O Estado de São Paulo, n. 45069, 10/03/2017. Política, p. A4

Governo rejeita proposta de leniência da OAS

Após um ano e meio de negociações, Ministério da Transparência conclui que empreiteira não colaborou; TCU afirma que empresa foi beneficiada no período

Por: Fábio Fabrini

 

O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria- Geral da União negou proposta da OAS para firmar com o governo um acordo de leniência – espécie de delação premiada para empresas. A pasta concluiu que a empreiteira não colaborou efetivamente, deixando de apresentar novas provas para desvendar os esquemas de corrupção na Petrobrás e outros órgãos federais – um dos requisitos legais para que se chegue a um entendimento. Com isso, mandou reabrir em novembro processo de responsabilização que pode resultar na declaração de inidoneidade da empresa e na proibição de participar de novas licitações públicas.

Os procedimentos adotados pela Transparência durante o período de negociação do acordo de leniência com a OAS estão sendo questionados por uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU). A fiscalização constatou que, embora a proposta tenha sido rejeitada, o governo concedeu, indevidamente, benefícios à empresa durante as negociações, que se arrastaram por um ano e meio. Como revelou o Estado no mês passado, o tribunal apura possível favorecimento também em outros casos.

Relatório técnico da corte diz que a Transparência firmou um memorando de entendimento com a OAS em março de 2015, no qual oficializou as negociações do acordo. O documento, segundo os auditores, contém cláusulas que, na prática, atestam “a possibilidade de a empresa obter créditos e subsídios” de bancos e outros órgãos da administração pública federal, embora seja suspeita de desviar recursos públicos. Conforme fonte da pasta, esse mesmo tipo de cláusula consta dos memorandos assinados com outras empreiteiras alvo da Lava Jato.

A OAS enfrenta grave crise financeira e está em processo de recuperação judicial. A empreiteira buscava a colaboração com o Executivo federal como forma de evitar punição e pavimentar uma saída para a crise.

A auditoria do TCU diz também que a Transparência notificou a Petrobrás indevidamente para que suspendesse a apuração de irregularidades da OAS.

Outro efeito do memorando foi a paralisação provisória de investigações em curso na própria pasta, sem que os prazos de prescrição das irregularidades deixassem de correr.

O relatório da corte propõe que o ex-ministro e ex-secretário executivo da pasta Carlos Higino Ribeiro de Alencar, que exerceu as funções no governo Dilma Rousseff, e o então secretário- geral de Consultoria da Advocacia-Geral da União (AGU) Fernando Luiz Albuquerque Faria sejam ouvidos em audiências para explicar as supostas ilegalidades. Eles foram, segundo o TCU, os responsáveis por autorizar os benefícios supostamente indevidos. Os auditores também sugerem que a Transparência seja proibida de suspender investigações, na forma como ocorreu.

Ao analisar o caso, o procurador do Ministério Público de Contas Júlio Marcelo de Oliveira, que atua perante o TCU, pediu a apuração de responsabilidades.

“Os agentes públicos responsáveis pelo início das negociações do acordo, extrapolando os comandos legais, por meio de simples memorando, beneficiaram a pessoa jurídica sem que houvesse qualquer contrapartida em prol do interesse público por parte da empresa interessada no acordo de leniência, que nem mesmo foi concretizado.

Os responsáveis criaram do nada uma espécie de medida cautelar em favor da empresa que apenas manifestou interesse em colaborar, sem nada de concreto apresentar, contudo”, escreveu, em parecer concluído no fim do mês passado.

Os ministros do TCU julgariam o caso anteontem, mas o processo, que corre em sigilo, foi retirado de pauta.

 

Rejeição. A comissão do governo que analisou a proposta concluiu que a OAS apresentou documentos e informações que já eram de conhecimento de investigadores. Por isso, entendeu que ela “pouco tem a oferecer como contrapartida”, seja porque “as irregularidades existentes foram identificadas e comprovadas”, seja porque “não tem interesse em admitir o cometimento de infrações, com a apresentação de provas ainda desconhecidas pelo poder público”.

O relatório foi enviado à AGU e à Secretaria Executiva da Transparência, que concordaram com as conclusões.

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A ineficácia das propostas na Lei Anticorrupção

 

Suprema ironia. Antes da Lei Anticorrupção, de 2013, as empreiteiras que fraudavam contratos de obras públicas eram imediatamente inabilitadas a partir da instauração do respectivo processo administrativo. Tudo conforme a Lei das Licitações (4.666/96). Veja-se, por exemplo, o caso da Delta, de Fernando Cavendish, em 2013.

Agora não. O Ministério Público, ao firmar acordo de leniência com as empreiteiras arquicorruptas, declara que podem elas continuar as obras em andamento que contrataram com os superfaturamentos conhecidos e ainda podem obter novos financiamentos do BNDES e demais bancos públicos. Ocorre que esse entendimento esbarra com a citada Lei Anticorrupção, que exige a presença da Advocacia-Geral da União (AGU), do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério da Transparência na negociação e celebração desses acordos. Daí não terem os mesmos qualquer eficácia no que diz respeito à retomada das obras fraudadas, ou para participarem de novas licitações e leilões, ou para obterem novos financiamentos.

É o que expressamente advertiu a ministra Grace Mendonça, titular da AGU, em esclarecedora entrevista ao Valor Econômico, na terça-feira. Ou seja: os acordos de leniência firmados solitariamente com o Ministério Público Federal (MPF), face à ausência da AGU, CGU e TCU, são absolutamente ineficazes, devendo o poder público ingressar com ação de improbidade administrativa contra as empreiteiras corruptas, não podendo elas obterem qualquer financiamento do BNDES, Banco do Brasil e da Caixa, e muito menos continuar a tocar obras atuais ou futuras.

Isso tudo quer dizer que os acordos de leniência firmados pelo MPF a favor das empreiteiras corruptas têm apenas o condão de reduzir as multas devidas pelos delitos cometidos, mas não abrangem a indenização cabal que o poder público deve cobrar delas e muito menos permitir que elas continuem ou voltem ao rol de contratadas.

A Lei 4.666/96 não foi revogada e muito menos pode ser desconsiderada nos acordos de leniência firmados pelo MPF.

 

É JURISTA

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Com dívida bilionária, empresa enfrenta recuperação judicial

PERFIL - OAS, empreiteira investigada na Operação Lava Jato

Por: Josette Goulart

 

A OAS foi uma das primeiras empresas envolvidas na Operação Lava Jato a pedir recuperação judicial. Quase R$ 7 bilhões em dívidas foram perdoados pelos credores, que, mesmo assim, ainda têm a receber R$ 2,8 bilhões.

A empreiteira terá de faturar R$ 5 bilhões a partir de 2021, quando começará a desembolsar R$ 200 milhões por ano em juros. Os próprios executivos consideraram a meta ambiciosa e revisaram os planos. A ideia inicial era deixar o mercado externo e focar apenas no Brasil. Com poucos contratos no País, a empresa voltou atrás, o que será um grande desafio dada a conjuntura atual.

No ano passado, a empreiteira ganhou R$ 1,3 bilhão em novos contratos no Brasil e no exterior.

Hoje está tocando 29 obras, como partes do Rodoanel, Belo Monte e Linha 5 do Metrô de São Paulo.

No auge, faturou R$ 9 bilhões por ano e tinha 100 mil empregados. No ano passado, a OAS faturou R$ 3 bilhões e o número de trabalhadores caiu para 34 mil. / JOSETTE GOULART