O Estado de São Paulo, n. 45066, 07/03/2017. Política, p. A5
Por: Julia Affonso /Mateus Coutinho / Ricardo Brandt
O engenheiro civil Fernando Sampaio Barbosa, executivo ligado à Construtora Norberto Odebrecht, disse ontem ao juiz federal Sérgio Moro que o codinome “Italiano”, que aparece em planilha de propinas da empreiteira, era uma referência ao ex-ministro Antônio Palocci (governos Lula e Dilma), réu na Lava Jato por corrupção e lavagem de dinheiro. É a primeira vez que um executivo da empresa confirma em juízo a relação entre o ex-ministro e o apelido.
“A gente sabia que o ‘Italiano’ era Palocci” disse Barbosa, que prestou depoimento como testemunha de defesa do empreiteiro Marcelo Odebrecht, por meio de videoconferência, em São Paulo. Na ação, além do exministro, são acusados Branislav Kontic, ex-assessor de Palocci, o próprio Marcelo Odebrecht e outros 12 investigados por corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro relacionados à obtenção, pela Odebrecht, de contratos de afretamento de sondas com a Petrobrás.
Moro continuou o questionamento: “A gente sabia quem?”.
“Eu sabia”, devolveu o executivo.
“Eu tinha sido informado pelo Márcio Faria (outro executivo da Odebrecht).” Palocci foi preso em 26 de setembro na Operação Omertà, 35.ª fase da Lava Jato. A Procuradoria da República suspeita que o ex-ministro teria recebido R$ 128 milhões da empreiteira e que parte desse dinheiro tenha sido destinada ao PT.
Moro questionou o executivo sobre a maneira como Palocci estaria envolvido na compra de sondas. Barbosa disse que “esse contrato” não fazia parte de seu escopo. “Provavelmente, era a relação que Marcelo (Odebrecht) tinha com ele. Mas eu não participava nem sugeri nenhuma estratégia.” Barbosa disse ainda que se discutiu a possibilidade de ofertar não só a construção, mas todo o processo de operação, ou seja, o afretamento do navio-sonda.
Segundo ele, a discussão durou menos de três semanas, “porque se verificou a inviabilidade dessa alternativa”.
Defesa. Para o advogado José Roberto Batochio, que defende o ex-ministro, Barbosa “jamais afirmou ter conhecimento de que ‘Italiano’ fosse Antônio Palocci”. “Induzido a falar que teria ouvido dizer que poderia ser Palocci, ele acabou dizendo que teria ouvido de terceiros que o ‘Italiano’ poderia, entre outras pessoas, ser o Palocci. Isso é bem diferente de afirmar que Palocci era o ‘Italiano’.”
Ação. Procuradoria suspeita que Palocci recebeu R$ 128 mi
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Por: Mateus Coutinho / Julia Affonso / Fausto Macedo
A delegada da Polícia Federal Renata da Silva Rodrigues pediu ao juiz federal Sérgio Moro a prorrogação por mais 90 dias do inquérito que investiga o “departamento da propina” da Odebrecht, revelado com os avanços da Lava Jato sobre a empreiteira.
O pedido tem como base o volume de material apreendido na Operação Xepa – 26ª fase da Lava Jato, deflagrada em 22 de março de 2016, e que desmantelou o Setor de Operações Estruturadas, nome oficial do departamento responsável pelos pagamentos ilícitos da empresa.
O inquérito apura os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa envolvendo ex-executivos da empreiteira.
Moro ainda não decidiu se acata ou não o pedido.
Foi na Xepa que a Lava Jato identificou dezenas de apelidos usados pela cúpula da empreiteira para se referir a políticos.
Na Operação Xepa, cerca de 380 policiais federais cumpriram 110 ordens judiciais nos Estados de São Paulo, Santa Catarina, Pernambuco, Rio, Minas, Rio Grande do Sul, Piauí, Bahia e também em Brasília.
A Xepa foi deflagrada com base na delação premiada da secretária Maria Lúcia Tavares, que atuava no “departamento da propina” e foi a primeira funcionária do grupo empresarial a colaborar com as investigações. / M.C., J.A. e FAUSTO MACEDO
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Por: Breno Pires / Rafael Moraes Moura
O julgamento da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, marcado para hoje, será uma primeira indicação de como o Supremo vai encarar uma das principais questões envolvendo a Lava Jato: a discussão sobre se doações oficiais para campanhas eleitorais podem ou não ser consideradas propinas.
A PGR enxerga pagamento de propina nas doações de R$ 500 mil feitas pela empreiteira Queiroz Galvão para a campanha de Raupp ao Senado, em 2010. A Procuradoria entende que o senador solicitou e recebeu vantagem indevida e o acusa dos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro. Dois auxiliares do senador também são alvo da denúncia.
Além do entendimento sobre se haveria crime, o Supremo também terá de discutir quais elementos de prova são necessários para caracterizar a propina.
A defesa nega irregularidades e diz que não houve crime nos fatos descritos. A estratégia será bater no ponto de que não há nada contra ele, a não ser uma doação oficial, e que, se o Supremo entender que contribuição oficial de campanha pode ser vista como indício criminoso, “todo o Congresso teria de ser processado, porque todo político recebe doação oficial”.
Na semana passada, os advogados de Raupp, o ex-ministro do STJ Nilson Naves e Daniel Gerber, estiveram no STF e entregaram um memorial do processo a ministros – um deles reconheceu a importância do julgamento.
A Segunda Turma é composta pelos ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski e Edson Fachin, o relator dos processos da Lava Jato.
Até aqui, o Supremo já julgou seis denúncias oferecidas pela PGR – cinco foram aceitas e uma, rejeitada. Em nenhum dos casos, as doações oficiais estiveram no centro da análise.
‘Pulo do gato’. Para Eloísa Machado, professora de Direito da FGV, esta discussão é “o pulo do gato da Lava Jato”. “Acho que esse vai ser o grande divisor de águas de teses que vão permitir ou não a condenação de seus partidos, tesoureiros e pessoas envolvidas. Por enquanto, você só tem a prova de que a doação é viciada a partir do depoimento dos colaboradores, e isso também é uma prova fácil. E eu acho que esse é o grande divisor de águas sobre o tipo de políticos que a gente pode ver condenados na Lava Jato”, diz.
Para o advogado Pierpaolo Bottini, a Corte tende a admitir a possibilidade de encarar doação oficial como propina. “A questão é definir, para caracterizar propina, qual é a prova que vai ser necessária, porque você precisa mostrar que houve negociação e a venda de uma atividade pública”, afirma.
Acusação. Raupp recebeu vantagem indevida, diz PGR