estão em alerta. O foco não está em novas denúncias de corrupção, mas no que pode ocorrer com a economia de cada uma caso as empresas citadas na investigação entrem em crise ou até mesmo fechem as portas. É o caso de Lapa, que fica a 50 quilômetros de Curitiba, no Paraná.

O município abriga uma das sedes da Seara, que concentra a produção em frangos e derivados. Na última segunda-feira, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, esteve na empresa para tentar estancar a sangria causada pela divulgação das investigações da Carne Fraca.

Na mesma semana, a JBS – dona da Seara – anunciou a suspensão da produção por três dias. A medida não atinge a produção de frango, mas o município está apreensivo.

“Prefiro nem imaginar a cidade ficar sem a empresa”, diz o prefeito Paulo César Furiati (PMDB). Segundo ele, um dia antes da deflagração da Operação Carne Fraca, a Seara comunicou a prefeitura que iria investir R$ 20 milhões para aumentar a produção de frangos na empresa. “Por dia, 190 mil frangos são abatidos. Com o investimento – que seria a compra de uma nova caldeira – o número aumentaria para 250 mil”, afirma. “A consequência disso seria o aumento de empregos e de receita para a cidade. Dormimos com um sonho e acordamos em um funeral.”

A cidade tem 45 mil habitantes e cerca de 40% vive no meio rural. A Seara emprega 1,8 mil pessoas e compra frango diretamente de 800 produtores, chamados de integrados. Eles recebem toda estrutura da Seara para criar frangos para abate, como ração e medicamentos. Segundo a prefeitura, cerca de 350 produtores integrados trabalham apenas para a Seara. No ano passado, 1,8 milhão de frangos foram abatidos.

O Estado esteve na cidade e conversou com alguns produtores integrados. Um deles, que prefere não ser identificado, afirma que está com 15 mil frangos que serão abatidos nos próximos dias. “A empresa traz o pintinho e nós cuidamos por 40 dias até o abate. Eu investi cerca de R$ 300 mil para atender às exigências de qualidade da empresa, mas o lucro é muito baixo. Minha sorte é que não dependo só disso. Mas conheço muitos que vivem só da produção de frango”, afirma.

“Recebemos críticas por depender tanto economicamente de uma empresa. Mas o fato é que trouxe benefícios à receita da cidade e melhorias em outros setores, como transporte e construção de ruas para acesso aos produtores”, diz o prefeito. Ano passado, o município arrecadou R$ 32 milhões de ICMS, dos quais 24,5% são referentes a comercialização de produtos produzidos pela Seara.

 

Dependência

R$ 32 mi é o valor do ICMS arrecadado pelo município de Lapa no ano passado, dos quais 24,5% são referentes à venda de produtos pela Seara

 

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BNDES articulou consolidação dos frigoríficos

Vinicius Neder

26/03/2017

 

 

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aplicou R$ 14,3 bilhões, entre 2005 e 2015, para consolidar o setor de processamento de carnes, abalado desde semana passada pela Operação Carne Fraca, da Polícia Federal. O valor inclui empréstimos diretos e indiretos, aplicação em títulos de dívida e compra de participações acionárias para seis empresas, conforme levantamento feito pelo Estado na base de dados do banco.

O BNDES atuou como articulador da consolidação dos frigoríficos na década passada, num processo que levou o Brasil ao posto de maior exportador de carnes do mundo. JBS, das marcas Friboi e Seara, e Marfrig (que não está na Operação Carne Fraca) são alguns dos expoentes do apoio do BNDES à consolidação internacional de empresas brasileiras, conhecida como política de “campeões nacionais” e alvo de críticas de muitos economistas.

Quatro empresas abocanharam R$ 14 bilhões – não foram considerados empréstimos automáticos, a maioria para investir em máquinas e equipamentos. Além de JBS (R$ 5,4 bilhões) e Marfrig (R$ 3,8 bilhões), o Bertin recebeu R$ 2,7 bilhões. Em 2009, o JBS comprou o Bertin, formando o maior produtor de proteína animal do mundo. A BRF, criada em meio à crise de 2008, com a fusão entre Sadia e Perdigão, recebeu um total de R$ 2 bilhões. Minerva recebeu R$ 132 milhões em crédito e Independência, R$ 250 milhões em participação acionária.

Especialistas reconhecem que a consolidação contribuiu para avanços na qualidade da carne. Mas, para José Carlos Hausknecht, diretor da consultoria MB Agro, a consolidação poderia ter ocorrido sem o BNDES. “Talvez uma consolidação não tão forte, com mais players, e, provavelmente, de maneira mais saudável.”

 

Concentração. Após a consolidação, o mercado nacional de carnes ficou dominado por JBS, Marfrig, BRF, Minerva e Independência. Em alguns Estados, segundo Hausknecht, pecuaristas reclamam que o JBS exerce monopólio, impondo seus preços. Além disso, empresas menos beneficiadas, como Minerva, atingiram a internacionalização sem BNDES.

Na visão do professor John Wilkinson, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a concentração era inevitável, mas o saldo foi positivo e a participação do BNDES fez sentido. “Há 15 anos, 50% do setor era informal, clandestino”, disse ele, destacando que hoje a informalidade é inferior a 10%. Segundo o professor, a concentração era inevitável porque exportar para regiões com forte controle sanitário, como a Europa, requer expansão geográfica.

O BNDES informou que monitora os investimentos e acompanha as investigações. Na sexta-feira, a presidente do banco, Maria Silvia Bastos Marques, disse que é “muito prematuro” comentar os impactos. A executiva é crítica à visão “setorial” da gestão anterior. Em relatório de 2015, o BNDES informou ganho de R$ 4,9 bilhões, até o primeiro trimestre daquele ano, com os investimentos no setor.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45085, 26/03/2017. Economia, p. B12.