Valor econômico, v. 17, n. 4236, 17/04/2017. Política, p. A18
"Delação premiada virou ficção premiada"
 

Romero Jucá
Raymundo Costa
Ribamar Oliveira
 
 
E agora, qual é a saída?

O senador Romero Jucá, presidente do PMDB, líder do governo e um dos principais atores da crise tem uma resposta para a pergunta mais recorrente dos últimos dias: "É preciso mudar o modelo político sem acabar com a política" e fazer a transição de um "sistema atrasado" sem ódio ou vingança, de modo que nem um aventureiro, nem um justiceiro ou um outsider se imponha nas eleições de 2018. "Se você optar por acabar com os partidos e exterminar com a política, abre espaço para a aventura".

Jucá é um dos campeões da lista de Fachin - cinco inquéritos. Foi e continua sendo um dos principais operadores dos últimos quatro presidentes. Conhece por dentro o sistema cujo fim agora decreta e ajuda governo e Congresso na busca de soluções para uma crise que dizimou a elite política brasileira. Mas entende que até agora há mais "calúnias premiadas" do que "delações". Caberá ao Supremo tribunal Federal (STF) fazer a modulação. Diz que o Congresso faz a mudança ou será mudado, e que o presidente Temer prepara o futuro para que o governo não caia nas mãos de um aventureiro, o que, para ele, seria a certeza da "demolição" do ajuste em curso.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

 

Valor: A delação do fim do mundo chegou. O mundo acabou?

Romero Jucá: Tirando a onda que a imprensa faz, essas investigações estão começando. Tem que ter documento, tem que ter base legal, tem que ter prova. O que não tem. A delação premiada hoje virou uma ficção premiada: o cara concorda com uma história para poder ir pra casa. O cara vai para casa porque está alí preso.

 

Valor: As delações serão mudadas em juízo?

Jucá: Não sei nem se em juízo vão falar outra coisa, porque eles não conseguem provar o que estão dizendo. Acho que a legislação da delação, que é importante, depois desta situação, não agora, tem que ser ajustada. Primeiro, delação premiada tem que apresentar resultado quando for comprovada. Delação não pode vazar antes de o cara comprovar. Vira uma calúnia premiada também. O que está sendo questionado não é a postura individual de um parlamentar, é o modelo político. Era você ir atrás de empresas para receber doações de empresas para financiar campanha. Esse era o modelo legal. Isso não é um crime.

 

Valor: O que está em jogo agora?

Jucá: O que está em jogo é a transição do sistema político atrasado, anterior, que mudou com o paradigma da Lava-Jato. E mudou positivamente.

 

Valor: Mesmo sem financiamento empresarial?

Jucá: O financiamento empresarial estava levando a uma corrida desvairada por dinheiro. Essa mudança é positiva. Acho que o Ministério Público, apesar dos excessos, está cumprindo o seu papel. E entendo que nós estamos agora numa encruzilhada.

 

Valor: Qual?

Jucá: Porque não se trata agora de A, B ou C. Se trata do modelo. Nos temos que ter a maturidade e a responsabilidade de fazer a transição política, de mudar o modelo político, sem acabar com a política, coisa que a Operação Mãos Limpas fez na Itália.

 

Valor: Qual o desafio da classe política?

Jucá: Fazer uma transição, a mudança do perfil da atuação política, de modo que os partidos sejam mais cobrados e fiscalizados e a sociedade participe e cobre mais. E que a dinâmica da eleição mude. Ela já está mudou em 2016 e vai mudar mais em 2018. Mas isso dentro de um quadro não de vingança em cima da política, mas de melhoria da política. Se você optar por acabar com os partidos e exterminar com a política, abre espaço para a aventura. Fora da política não tem solução. E a aventura, no Brasil e em qualquer lugar do mundo, já mostrou que não dá certo.

 

Valor: Mas qual é a saída neste cenário de devastação?

Jucá: O [ministro do STF Edson] Fachin está agindo corretamente, tem que apressar as investigações para poder definir quem tem ou não culpa.

 

Valor: Mas no ritmo do STF essas denúncias só vão aparecer na campanha eleitoral de 2018.

Jucá: Eu acho que a investigação precisa ser acelerada. O Supremo vai ter que modular isso. O que é crime e o que não é crime. Essa é uma questão emblemática para o Brasil, então tem que andar no ritmo de celeridade.

 

Valor: A perspectiva é de demora. Como funcionaria?

Jucá: Você pega um caso, vê se o cara recebia, se gastou, se houve a empresa, qual é a linha direta: o parlamentar recebeu e deu a obra da usina tal pro cara. O parlamentar tem poder para dar a usina tal? Não tem? Não tem causa e efeito. Onde é que teve corrupção nesse caso aqui? Isso já é uma sinalização. Propina tem que ter uma vantagem. Propina foi o [Pedro] Barusco, ex-gerente de Serviços da Petrobras que liberava o contrato dos caras, dava aditivo e recebeu US$ 100 milhões. Isso é propina.

 

Valor: Mas o STF decidiu que mesmo caixa um pode ter propina.

Jucá: Eu vi o processo. O Fernando Baiano disse na delação dele que tinha arranjado uma empresa da Petrobras para doar para o Valdir Raupp (PMDB-RO). A doação foi oficial. A defesa do Raupp disse que ele não se encontrou com Fernando Baiano. O Ministério Público foi lá e provou que ele se encontrou no Rio de Janeiro, no restaurante tal, assinou a nota. Houve uma discrepância de posições. O que é que o Supremo disse? Mesmo sendo doação oficial é importante que se investigue porque está havendo posições divergentes. O ministro Fachin não criminalizou o caixa um.

 

Valor: Como fazer a transição sem uma reforma política?

Jucá: Tem que fazer a reforma política.

 

"O que está sendo questionado não é a postura individual de um parlamentar. Era você ir atrás de empresas para ter doações"

 

Valor: Esse Congresso tem legitimidade para tanto?

Jucá: Alguém ser investigado não tira a legitimidade da representação. O Congresso sempre será legítimo porque será o resultado de uma eleição. Se o Congresso entender a mensagem das ruas faz uma reforma política abrangente, que é o que eu defendo. Se o Congresso não entender e não fizer essa reforma abrangente, a população vai fazer uma reforma abrangente independente do Congresso.

 

Valor: Qual seria essa reforma?

Jucá: Eu acho que tem que mudar o sistema de eleição proporcional. E financiamento público com controle de gastos. Proibir coligação e fazer a cláusula de barreira. Já será um avanço, se a Câmara fizer isso. Já. O tempo é pouco. Nós temos que aprovar até o fim de setembro.

 

Valor: Mas em geral o que os políticos tentam é se proteger. A lista fechada, por exemplo.

Jucá: A lista fechada não é uma lista fechada é uma lista pública. Quando se fala em lista fechada fica parecendo que o cara não vai saber quem vai se eleger.

 

Valor: A lista é pré-ordenada pelo partido.

Jucá: É. Mas se o partido colocar um bando de cara bichado na lista, as pessoas não vão votar no partido. Ou o partido se recicla ou o povo recicla o partido. Se botar lá um bando de cara que não tem representatividade, a população não vai votar. Eu defendo o voto majoritário: os mais votados entram (Distritão). O povo entende isso, você reduz despesas, não precisa fazer coeficiente eleitoral.

 

Valor: O que o senhor acha da proposta de convocação de uma Constituinte para fazer a reforma?

Jucá: O problema é que essa constituinte só viria em 2018. Se a gente não fizer, vai chegar em 2018 do jeito que está?

 

Valor: Nesse ambiente há condição de se fazer maioria para aprovar as reformas?

Jucá: Nós vamos aprovar as reformas, o governo não está paralisado, nós vamos cumprir o cronograma, eu espero até julho ter votado as duas reformas - trabalhista e da Previdência. Nas duas casas. A reforma trabalhista será votada primeiro que a da Previdência. Nós vamos votar.

 

Valor: A maioria dos investigados é da base aliada do governo...

Jucá: Não é a maioria. São todos. PCdoB está lá, PT está lá. Todo mundo que disputou eleição nos últimos dez anos vai estar de alguma forma nisso, porque recebeu dinheiro do partido que recebeu dinheiro de empresa. O que está em xeque não é o comportamento individual de ninguém, doação para a campanha política é a questão da discussão do modelo.

 

Valor: Não escapou ninguém. Os cinco ex-presidentes da República vivos estão lá...

Jucá É o modelo. Fernando Henrique Cardoso é um assaltante? Você acha que a Dilma [Rousseff, ex-presidente da República] é uma assaltante? É o modelo. Tem que pagar marqueteiro, tinha que pedir dinheiro. O Serra é um assaltante?

 

Valor: O senhor defende uma anistia?

Jucá: A gente tem que ver o que é que se enquadra legalmente e o que não se enquadra legalmente. O que eu acho ruim é você querer pegar um modelo legal e induzir para ele ser criminalizado. Primeiro, o que é doação oficial? Não se pode chegar agora, botar um cara preso seis meses e o cara terminar tendo que dizer 'não, essa doação aqui eu dei porque é propina'. Alguém que foi pedir dinheiro a uma empresa e disse 'eu sou presidente de partido e queria uma ajuda para a campanha'; e o empresário responde 'eu vou lhe dar um milhão'. Esse milhão seu foi do lucro líquido legal da empresa ou foi do lucro do superfaturamento que você fez? Alguém perguntou isso? Então não tem essa conversa. O dinheiro da empresa é o dinheiro da empresa. O responsável pela condução do dinheiro é de quem faz a doação.

 

Valor: O senhor quer dizer que a pessoa que recebeu o dinheiro pode não ter nem ideia de onde ele veio?

Jucá: A menor ideia da origem do dinheiro. Você querer estender isso pra tudo, pra dizer que isso é propina... Para se ter uma transição, como é que se faz? Vamos discutir. O que não se pode fazer é - por conta desse erro de modelo - dizer o seguinte: acabam todos os partidos, acabou a política no Brasil, vamos botar quem não é político. Vamos botar um bravateiro, um justiceiro ou outsider. Não vai dar certo.

 

Valor: Esse é o risco?

Jucá: O risco, não. É a certeza de que não vai dar certo. Você pegar alguém que não é da política e botar para ser presidente da República. Eu fui líderes dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula, da Dilma por um ano e sou líder do Michel. No governo [José] Sarney fui governador. Convivi com cinco presidentes. Não é fácil ser presidente de um país como o Brasil, se você não tiver experiência, janela, tolerância, conhecimento, saber como a questão política funciona. Quem não soube como funcionava se ferrou. A Dilma e o Collor. Porque não é uma operação simples, não é a gestão de uma empresa. O processo não é cartesiano, é um processo de alta complexidade. Se o cara não administrar, cai na cabeça dele. Inventar um presidente é muito difícil. Quero ver você inventar um piloto de boeing sem o cara ser [piloto de] boeing. 'Tem alguém aí que pilote esse boeing, o piloto morreu'. Não, tem um piloto de teco-teco. 'Então vem cá, pilota esse boeing aqui'. Sabe o que vai acontecer? Vai derrubar o boeing, né? É a mesma coisa. Não dá para matar todos os pilotos, entendeu?

 

Valor: Tem algumas outras iniciativas sendo adotadas, como a lei de abuso de poder, elas não vão enfrentar mais dificuldades agora?

Jucá: O abuso de poder deve ser feito num ambiente em que isso possa ser reconhecido como um avanço. O abuso de poder não pode ser votado como retaliação para parecer um retrocesso. Tem que ser um avanço. Por isso que eu acho que os caras conduziram mal e mataram a lista, que é um dos modelos mais usados no mundo.

 

"O Congresso não está sob suspeição. O Congresso é legítimo. Se alguém for cassado, assume outro no lugar"

 

Valor: O modelo que o senhor está pensando então não tem a lista?

Jucá: Eu não vou definir pela Câmara qual é o modelo, eles é que disputam eleição proporcional, a minha já é majoritária. Qualquer solução, se aprovar a lista, se aprovar o fim da coligação proporcional, se aprovar o voto majoritário ou o voto distrital, é melhor do que o modelo que temos hoje, que leva a ter 33 partidos e mais 54 pedindo registro. É uma zona partidária.

 

Valor: Candidatura independente para presidente?

Jucá: Muito difícil. Isso não vinga em lugar nenhum. Você tem que ter base partidária para disputar uma eleição. Eleição para presidente é uma eleição junto com governador, senador e deputados. Depois você tem que ter maioria no Congresso. É outro problema.

 

Valor: É o problema do outsider.

Jucá: Ou do justiceiro. O cara vai fazer campanha dizendo que vai matar todo mundo, nenhum político presta, com a guilhotina, no outro dia ele vai ter de tratar com os caras que ele quer matar. E aí? Vale retaliação? Vale atirar para sobreviver?

 

Valor: Tem os que prometem receber os "justiceiros" a bala?

Jucá: Esse aí é o aventureiro.

 

Valor: O senhor diz que não há paralisia, mas não foi votada ainda a repactuação das dívidas estaduais.

Jucá: Não foi paralisado. Não está pronto para votar. Não foi paralisado por conta da investigação. Foi paralisado porque o Rio não se acertou ainda, os Estados que fizeram o dever de casa acham injusto os Estados que quebraram terem tratamento especial. Não é falta de quórum. É falta de um entendimento.

 

Valor: Há dinheiro em troca de aprovar medida provisória?

Jucá: Vocês acompanham o Congresso. Comprar medida provisória com um parlamentar? O cara pode comprar na Presidência da República, que faz as medidas provisórias. Quem edita medida provisória é a área econômica.

 

Valor: Qual o seu papel?

Jucá: É o mesmo há 20 anos. Quando eu relato eu pego as coisas, discuto com áreas de governo, faço os ajustes que a área da economia pede, porque não adianta aprovar emenda de economia sem acertar com a área econômica, se não os caras vetam depois. Toda emenda que eu trabalhei ou que eu trabalho eu fecho com o Ministério da Fazenda, o Ministério do Planejamento, com a Casa Civil. Assim eu consigo construir uma solução para depois ser sancionada. É meu trabalho de parlamentar. O cara vai dizer que eu estou vendendo medida provisória, porque eu fui líder do governo em quatro governos? Falo com qualquer empresário. Eu não teria a moral que tenho com o setor empresarial brasileiro, se eu cobrasse para fazer medida provisória.

 

Valor: Mas não pode um partido ter obtido uma vantagem.

Jucá: Vai ter que se explicar na investigação. Mas se o modelo era dar para o partido?

 

Valor: Mas se olhar e for caixa dois?

Jucá: Caixa dois é outra coisa. Caixa dois é um cara não recebeu oficialmente e pagou a despesa do cara lá. Aí vamos discutir o seguinte: o caixa dois está criminalizado ou o Ministério Público estava pedindo para criminalizar agora, nas dez medidas. Qual é o tratamento que se dá?

 

Valor: O STF tem que modular?

Jucá: Tem que se discutir.

 

Valor: Não há consenso no Congresso para isso?

Jucá: O problema de o Congresso tratar disso é que vira uma enorme confusão pra dizer que está se auto-liberando. Este é que é o problema.

 

Valor: Como é que faz para tratar de regras importantes com parte do Congresso sob suspeição?

Jucá: O Congresso não está sob suspeição, está sendo avaliado. Suspeição é outra coisa. O Congresso é legítimo, está ali para votar. Está fazendo uma reforma estrutural para melhorar a economia do país. Se um dia alguém for cassado alí, assume outro no lugar. O Congresso continua legítimo. Ilegítimo será o cara que for condenado. Aí ele sai do Congresso. Entra outro.

 

Valor: Digamos que não é ilegítimo, mas há ambiente para votar?

Jucá: Essa é a única saída para o Congresso se consolidar e cumprir seu papel. Aquele que ficar paralisado é porque está com medo.

 

Valor: Não votar significa o quê?

Jucá: Significa deixar o país numa situação de extrema dificuldade, qualquer um que ganhe em 2018 vai pegar o país quebrado. O país já não aguentava mais dois anos do jeito que ia no governo da Dilma. Não votar a reforma da Previdência é uma irresponsabilidade contra o país.

 

Valor: Por falar em reforma da Previdência, é aquilo mesmo de que o governo está disposto a ceder só para perder 20%, tem isso mesmo?

Jucá: Nós estamos discutindo melhoria das condições da Previdência, como o atendimento aos mais pobres, e que tipo de compensação é possível fazer.

 

Valor: É porque você tem uma ideia do tamanho da economia que vai precisar fazer: o que ceder de um lado vai ter que recuperar do outro para poder dar aquela economia.

Jucá: Não débito e crédito zerando. Mas você tem que ter uma ordem de grandeza. A reforma da Previdência proposta não resolve o problema da Previdência. Ela deixa a Previdência com o déficit crescendo menos do que está atualmente. Não é reforma definitiva, mais na frente vai ter que ter de novo, mas é algo que coloca o país num patamar de razoabilidade das contas públicas. Se ceder demais, também, isso sai do patamar. Não estamos fazendo reforma da Previdência porque a gente gosta de fazer. O ideal era que não precisasse ter limitador de gasto público, reforma da Previdência, mas dois anos de Michel, o PMDB só gastando, surfando, investindo, fazendo política, para nós o ideal seria isso. Nós assumimos o lado da responsabilidade fiscal e estrutural por que? Porque se não fizer isso não chega em 2018 em condições de se recuperar. Nós estamos preparando o futuro governo. Por isso é que é tão importante que o futuro governo não seja alguém que faça a demolição de todo esse trabalho que a gente fez agora. Se for um despreparado, em seis meses ele bota no chão todo o ajuste que a gente fez. Pra consertar demora, pra estragar é rapidinho.