Novos modelos de jornada

Cássia Almeida 

16/05/2017

 

 

Reforma trabalhista prevê de zero a 12 horas diárias, em seis tipos de contrato

A reforma trabalhista aumentou as alternativas de jornada que o empregado pode cumprir. As opções vão de sem jornada definida a 44 horas semanais, com expedientes diários variando de zero hora a 12 horas. O projeto de lei, que está tramitando no Senado depois de ter sido aprovado pela Câmara dos Deputados, admite também que as jornadas possam ser negociadas diretamente com o empregador.

Há ainda mudanças no intervalo de almoço e no de deslocamento, afetando o tempo que se fica à disposição do empregador. Alguns especialistas dizem que essas diversas formas de jornada já existem no mercado de trabalho, mas na informalidade. Outros afirmam que a reforma flexibiliza a lei a ponto de restringir a proteção ao nível da informalidade.

O projeto mantém a jornada máxima de 44 horas semanais, com a permissão de duas horas extras diárias, mas admite que um trabalhador seja contratado sem previsão de jornada específica, respondendo apenas à demanda do empregador, de forma intermitente. A reforma prevê ainda a admissão por tempo parcial. Atualmente, pode-se contratar por 25 horas por semana. Se o projeto virar lei, o empregador pode ter um funcionário por 26 horas semanais, admitindo mais seis horas extras por semana ou por 30 horas, sem possibilidade de aumentar a jornada. A jornada de 12 horas seguidas por 36 horas de descanso já existe também, mas restrita a algumas categorias que acertaram essa alternativa por convenção ou acordo coletivo intermediado pelo sindicato. Pelo texto da reforma, será possível negociar essa jornada diretamente com o empregador, para qualquer categoria. Há ainda o tempo flexível nos contratos do teletrabalho (home office).

Para o economista Helio Zylberstajn, professor da USP, a reforma não mudou muita coisa no funcionamento do mercado de trabalho no quesito jornada:

— A reforma apenas trouxe para lei, na maior parte dos casos, práticas que já estão consagradas, inclusive por jurisprudência. A jornada de 12 horas com 36 horas de descanso é um exemplo. Como excede o limite máximo diário de oito horas mais duas extras, havia uma insegurança. Essa jornada já é realidade em algumas situações, como nas áreas de vigilância e saúde. Há decisões de todos os níveis dos tribunais confirmando isso.

EXIGÊNCIA DE HORÁRIO NA ALEMANHA

A reforma também libera a empresa a estender a jornada em caso de atividades insalubres sem consultar o Ministério do Trabalho. Pelo texto da proposta, a jornada deixa de ser uma questão de saúde e segurança. O Ministério Público do Trabalho é contra a medida, ao afirmar que os acidentes de trabalho acontecem exatamente nas últimas duas horas de expediente.

— É um tipo de jornada extenuante do ponto de vista físico, muda o horário de descanso e há interferência na vida social, criando dificuldades. Hoje, o sindicato entra para fechar as condições mais adequadas nessa estratégia. A nova regra joga essa negociação para o trabalhador numa condição de desemprego estrutural — afirma Clemente Ganz Lucio, diretor técnico do Dieese.

O que mais preocupa os analistas é o contrato intermitente, que não especifica jornada. O empregado só trabalha em dias e horas que o patrão chamar. Segundo estudo do advogado trabalhista Paulo Fernandes, na Alemanha, por exemplo, exige-se que o contrato fixe um período. Se não fizer isso, terá obrigação de convocar o trabalhador no mínimo dez horas por semana e por três horas diárias. Na Itália, com exceção dos setores de entretenimento, serviços ao público e turismo, as outras áreas só podem usar esse expediente por 400 dias a cada três anos.

O que se propõe no Brasil é semelhante ao que se pratica nos Estados Unidos e na Inglaterra, segundo Fernandes:

— Nos Estados Unidos, há um movimento para suavizar impactos negativos desse tipo de contratação. Oito estados e o distrito de Columbia exigem pagamento de valor mínimo a quem trabalha dessa forma, mesmo que não seja convocado.

No Brasil, a única restrição é para aeronautas, que estão fora desse regime. Zylberstajn diz que impor limites ao contrato intermitente vai impedir que a lei tenha efetividade:

— O contrato não vai pegar com restrições. Já existe esse tipo de trabalho no Brasil, em eventos, restaurantes. Não é inovação, só que está na informalidade. A lei trará proteção a algo que já existe.

O advogado Luiz Marcelo Góis, sócio da área Trabalhista do Barbosa, Müssnich, Aragão (BMA), diz que esse tipo de trabalho sem jornada é o que está gerando mais dúvidas entre os especialistas:

— O projeto fala que tem de avisar ao trabalhador três dias corridos antes. Mas, se tiver um feriado, e o empregado não ver a convocação e perder o trabalho? A questão da remuneração também é muito nebulosa. Quando esse empregado vai receber: na hora, depois de uma semana, depois de 15 dias?

HORAS EXTRAS NEGOCIADAS

Lucio, do Dieese, vai mais longe. Afirma que esse tipo de contratação vai provocar mais estresse e doença no empregado:

— Se eu recusar, o empregador vai me chamar outra vez? A vida vira um inferno. O trabalhador não terá como comprovar renda para conseguir um crédito. Toda a lógica é dar máxima segurança ao empregador. Se o trabalhador faltar por algum motivo, ainda ficará devendo ao patrão (o projeto prevê multa de 50% do valor a ser pago se o funcionário aceitar a convocação e não comparecer).

A negociação é ampla em relação à hora extra. A compensação é feita por acordo individual em banco de horas, mas terá que acontecer em seis meses. Se for por sindicato, pode ser em um ano. Atualmente, banco de horas só é admitido por negociação coletiva. Lucio, do Dieese, afirma que a nova regra é inconstitucional, já que a Constituição prevê que banco de horas só pode ser negociado por convenção ou acordo coletivo. Para mudar essa regra, o projeto teria que ser de emenda constitucional (PEC), que exige aprovação de três quintos dos congressistas, enquanto que, para o projeto de lei, basta maioria simples.

O QUE PREVÊ O PROJETO

44 HORAS SEMANAIS:

O contrato padrão, de, no máximo, 44 horas semanais, permanece. É possível fazer duas horas extras diárias, que vão ser pagas ou compensadas em banco de horas, por acordo individual (em seis meses) ou coletivo (em um ano).

26 HORAS:

É o contrato por tempo parcial. Essa jornada pode ser acrescida de seis horas extras semanais.

30 HORAS.

Outra opção de contrato por tempo parcial. Mas não são permitidas horas extras.

SEM JORNADA DEFINIDA:

No contrato intermitente, o trabalhador só sabe quando vai trabalhar e por quantas horas com três dias de antecedência.

12 HORAS DE TRABALHO POR 36 DE DESCANSO:

Nessa jornada, o empregado trabalha 12 horas direto e descansa 36 horas. Ela existe atualmente para algumas categorias, que definiram esse contrato em convenção ou acordo coletivo. A reforma prevê que a jornada passe a ser negociada individualmente e valha para qualquer atividade.

TELETRABALHO (HOME OFFICE).

Nesse tipo de contrato, a jornada é flexível e não há previsão de horas extras.

ALMOÇO MENOR:

O intervalo para almoço cai de uma hora, no mínimo, para 30 minutos. Se esse intervalo não for feito, o empregador pagará hora extra apenas dos minutos que foram suprimidos do almoço. Hoje, é cobrada a hora inteira, inclusive com o encargos trabalhistas. Estes foram suprimidos na reforma nesses casos.

DESLOCAMENTO:

A reforma deixa de considerar como horário de trabalho o tempo de deslocamento, mesmo quando o transporte é fornecido pelo empregador e/ou não há oferta de transporte público. E considera tempo de deslocamento o que leva até o posto de trabalho, não somente até a empresa.

HORAS EXTRAS.

A negociação é individual e será acrescida de 50%, aumentando o percentual estabelecido na CLT de 20%, respaldando a Constituição. Permite duas horas extras diárias, mesmo para aqueles empregados que compensam o sábado, trabalhando 8h45m por dia. Também admite que a jornada se estenda por mais de dez horas em casos de força maior, sem comunicar ao Ministério do Trabalho, como a lei exige hoje.

 

 

O globo, n. 30598, 16/05/2017. Economia, p. 15