Teste de força 
Bárbara Nascimento e Geralda Doca 
02/05/2017
 
 
Governo cobra apoio de aliados para aprovar já proposta da Previdência em comissão na Câmara

-BRASÍLIA- Depois dos protestos contra as reformas na sexta-feira, o presidente Michel Temer convocou líderes dos partidos do governo e ministros para uma reunião no fim do feriado de 1º de Maio para traçar estratégias de votação das propostas — a trabalhista chega ao Senado e vai passar por três comissões, e a previdenciária tem previsão para ser votada na comissão especial entre amanhã e quinta-feira. Diante das dificuldades em consolidar uma maioria favorável à reforma da Previdência no plenário da Câmara, a missão dada aos líderes é trabalhar para aprovar o texto final da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287 na comissão “com robustez”, com o apoio de todos os parlamentares da base que a integram. Dos 36, o Planalto tem o voto de 23, mas quer mais. Para isso, os suplentes que estão contra não deverão votar, e quem estiver dividido em relação ao tema poderá ser substituído, contou um aliado.

Segundo uma fonte ligada ao Planalto, hoje serão publicadas novas exonerações de pessoas indicadas pelos parlamentares infiéis, que votaram contra o governo em projetos importantes, como a reforma trabalhista. Os cargos serão preenchidos, temporariamente, pelos respectivos interinos desses dirigentes, e novas nomeações serão discutidas e avaliadas nos próximos dias com os governistas.

A retaliação começou na última sexta-feira. Um indicado do deputado Uldurico Junior (PV-BA), que votou contra a reforma trabalhista, foi exonerado do Ibama na Bahia. Segundo fontes do Planalto, o corte de hoje será “transversal”, ou seja, atingirá diversos partidos da base, mas a expectativa é que o PSB, que se posicionou partidariamente contra a reforma, sofra o maior número de perdas.

Houve uma mudança de tom no governo após a greve geral. A base foi orientada a votar o quanto antes a proposta de reforma da Previdência na Câmara, para pôr um ponto final nas pressões que vem recebendo, principalmente de servidores públicos. Ainda há risco de a votação ficar para a segunda semana de maio, mas o governo pretende vencer esta etapa ainda nesta semana. Dessa forma, a proposta ficaria disponível para ser incluída na pauta do plenário da Câmara a partir do próximo dia 8. No entanto, se não conseguir construir uma maioria até lá, a votação pode ficar para o fim do mês.

NÃO HAVERÁ NOVAS CONCESSÕES, DIZ MOREIRA

Quanto à reforma trabalhista, já aprovada na Câmara na semana passada, a ideia é encurtar ao máximo a tramitação no Senado. Serão realizadas, por exemplo, audiências públicas conjuntas nas comissões por onde o projeto vai passar, entre as quais as de Constituição e Justiça (CCJ) e de Assuntos Econômicos (CAE), antes de ir para o plenário.

Segundo o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Moreira Franco, Temer reiterou que não fará novas concessões ao texto original, apesar do lobby de algumas categorias dos servidores públicos. Ele disse também que o pleito da bancada ruralista para refinanciar a dívida dos produtores rurais com o Funrural está sendo resolvido à parte.

— As negociações já foram concluídas, e a determinação é aprovar o relatório apresentado na comissão especial — disse Moreira.

Após o encontro, que durou mais de três horas, o líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP/PB), afirmou que há convicção de que a reforma será aprovada com ampla maioria na comissão. Para aprovar o texto, é necessário ter metade dos votos dos presentes mais um. Ribeiro afirmou que uma das vagas da comissão, que estava vazia, será preenchida amanhã:

— Temos convicção de que temos ampla maioria, estamos trabalhando ainda com alguns partidos com dúvidas em relação ao texto para ajustar um placar amplamente majoritário na comissão.

Ribeiro afirmou ainda que eventuais substituições de pessoas na comissão serão decididas pelos líderes partidários. Ele disse que foi feita uma avaliação da votação da reforma trabalhista, na quarta-feira passada — a matéria foi aprovada por 296 votos a 177:

— Foi uma votação expressiva, uma vitória maiúscula em um tema complexo, mas em que se avançou bastante.

Além disso, ficou combinado que os deputados vão votar amanhã, em plenário, a medida provisória 752, que trata de concessões de infraestrutura.

Estavam presentes na reunião de ontem, além do líder do governo na Câmara, os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles; da Casa Civil, Eliseu Padilha; da Secretaria de Governo, Antônio Imbassahy; da Educação, Mendonça Filho; e Moreira Franco. O secretário da Previdência, Marcelo Caetano; o presidente da Câmara, Rodrigo Maia; o líder do governo no Senado, Romero Jucá; o relator da reforma, Arthur Maia; e o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI) também participaram.

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Arrecadação previdenciária pode subir 0,2 ponto percentual do PIB até 2020

Geralda Doca 

02/05/2017

 

 

Estudo mostra que reforma incentivará participação dos mais velhos no mercado formal

A reforma da Previdência — que vai exigir uma idade mínima para a aposentadoria — terá reflexos positivos no mercado de trabalho, principalmente para a faixa etária dos 50 anos, e na arrecadação do governo, mostra estudo inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Como a proposta vai obrigar os trabalhadores a adiarem a aposentadoria, as consequências serão taxa de participação maior dos mais velhos no mercado formal e redução dos gastos com benefícios. As projeções apontam para um incremento na arrecadação previdenciária de pelo menos 0,2 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) até 2020, considerando a estrutura etária atual.

Atualmente, a taxa de participação no mercado dos trabalhadores que se aposentam e continuam em atividade é de 35,7%. Segundo estimativas do autor do estudo, Rogério Nagamine, este percentual poderá crescer três pontos percentuais na década de 2020, partindo do pressuposto de o texto final da reforma criar idades mínimas progressivas de 53 anos (mulher) e 55 anos (homem) até fechar em 62 e 65 anos, respectivamente, ao fim da fase de transição (em 20 anos).

Um dos principais motivos para a baixa participação dos mais idosos no mercado formal é a aposentadoria por tempo de contribuição no regime geral (INSS) — 30 anos (mulher) e 35 anos (homem). Essa modalidade, aponta Nagamine, permite às pessoas se aposentarem no auge da produtividade, o que gera distorções no mercado de trabalho, além de contribuir para a queda no PIB:

— A aposentadoria por tempo de contribuição sem idade mínima gera aposentadorias precoces para pessoas em plena capacidade laboral, tendo efeito negativo sobre a taxa de participação das pessoas na faixa dos 50 anos e na produção.

Segundo o estudo, a participação das pessoas com 55 a 64 anos no total de ocupados do país é de 11,2%. Já o universo de pessoas mais velhas que trabalham por conta própria supera o de mais jovens: na faixa entre 55 e 64 anos, o percentual é de 34,4% do total e, acima dos 65 anos, de 42,6%. Já entre trabalhadores com 16 e 54 anos, a taxa cai a 20,2%.

Segundo Nagamine, isso indica a possibilidade de que a aposentadoria precoce pode servir como estímulo para as pessoas trabalharem por conta própria, sem a contribuição previdenciária:

— A reforma deve gerar efeitos positivos sobre a arrecadação pela eliminação do incentivo para aposentados na faixa dos 50 anos se tornarem conta própria sem contribuição para Previdência.

A despesa com aposentadorias e pensões de pessoas com menos de 60 anos é muito alta no Brasil em comparação a outros países, aponta o levantamento do Ipea. Em 2015, a despesa chegou a 2,2% do PIB. Entre os países da União Europeia, a proporção é de 1,1%, com projeção de cair a 0,6% do PIB.

— A despesa com aposentadoria de pessoas com menos de 60 anos ocupadas no mercado de trabalho, portanto, em plena capacidade laboral, é similar ao gasto com o Bolsa Família — disse Nagamine.

Ele destacou que a regra vigente no país (só por tempo de contribuição) beneficia justamente as pessoas com renda do trabalho elevada, a “elite” do mercado formal brasileiro: os trabalhadores que conseguem contribuir para a Previdência por 35 anos (homem) e 30 anos (mulher) sofrem menos com a informalidade e o desemprego. Os mais pobres, destacou, geralmente só conseguem se aposentar aos 65 anos de idade (homem) e 60 anos (mulher). Quem se aposenta exclusivamente por tempo de contribuição tem melhor grau de instrução em relação aos demais trabalhadores, destaca o estudo. Enquanto a escolaridade média dos trabalhadores que ainda não se aposentaram é de 7,6 anos de estudo, entre os aposentados e ocupados, a média é de nove anos. Neste caso, 21,4% deles têm curso superior completo, contra 13,7% dos demais.

Para o pesquisador, a reforma tem potencial para reduzir a desigualdade. Ele lembra que 80% dos aposentados precoces estavam entre os 30% mais ricos, segundo pesquisa do IBGE. Na faixa dos 50 anos, a renda do trabalho dos aposentados precoces ocupados é de R$ 2.759 contra R$ 2.188 auferida pelos ocupados não aposentados na mesma idade. A distância, porém, diz ele, cresce quando se considera ganhos de outras fontes (aplicações e aluguel, entre outras): chega a R$ 4.299 contra R$ 2.212.

— A aposentadoria acaba ampliando a desigualdade do mercado de trabalho — disse Nagamine.

 

O globo, n. 30584, 02/05/2017. Economia, p. 17