Carne Fraca só foi realizada dez dias após encontro

Eduardo Bresciani

23/05/2017

 

 

Temer usou operação da PF como justificativa para receber Joesley Batista no dia 7 de março, no Jaburu

 

 Motivo apresentado pelo presidente da República, Michel Temer, para receber o empresário Joesley Batista, dono da JBS, na calada da noite, no Palácio do Jaburu, a Operação Carne Fraca da Polícia Federal só foi deflagrada dez dias depois do encontro. Temer apontou a operação como justificativa para a reunião, em entrevista publicada ontem no jornal “Folha de S.Paulo”, mas enquanto o encontro com o empresário ocorreu no dia 7 de março, a PF só deflagrou a Carne Fraca no dia 17 daquele mês.

— Mas veja bem. Ele é um grande empresário. Quando tentou muitas vezes falar comigo, achei que fosse por questão da Carne Fraca. Eu disse: “Venha quando for possível, eu atendo todo mundo” — disse Temer na entrevista.

 

PRESIDÊNCIA ALEGA EQUÍVOCO

Após a publicação da matéria no site do GLOBO sobre a contradição, a assessoria de imprensa da Presidência da República disse que Temer se “equivocou”, mas não informou qual seria, então, o real motivo para o encontro.

Temer recebeu Joesley no Jaburu após as 22h30 do dia 7 de março, como foi confirmado por ambos. É possível ouvir no áudio gravado pelo empresário a programação daquele dia da rádio CBN, que ele ouvia em seu carro quando entrou no Palácio do Jaburu.

A Operação Carne Fraca, porém, só foi deflagrada dez dias depois. O governo disse, na ocasião, ter sido pego de surpresa com a investigação, que mostrou fiscais agropecuários cobrando propina de empresas do setor e levantou dúvidas sobre a qualidade da carne brasileira. Um funcionário da JBS foi citado naquela operação. O tema não foi mencionado em nenhum instante na conversa do presidente com o empresário.

Na entrevista, Temer diz ainda que não sabia que Joesley era investigado, embora desde junho de 2016 o empresário fosse alvo de ao menos três operações da Polícia Federal. Dias antes da conversa, em fevereiro de 2017, uma notícia sobre pedido de bloqueio de bens do empresário teve amplo destaque na mídia. Na conversa gravada com o dono da JBS em nenhum momento o presidente demonstra surpresa com o fato do seu interlocutor estar sob investigação.

O presidente disse ainda na entrevista que Joesley era um “falastrão” e que muita gente lhe “diz as maiores bobagens” quando foi questionado se não praticou crime de prevaricação ao não ter denunciado às autoridades o empresário por este ter lhe afirmado que estava segurando dois juízes e tinha comprado um procurador.

Afirmou também não ser “ilegal” receber o empresário fora da agenda, embora a lei 12.813 de 2013 determine que os agentes públicos devam divulgar diariamente pela internet seus compromissos públicos.

Há imprecisões ainda na versão de Temer quando fala do deputado afastado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que é apontado na investigação como um emissário do presidente para negociar propinas com a JBS. Loures foi assessor especial de Temer desde a vice-presidência, em 2011, até março deste ano, quando assumiu o cargo de deputado como suplente do ministro da Justiça, Osmar Serraglio. O gabinete do assessor sempre ficou nas proximidades do de Temer.

 

ELOGIOS A LOURES

Em 2014, quando Loures disputava uma vaga na Câmara o presidente gravou um vídeo em seu apoio no qual dizia que o peemedebista é “uma belíssima figura da vida pública brasileira”. No diálogo com Joesley, Temer diz que Loures é de sua estrita confiança e que o empresário pode tratar de qualquer assunto com ele.

Na entrevista, o presidente também recua da afirmação de que a gravação foi adulterada. Ele atribui a informação à “Folha de S.Paulo”, mas em pronunciamento realizado no domingo o presidente afirmou textualmente que a gravação foi “manipulada” e “adulterada”.

 

 

DEZ INCONSISTÊNCIAS

DURANTE ENTREVISTA À “FOLHA DE S.PAULO”, PRESIDENTE FEZ DECLARAÇÕES QUE NÃO CORRESPONDEM À REALIDADE DOS FATOS

O globo, n. 30605 , 23/05/2017. País, p. 6