O Estado de São Paulo, n. 45069, 10/03/2017. Economia, p. B3

‘Esvaziamento’ da reforma é maior temor

Para Marcelo Caetano, secretário da Previdência, modificações da proposta vão exigir mudanças ainda mais fortes talvez já em 2019

Por: Thais Barcellos / Francisco Carlos de Assis/ Eduardo Laguna / Altamiro Silva Junior

 

Um possível esvaziamento da reforma da Previdência que o governo propôs ao Congresso deve exigir que outras reformas mais duras sejam feitas no futuro, começando já em 2019 com o próximo presidente, disse o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano.

O secretário participou ontem do evento Fóruns Estadão, que debateu a reforma da Previdência.

Ele disse que a proposta encaminhada pelo Planalto permite que a despesa da Previdência em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) fique estável ao longo dos próximos anos. Essa despesa vem crescendo nos últimos anos e, sem as mudanças nas regras, vai seguir nessa tendência.

Se a reforma começar a ser esvaziada, Caetano ressaltou que a expectativa de estabilização da dívida deixa de ocorrer. “Vai ter de fazer reformas mais fortes no futuro para compensar o que deixou de ser feito agora.” Questionado sobre quando haveria necessidade de uma nova reforma, o secretário disse que isso pode ocorrer já em 2019, na gestão do novo presidente.

Caetano – assim como o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles – rebateu teses que negam o rombo no sistema de seguridade social, argumentando que se baseiam em metodologias alternativas, nas quais algumas contas entram e outras são excluídas, gerando diferenças de valores.

Segundo ele, o déficit do regime geral de aposentadoria passa de R$ 150 bilhões e quando se soma os demais gastos de seguridade social, como o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Bolsa Família, o rombo chega a R$ 270 bilhões.

 

Velocidade. Miguel Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, ligado à Força Sindical, criticou a velocidade com que o governo está tratando das mudanças na aposentadoria e também na reforma trabalhista. “Somos os maiores interessados em que a Previdência não quebre, mas não podemos admitir que a reforma seja feita nesse ritmo alucinante, num período de grave crise”, afirmou Torres. “Por que não alongar esse debate por um ano? Teria pouco impacto.” O sindicalista ainda argumentou que a isenção do agronegócio e as desonerações, por exemplo, são um grande problema, assim como as dívidas de grandes empresas com a Previdência.

Torres também considerou que a reforma “não é para todos”, conforme afirma o governo, referindo-se às exceções no processo, como os militares.

O coordenador de Direito Previdenciário da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ), Fábio Zambitte, considerou normal a diferenciação da aposentadoria dos militares, que, segundo ele, foram escolhidos como “bode expiatório”. A categoria tem lei diferenciada para o tema e será necessária uma reforma específica.

Na opinião de Zambitte, o texto da reforma passará por revisões no Congresso. “Nenhuma proposta escapou de algum grau de negociação, ainda mais uma com o sarrafo tão grande como esta.” Segundo ele, o tempo mínimo de contribuição de 25 anos – considerado por ele muito alto – está entre os temas a serem discutidos.

Em resposta a Torres, que disse ver interesses das empresas de previdência privada na reforma, o diretor executivo da Fena- Saúde, José Cechin, ex-ministro da Previdência Social, disse ser falsa a afirmação pois, segundo ele, o que incentiva esse tipo de previdência é a alteração do teto do benefício do INSS, tema que não está inserido na proposta.

O coordenador de Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rogério Nagamine, disse ter receio de que a proposta de reforma seja desfigurada no Congresso.

Ele citou a tramitação da Medida Provisória 664 há dois anos, cujo propósito era corrigir as pensões por morte, mas que resultou numa flexibilização do fator previdenciário que comprometeu, na visão dele, o equilíbrio fiscal. “A regra 85/95 progressiva foi uma das maiores contrarreformas que já tivemos”, disse Nagamine. Para ele, essa regra reforça ainda mais a necessidade de uma reforma previdenciária. / THAIS BARCELLOS, FRANCISCO CARLOS DE ASSIS, EDUARDO LAGUNA e ALTAMIRO SILVA JUNIOR

 

Sem interesses

“O que incentiva esse tipo de previdência (privada) é a alteração do teto do benefício do INSS, tema que não está inserido na proposta.”

José Cechin

DIRETOR EXECUTIVO DA FENASAÚDE

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Relator promete alterar regra de transição

Emenda ao projeto também quer proibir que funcionário de estatal continue na empresa depois da aposentadoria

Por: Eduardo Rodrigues

 

Enquanto o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, pressiona a base do governo na Câmara dos Deputados a aprovar a Reforma da Previdência sem alterações no texto original, o relator da proposta de emenda à Constituição (PEC), Arthur Maia (PPS-BA), voltou a dizer ontem que, do jeito que está, o projeto não passa na Casa. Ele prometeu mudanças na regra de transição para quem está no mercado de trabalho há mais tempo e adiantou uma emenda para barrar que aposentados de estatais continuem trabalhando.

Segundo Maia, ele mesmo já teria alertado Meirelles sobre a necessidade de mudanças no texto. Nesta semana, o ministro fez um périplo pelo Câmara para conversar com as bancadas e chegou a dizer que, se for para fazer uma “reforma diluída”, seria melhor não fazer nada.

“Eu disse ao ministro ter aprendido naquela Casa que o ótimo é inimigo do bom. O que ele acha que é ótimo não será aprovado. Vamos tentar construir um texto que seja bom para todos os trabalhadores.” O relator adiantou ainda que uma emenda que já está pronta para ser acrescentada à PEC é a proibição de que funcionários de estatais continuem trabalhando nessas empresas após se aposentarem. Segundo ele, essa é uma situação comum, que tem impacto de cerca de R$ 2 bilhões por ano aos cofres públicos.

Somente nos Correios, seriam 12 mil trabalhadores nessa situação, apontou.

“Essa emenda já está pronta e será uma emenda simples. A aposentadoria encerra o vínculo empregatício nas estatais”, afirmou, ao deixar o Tribunal de Contas da União (TCU), onde participou do evento Comissão da Verdade Previdenciária. No seminário organizado pelo órgão de controle, Maia refutou as queixas de servidores públicos sobre as mudanças de regras de aposentadoria e defendeu a isonomia das novas normas para os regimes geral e próprio.

Ele ouviu acusações de que a reforma será mais dura com o funcionalismo público. “Faço aqui um apelo por um debate equilibrado sobre a real necessidade de uma quarta reforma apenas para o servidor público civil. A União não fez nada em 20 anos em termos gerenciais, o regime próprio da União está jogado às traças”, acusou a presidente da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU), Lucieni Pereira.

O relator respondeu que o maior mérito da reforma seria justamente a isonomia em relação ao regime geral de Previdência.

“Não acho que essa reforma foi feita para afetar apenas o setor público. As regras de idade para aposentadoria e não acumulação de benefícios alcançam de maneira indistinta a população brasileira”, completou.

Ele chegou a prometer aos servidores presentes que estudaria uma forma de atender à demanda da categoria para que a regra de transição dos funcionários públicos seja diferente da regra do regime geral. “Essa parte da PEC está muito mal formulada. E nessa reformulação terão de ser consideradas situações específicas dos servidores públicos. Um servidor público é diferente de um trabalhador de uma fábrica”, afirmou.

Mas, ao sair da sede do órgão de controle, Maia disse aos jornalistas que essa mudança é complicada e quase impossível de ser feita.

 

PONTOS POLÊMICOS

Idade mínima

Governo quer instituir idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, tanto na aposentadoria urbana quanto rural - Há emenda para fixar idades mínimas menores, de 60 anos para homens e 58 para mulheres - Outra emenda restitui a idade mínima de 60 anos para trabalhadores rurais

 

Regra de transição

Governo prevê pedágio de 50% sobre tempo restante para a aposentadoria para homens acima de 50 anos e mulheres acima de 45 - Há emenda para instituir pedágio de 30% sobre o tempo restante para todos; a idade mínima incidiria sobre trabalhadores inseridos no mercado após a reforma - O DEM deve apresentar emenda em que a idade proposta pelo governo só valeria para servidores públicos e trabalhadores em geral que nasceram depois de 1993. Os demais teriam regra de transição que varia de acordo com o ano de nascimento