Foco nos servidores públicos 
Geralda Doca e Cristiane Jungblut 
30/05/2017
 
 
Deputados se articulam para restringir mudança constitucional da Previdência a funcionalismo

-BRASÍLIA- O fatiamento da reforma de Previdência começa a ganhar força no Congresso, em conversas reservadas entre técnicos, especialistas e parlamentares da base do governo, diante da instabilidade na política. Uma das alternativas seria redesenhar a proposta para focar nos servidores públicos, como uma forma de ajudar a resolver a crise fiscal nos estados e manter o apoio do setor produtivo, que defende as mudanças para consolidar a retomada da economia.

Para os defensores dessa proposta alternativa, ao retirar do texto trabalhadores do setor privado que seriam alvo de polêmica, como rurais, idosos e deficientes de baixa renda que ganham Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas), a reforma ganharia o apoio de algumas bancadas, como a do Nordeste, e de boa parte do PSDB, um dos principais aliados do governo. Derrubaria também o argumento da oposição de que os mais pobres serão atingidos.

Exceção seria a fixação de idade mínima de 65 anos para o funcionalismo, via alteração constitucional. Nesse caso, a medida poderia ser estendida para os aposentados do INSS, uma vez que alterações de idade para aposentadoria, em qualquer dos regimes, depende de mudança na Constituição. Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, a crise que fragilizou o presidente da República pode obrigar o governo a reduzir o alcance da reforma — apesar do discurso contrário dos ministros. Segundo ele, a solução alternativa de fazer primeiro a reforma dos servidores públicos é “inteligente”.

— Acho uma boa ideia e já propus isso lá atrás. O governo pode aprovar uma regra geral, como a fixação de idade mínima para o serviço público, e aproveitar a medida no INSS — disse o economista, acrescentando: — Ao focar no serviço público, onde estão as maiores injustiças, o governo pode ganhar apoio popular. Outro motivo são os problemas financeiros nos estados.

Segundo uma fonte, apesar do lobby de algumas categorias do funcionalismo contra a reforma, o governo pode ganhar o reforço da sociedade ao alegar que o objetivo é atacar os privilégios. Quase 70% dos trabalhadores do INSS ganham aposentadoria correspondente ao salário mínimo.

— Se, antes de a crise estourar, ainda faltava convencer parlamentares indecisos a aprovarem a proposta, agora, as chances são remotas — disse uma fonte ligada ao governo, acrescentando que será preciso costurar um texto alternativo, independentemente da permanência do presidente Michel Temer no cargo.

Além disso, como as novas regras valerão imediatamente para os governos regionais, os estados que enfrentam uma grave crise fiscal, como o Rio, poderão ter alívio imediato. Os municípios que têm regimes próprios para seus servidores também serão beneficiados e poderão apoiar as candidaturas dos parlamentares em 2018.

Para segurar as despesas no regime geral (INSS), o governo poderá recorrer a instrumentos mais fáceis de aprovação no Congresso, por medida provisória ou projeto de lei. Já para alterar as regras de aposentadoria dos servidores públicos, é preciso quórum qualificado (de 308 votos) na Câmara em dois turnos e, depois, maioria no Senado.

O PESO DO QUADRO POLÍTICO

O líder da maioria na Câmara, Lelo Coimbra (PMDB-ES), admitiu ontem que o governo não tem os votos necessários para aprovar a reforma do jeito que está. Segundo ele, a data prevista pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de incluir a matéria na pauta do plenário, entre 5 e 12 de junho, servirá apenas como referência para o trabalho de articulação do governo para conquistar votos. Primeiro, disse, é preciso estabilizar o quadro político:

— Cada dia a sua agonia. Hoje não dá para dizer nada. Não dá para votar, mas também não dá para dizer que é impossível.

O vice-líder do PRB, deputado Beto Mansur (SP), que está auxiliando o Planalto na comunicação da reforma, disse que vai recomeçar a contagem de votos e, dependendo do resultado, levará ao presidente a necessidade de costurar texto alternativo.

— Somente depois das conversas com os parlamentares será possível definir qual é a reforma possível — disse Mansur.

Um integrante do PSDB lembrou que há um conjunto de variáveis que poderão definir o rumo da reforma, como a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a chapa Dilma/Temer. Em caso de cassação, destacou, o cenário ficará pior e tudo dependerá de quem assumir o governo.

O problema, disse um integrante da base do governo, é que não há ainda um plano de emergência, com novas medidas a serem adotadas neste cenário de crise política.

— Não há um plano novo e é nisso que o governo Temer ainda se segura — disse um aliado, alegando que o mercado está apreensivo com a falta de alternativas.

Renan Calheiros (AL), líder do PMDB no Senado, destacou que sempre alertou o governo de que as reformas que foram apresentadas não passariam no Congresso. Com perfil mais conciliador no PT, o senador Jorge Viana (PT-AC) afirmou que um novo governo teria que propor novos textos para as reformas. Já o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), tentará votar a reforma trabalhista na próxima semana. Hoje, o governo enfrenta o teste da votação do relatório da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. O texto já passou pela Câmara.

O QUE PODE MUDAR NO SERVIÇO PÚBLICO

IDADE MÍNIMA: O relatório da reforma da Previdência, aprovado na comissão especial e que aguarda inclusão na pauta de votação do plenário da Câmara, atinge os servidores federais dos Três Poderes. Atualmente, eles já tem idade mínima de aposentadoria de 60 anos (homem) e 55 anos (mulher). Com aprovação da proposta, estas idades vão subir gradativamente até fechar em 65 anos (homem) e 62 anos (mulheres). Numa espécie de escadinha, a idade começará começará a subir aos 55 anos para as servidoras e aos 60 anos para os servidores. Tanto para as mulheres quanto para os homens haverá aumento de 1 ano na idade mínima a cada 2 anos, a partir de 2020. Desta forma, para os servidores, a transição estará completa em 2028, a partir de quando eles só poderão se aposentar aos 65 anos. No caso das servidoras, a transição se encerrará em 2032, quando elas só poderão se aposentar aos 62 anos.

TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO/PEDÁGIO: O tempo mínimo de contribuição sobe dos atuais 15 anos para 25 anos. Também é preciso pagar pedágio de 30% sobre o tempo que falta para aposentadoria pelas regras atuais (35 anos, se homem e 30 anos, se mulher).

CÁLCULO DA APOSENTADORIA: A proposta cria uma nova fórmula de cálculo da aposentadoria para quem ingressou após 2004. O valor inicial do benefício, após 25 anos de contribuição, será de 70% de todos os salários desde 1994. Para incentivar o trabalhador a ficar mais tempo na ativa, ele ganhará uma parcela a mais para cada ano adicional de contribuição. Do 26º ao 30º ano de contribuição, cada ano adicional de trabalho aumenta o valor do benefício em 1,5 ponto percentual; do 31º ao 35º ano, 2 pontos percentuais; e do 36º ao 40º ano, 2,5 pontos percentuais. Quem entrou até 2003 terá que atingir idade de 65 anos (homem) e 62 anos (mulher) para ter acesso aos benefícios da integralidade (último salário da carreira) e paridade (mesmos reajustes do pessoal da ativa). Quem quiser se aposentar antes terá o benefício calculado com base em 100% das contribuições, limitado ao teto de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

 

O globo, n. 30612, 30/05/2017. Economia, p. 17