OAB protocola pedido de impeachment na Câmara

Catarina Alencastro

26/05/2017

 

 

Para entidade, conduta do presidente foi ‘incompatível’ com o cargo

 

 A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolou ontem à tarde na Câmara dos Deputados pedido de impeachment contra o presidente Michel Temer. No documento, a OAB diz que Temer praticou crime de responsabilidade e feriu o decoro, com base em denúncias do dono da JBS, Joesley Batista, que gravou o presidente em diálogo que trata da compra do silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e também da cooptação, por Joesley, de juízes e promotores. Também foi tema dessa conversa, ocorrida tarde da noite no Palácio do Jaburu, a escolha de um indicado do interesse da JBS para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), o que acabou não sendo efetivado. A OAB lista como testemunhas para o pedido de impeachment os irmãos Wesley e Joesley Batista, donos da JBS, e Ricardo Saud, executivo da empresa.

— O pedido da OAB leva em consideração as manifestações do presidente da República em dois momentos, onde, em rede nacional de televisão, ele declara textualmente conhecimento de todos os fatos. Ou seja, o presidente declara que escutou desse empresário, que ele denominou como fanfarrão e delinquente, todos aqueles crimes e nada fez com relação ao que escutou — disse o presidente da entidade, Claudio Lamachia, que foi pessoalmente protocolar o pedido.

 

PREOCUPAÇÃO ESPECIAL

No pedido, a OAB afirma que não importa se o áudio foi editado ou não, conforme alega a defesa de Temer, pois o presidente confirmou em pronunciamentos e entrevista que houve o diálogo.

— O fato de essa gravação ter sofrido ou não edição, neste momento, se torna irrelevante diante das declarações do senhor presidente da República nos pronunciamentos e entrevista que deu, onde ele torna incontroversos estes fatos — diz Lamachia.

Em um trecho do documento protocolado na Câmara dos Deputados, a OAB diz que a conduta de Temer foi “incompatível” com o cargo que ele ocupa.

Além de Lamachia, diversos conselheiros foram pessoalmente à Câmara apresentar o pedido. O presidente da OAB diz que a decisão do órgão foi “técnica e apartidária”, tomada numa reunião que durou oito horas e varou a noite do último sábado. Perguntado sobre a possibilidade de renúncia, por parte de Temer, Lamachia disse que esta é uma questão muito pessoal. Ele também apelou ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aliado de primeira hora de Temer e a quem cabe dar ou não andamento a um pedido de impeachment, que “observe a responsabilidade” do cargo que ocupa.

— Renúncia é um ato pessoal, personalíssimo. Eu imagino que o senhor presidente da República pense no bem do Brasil e assim eu espero que ele esteja efetivamente refletindo — disse o advogado. O documento protocolado pelos conselheiros da Ordem reproduz trechos da delação dos irmãos Batista, como o relato de Joesley a Temer sobre a cooptação de autoridades. De todas as bancadas regionais da OAB, apenas a do Amapá foi contra a decisão de pedir o impedimento de Temer.

Temer encarou o pedido de impeachment da OAB com especial preocupação, por ser uma entidade que o presidente “respeita muito”, segundo um assessor, e por ser ele próprio advogado. Apesar do discurso do governo de que o presidente não será tirado do poder via impeachment, o gesto da OAB incomodou Temer. Além disso, a avaliação no Palácio do Planalto foi de que a entidade agiu de forma rápida no caso de Temer, mas que “chamou atenção” a “lentidão” com que a OAB atuou na época do impeachment da expresidente Dilma Rousseff.

O pedido da OAB se soma a outros 12 que já haviam sido apresentados na Câmara. Apenas quatro deles foram protocolados antes do escândalo da JBS. Rodrigo Maia, no entanto, indicou, em sua primeira fala pública após a divulgação da delação dos irmãos Batista, que não aceitaria nenhum deles. Numa espécie de pronunciamento, Maia, que sempre foi um dos grandes aliados de Temer, disse que “a presidência da Câmara não será instrumento de desestabilização do governo”. Mas esta semana Maia afirmou que não vai descartá-los de forma imediata, sem qualquer análise. (Colaborou Leticia Fernandes)

O globo, n.30608 , 26/05/2017. País, p. 4