O Estado de São Paulo, n. 45069, 10/03/2017. Economia, p. B20

Ministério Público Federal pede anulação de novas regras de bagagens

Em pedido, Procuradoria da República aponta que a cobrança fere os direitos do consumidor e “levará à piora dos serviços mais baratos prestados pelas empresas”; companhias argumentam que as novas regras dão mais concorrência ao setor

Por: Mateus Coutinho / Julia Affonso / Fausto Macedo / Luciana Dyniewicz / Rafael Moraes Moura / Breno Pires

 

O Ministério Público Federal em São Paulo entrou ontem com uma ação civil pública na Justiça pedindo que seja anulada liminarmente a regra da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) que autoriza as companhias aéreas a cobrarem taxas para o despacho de bagagens. A norma vale para voos domésticos e internacionais e está prevista para entrar em vigor na próxima terça-feira, 14.

No pedido, antecipado pela coluna Direto da Fonte, da jornalista Sonia Racy, a Procuradoria da República aponta que a cobrança fere os direitos do consumidor e “levará à piora dos serviços mais baratos prestados pelas empresas”. Hoje, os passageiros têm direito de despachar uma mala com até 23 kg em voos nacionais e dois volumes de 32 kg cada um em internacionais sem pagar taxas extras.

A nova resolução da Anac elimina a franquia mínima de bagagem despachada. A agência reguladora argumenta que a alteração possibilitará a queda das tarifas. Para o MPF, contudo, a mudança foi feita “sem analisar a estrutura do mercado brasileiro nem avaliar o impacto da medida sobre os passageiros com menor poder aquisitivo”.

“Ao apostar na concorrência como fator de ajuste dos preços, a agência reguladora ignorou o fato de o Brasil dispor de um número restrito de empresas, o que torna o setor pouco competitivo, sem grande disputa por tarifas mais baixas”, diz a nota da Procuradoria.

Uma perícia realizada pelo MPF concluiu que o objetivo das novas regras é ampliar o lucro das companhias, que, segundo o órgão, reduzirão a qualidade dos serviços de menor custo, já embutidos no valor das passagens, e aperfeiçoarão os pacotes mais caros para estimular os consumidores a comprá-los.

Para a Procuradoria, a nova norma contraria o Código Civil, que garante a inclusão da bagagem despachada no valor da passagem, e o Código de Defesa do Consumidor, que veda a chamada venda casada e a cobrança de taxas excessivas. A resolução também vai de encontro à Constituição ao provocar o retrocesso de direitos já adquiridos pelos consumidores, de acordo com o procurador da República Luiz Costa, autor da ação.

 

Argumento. No documento, Costa afirma que a Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPCON) havia apresentado propostas para a Anac, que foram, segundo ele, ignoradas. Para a MPCON, o argumento de que haverá uma queda no preço das passagens é uma “falácia” e “não foi demonstrado”, escreveu o procurador.

Entre as empresas aéreas, apenas a Latam deu uma estimativa da redução das tarifas que poderá ser alcançada com o fim da franquia de bagagem. Segundo a empresa, o recuo médio será de 20% até 2020. Em entrevista ao Estado, o presidente da Gol, Paulo Kakinoff, disse que não é possível garantir uma queda nos preços porque eles são “dinâmicos” e dependem de outras variáveis, como demanda e câmbio. O executivo, porém, frisou que quem não despachar bagagem certamente pagará menos do que quem despachar.

As empresas argumentam que as novas regras dão mais concorrência ao setor e equiparam o Brasil a outros países. Hoje, segundo a Anac, apenas Venezuela, Rússia e México também exigem que as companhias aéreas transportem pelo menos uma mala sem cobrar.

Para André Castellini, da consultoria Bain & Company, taxar a bagagem é uma tendência internacional e a adoção da medida permite que as passagens brasileiras possam ser comparadas com as das empresas de baixo custo de outros países. Castellini projeta que não haverá redução do valor da tarifa média. “O preço depende de outros fatores e é um equilíbrio de oferta e demanda”, destaca. “Hoje, a pessoa que viaja sem bagagem paga a conta de quem viaja com.” Nesta semana, as empresas anunciaram que não começarão a cobrar pela bagagem já na terça .

 

Justiça. A ação do Ministério Público seguirá para apreciação da Justiça. Além do pedido de liminar, o procurador requisitou que a cobrança de bagagem seja anulada definitivamente.

Outras ações para barrar a nova regra da Anac correm no País desde o fim de dezembro. Ontem, o juiz federal Itagiba Catta Preta Neto decidiu declinar competência e enviar para a 10ª Vara da Seção Judiciária do Ceará a ação civil pública protocolada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra a resolução.

O Procon de Fortaleza também entrou na Justiça Federal.

A OAB alega que a Anac “resolveu atender o pleito das empresas de transporte aéreo e extinguiu a franquia mínima de bagagem despachada, sem exigir delas redução do valor da tarifa ou qualquer outra contrapartida em prol do consumidor”.

Procurada, a Latam informou que segue a regulamentação do setor. Outras aéreas e a Abear, associação das companhias, não quiseram comentar.

A Anac ressaltou em nota que, antes de a nova regulamentação ser aprovada, foram feitas 28 reuniões com instituições representativas da sociedade, entre as quais entidades de defesa do consumidor, além de audiências públicas e debates com parlamentares./ MATEUS COUTINHO, JULIA AFFONSO, FAUSTO MACEDO, LUCIANA DYNIEWICZ, RAFAEL MORAES MOURA e BRENO PIRES

 

Mais barato

20% é quanto a tarifa da Latam deverá recuar até 2020 com a permissão para cobrança de bagagem, de acordo com a companhia aérea

 

NOVAS REGRAS

Bagagem de mão

Apesar de as novas regras da Anac permitirem a cobrança pela mala despachada, elas ampliam o peso da bagagem de mão gratuita de 5 kg para 10 kg

 

Reembolso

A partir de terça-feira, 14, o passageiro terá direito a receber reembolso da passagem se cancelá- la até 24 horas após a compra, com antecedência mínima de sete dias do embarque

 

Extravio

O prazo para a empresa localizar a bagagem cai de 30 dias para sete em voos nacionais e para 21 em internacionais

 

 

Cancelamento

O passageiro poderá utilizar o trecho de volta mesmo não usando o de ida, mas será preciso comunicar a companhia

 

A BORDO

● Empresas têm autorização para cobrar por bagagem a partir da próxima terça-feira, 14

 

LATAM

Voos nacionais

Cobrará R$ 50 pela primeira bagagem de 23 kg ainda neste ano, mas não definiu em que mês começará a cobrança. A segunda bagagem de 23 kg custará R$ 80, preço que entrará em vigor na próxima terça

Voos internacionais

Na América do Sul, dará gratuidade à primeira mala de 23 kg, cobrando US$ 90 pela segunda. Para outros destinos, há gratuidade para duas malas 

 

AVIANCA

Voos nacionais

Não mudará suas tarifas na próxima semana, mas analisa ter, no futuro, uma passagem mais barata para quem não despachar bagagem

Voos internacionais

Ainda não divulgou

 

AZUL LINHA AÉREAS BRASILEIRAS

Voos nacionais

Terá uma tarifa reduzida para quem não despachar bagagem a partir de terça. Se o passageiro mudar de ideia, poderá incluir uma mala de 23 kg por R$ 30. A tarifa com bagagem inclusa continuará existindo no patamar atual

Voos internacionais

Na América do Sul, dará gratuidade à primeira mala de 23 kg, cobrando US$ 50 pela segunda. Para outros destinos, a gratuidade se estende à segunda mala de 23 kg

 

GOL LINHAS AÉREAS INTELIGENTES

Voos nacionais

Não mudará suas tarifas na próxima semana, mas terá uma passagem mais barata para quem não despachar bagagem em comparação com a de quem despacha

Voos internacionais

Ainda não divulgou