Valor econômico, v. 17, n. 4236, 17/04/2017. Política, p. A17

'Lava-Jato entrará na fase da delação dos políticos'

 

A imagem é catastrófica. O que aconteceu na terça-feira, 11 de abril, com a divulgação dos nomes de 80 políticos citados na delação da Odebrecht e que tornaram-se alvo de inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), é comparável à sexta-feira, 11 de março de 2011, quando um terremoto, seguido por um tsunami, causou a explosão da usina nuclear de Fukushima, no Japão.

Para o pesquisador e filósofo político Marcos Nobre, da Unicamp e do Cebrap, a lista do relator da Operação Lava-Jato no STF, Edson Fachin, representa a inauguração de uma nova fase da força-tarefa. "O que estamos vendo é o tsunami, depois vem o acidente nuclear", prevê.

Explica-se. A lista de Fachin/Fukushima marca o encerramento do período das colaborações premiadas dos empresários e abre espaço para a bombástica e complexa delação de políticos contra políticos, afirma Nobre. Bombástica porque envolve riscos e ameaças à vida de delatores e suas famílias. "O político tem um custo muito mais alto do que o empresário para colaborar", diz. Complexa porque os políticos não querem negociar com o juiz Sergio Moro ou com os procuradores do Ministério Público Federal. Prefeririam a Polícia Federal, mais centralizada, para evitar vazamentos. "Isso exigiria uma inovação institucional, em que as delações passem por fora do Judiciário e do MP", diz.

Para Nobre a Lava-Jato é incontrolável. Não pode ser parada, nem mesmo por seus agentes. Ganhou vida e ritmo próprios. "Dá uma olhada no [juiz da 7ª Vara Federal Criminal, Marcelo] Bretas. Como tem a filial do Rio de Janeiro, vai haver a filial em outros lugares. Não tem fim", afirma, numa entrevista ao Valor em que analisa os impactos da lista que ainda espirrou a Lava-Jato para diversas instâncias do Judiciário, Brasil afora, em 201 petições que podem se transformar em inquéritos, com o potencial de pôr fim a carreiras e projetos políticos - e estimular outros.

O governo Temer, vaticina Nobre, "acabou". Não teria mais capacidade de aprovar no Congresso, a não ser como um "remendo", as reformas previdenciária, trabalhista, tributária, apoiadas por uma elite que se tornou seu único ponto de sustentação. "Ele está pendurado em 10% da sociedade, que é o tamanho da popularidade dele. O governo Temer realmente virou o governo Sarney. Agora, não tem outro objetivo exceto sobreviver", diz.

A investigação, ao atingir o presidente da República e abrir inquéritos contra oito ministros, mostraria que o pemedebista não conseguiu entregar o prometido à base político-parlamentar: "estancar a sangria" da Lava-Jato. Além dos colaboradores próximos de Temer, a suspeita paira sobre 24 senadores e 39 deputados. "Como governo, a gestão Temer nunca existiu. Nasceu feudalizada, sem uma coordenação transversal entre os ministérios, como acontecia com PT e PSDB. O que existia era coordenação congressual, que agora está totalmente abalada", afirma Nobre.

A lista de Fachin seria a maior demonstração de que a Lava-Jato não pode ser travada. "Se é impossível parar a Lava-Jato, então por que mesmo vou ter que aprovar a reforma da Previdência? Para reduzir minha chance de eleição no ano que vem - o que eu preciso desesperadamente para não cair nas mãos da primeira instância?", põe-se o filósofo no lugar do parlamentar.

Sob essa lógica, a base aliada tende a se "desmilinguir". Temer, diz, "passará a negociar ainda mais o que antes era inegociável". O revés, no entanto, não significa que o pemedebista será alvo fácil de um processo de impeachment. Isso só acontecerá se os protestos de ruas crescerem - o que é provável, aponta - mas nada indica que as oposições, à direita e à esquerda, consigam unificar suas bandeiras e massificar o "Fora, Temer", como ocorreu contra Dilma Rousseff. Para Nobre, os movimentos de rua estão "completamente perdidos". "Eles não podem carregar o governo Temer, porque acabam. Ao mesmo tempo, não podem dizer que não tem nenhuma responsabilidade sobre o governo Temer, porque foram para a rua tirar uma presidente legitimamente eleita. Eles não têm para onde ir", diz.

Os movimentos de rua precisariam encontrar um "novo inimigo comum". O problema, acrescenta Nobre, é que o presidente da República tem imunidade contra crimes cometidos antes do mandato e as delações da Odebrecht enlamearam políticos de praticamente todos os partidos. "Como eleger Temer o inimigo se tem uma lista desse tamanho?", questiona. Na fase anterior, pontua, Dilma e Lula teriam sido alvos de uma bem-sucedida manipulação com a personalização da Lava-Jato em suas figuras: "Havia a noção de que o PT era responsável por toda a corrupção existente, uma imagem obviamente falsa, mas que pegou".

Marcos Nobre vê o governo Temer como um "ajuntamento" semelhante ao de Sarney em 1988, que depende, para um mínimo de vertebração, da figura central de Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, atingido pelas delações da Odebrecht. "Temer depende dele num nível impressionante. Se o objetivo for derrubar o Temer, é só acertar o Padilha", afirma.

Para os objetivos da Lava-Jato, no entanto isso "talvez não seja interessante", pondera, porque trata-se de um governo fraco. Uma situação diferente à do momento em que Lula se preparava para assumir a Casa Civil, em março do ano passado, quando Moro retirou o sigilo da ligação telefônica grampeada entre o ex-presidente e Dilma. "Ali, atiraram na testa. A Lava-Jato tem o fantasma da Operação Mãos Limpas, na Itália, como seu exemplo. Por isso, atacam todo mundo que tem poder de trancá-la. Essa é a sua lógica geral", destaca Nobre.

A força-tarefa estaria mais preocupada em se fortalecer diante do próximo presidente, a ser eleito no ano que vem, do que em alvejar Temer. E sobre 2018, o pesquisador afirma que a operação terá um papel definidor. "Quem estiver implicado na Lava-Jato está fora do jogo", diz. Marcos Nobre não compartilha a ideia de que, por ser tão generalizada e atingir quase toda a classe política, a Lava-Jato provoque um rebaixamento das expectativas. O eleitorado, diz, não vai procurar o seu "malvado favorito", um candidato tradicional e encalacrado na Justiça mas que comungue de suas preferências políticas. Vão buscar o novo: "É uma regra de ouro: se o partido lançar envolvido na Lava-Jato, vai errar". Neste sentido, os candidatos do PT e do PSDB, afirma, não representarão mais a polarização das últimas décadas. Terão que lançar figuras novas, o que deixará o cenário mais fragmentado. Os 30% de abstenção, em branco e nulo não devem se alterar. Mas os 50% do eleitorado que topavam votar no menos pior entre petistas e tucanos vão se juntar aos 20% que sempre buscavam uma terceira via. "Estarão meio sem rumo. Só vai ter coisa nova. Essas fronteiras vão se dissolver. Um jogo novo vai começar", prevê. A disputa, afirma, é favorável ao prefeito de São Paulo, João Doria, mas Nobre ressalta que o tucano ainda não foi testado na curta eleição municipal. "Todo mundo esqueceu dele. Ninguém bateu no Doria. Eleição presidencial é moedor de carne".