Líderes defendem projeto contra sigilo de investigações

Isabela Bonfim e Julia Lindner

06/03/2017

 

 

Senadores dos maiores partidos alegam que manutenção do segredo ou vazamentos parciais são prejudiciais aos alvos de inquéritos

 

 

Enquanto parlamentares vivem apreensão com os novos pedidos de abertura de inquérito contra políticos no âmbito da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, líderes dos principais partidos no Senado já manifestaram apoio à proposta que põe fim a qualquer sigilo em investigações. Considerado por integrantes do Ministério Público como um dos itens da agenda “anti- Lava Jato” no Congresso, o projeto – de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR) – recebeu críticas da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR).

O Estado consultou os líderes de nove bancadas da Casa: PMDB, PSDB, PT, PSB, PP, PSD, DEM, Rede e PCdoB. Juntos, eles respondem por 68 senadores, o equivalente a 83% do Senado.

PMDB, PT e PP defendem a quebra total do sigilo de investigações.

PSDB e PSB concordam com a quebra do sigilo, mas acreditam que devem ser feitas ressalvas em alguns aspectos. “Em princípio, uma ampla maioria é favorável à retirada do sigilo. Mas o procurador-geral Rodrigo Janot fez algumas considerações de que o sigilo é importante para as investigações, por isso vamos tentar equilibrar”, afirmou o líder do PSB, Fernando Bezerra Coelho (PE).

O líder do PSDB, Paulo Bauer (SC), segue a mesma linha. Rede, PCdoB e DEM são contrários ao projeto e preferem que o sigilo fique sob responsabilidade do Judiciário.

Aqueles que são a favor do projeto argumentam que o segredo ou vazamento parcial é prejudicial para os investigados, que passam a ser tratados como culpados pela opinião pública.

“A partir da ocorrência de qualquer fato, é preciso que se abra, que se quebre, se derrube o sigilo das investigações, para que a população não seja manipulada, o que, infelizmente, com muitos tem acontecido no Brasil”, afirmou o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL).

Renan e Jucá, autor da proposta, são investigados em inquéritos na Lava Jato e já foram citados em delações vazadas. Jucá chegou, inclusive, a pedir demissão do cargo de ministro do Planejamento após se tornar público, em maio do ano passado, trecho de conversas suas com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado na qual ele falava em mudança de governo para “estancar a sangria” – o que foi interpretado como uma referência à operação.

Além da proposta para acabar com o sigilo das investigações, outros cinco projetos que receberam críticas dos investigadores da Lava Jato podem ser votados pelo Congresso em 2017.

São propostas como a anistia ao caixa 2, abuso de autoridade e o pacote anticorrupção, que voltou para a Câmara após determinação do STF.

 

Reação. Jucá chegou a fazer no plenário do Senado um duro discurso, em que acusou a imprensa de fazer o “linchamento” de políticos ao noticiar delações premiadas que ainda não foram homologadas. “É liberdade de imprensa vazar um pedaço de delação? E a que preço essa imprensa recebe o pedaço da delação? Não sei”, afirmou, na época. Jucá justificou que a gravação feita por Machado, onde aparece dizendo que é preciso “estancar a sangria”, não se referia à Lava Jato, mas ao “desmonte” do País promovido pelo governo da expresidente Dilma Rousseff.

No mesmo dia, Jucá se envolveu em uma polêmica ao defender a manutenção do foro privilegiado, em entrevista ao Estado. “Se acabar o foro, é para todo mundo. Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada”, declarou.

No dia seguinte, o líder do governo pediu desculpas a quem se sentiu atingido pela declaração. Líder do PT, a senadora Gleisi Hoffmann (PR) também saiu em defesa da proposta de Jucá.

“A sociedade tem o direito de saber o que tem dentro das delações. Sou a favor que se quebre totalmente o sigilo e que tudo venha a público”, afirmou. Há mais de um ano, a petista protocolou um projeto para retirar o sigilo de delações cujo conteúdo tivesse sido vazado. A senadora é ré na Lava Jato.

 

Paternidade. Investigado pela Lava Jato, peemedebista Romero Jucá é autor da proposta

 

Justificativa

“A partir da ocorrência de qualquer fato, é preciso que se abra, que se quebre, se derrube o sigilo das investigações, para que a população não seja manipulada.”

Renan Calheiros

LÍDER DO PMDB NO SENADO

 

PARTIDOS

● Qual a posição dos líderes de cada bancada sobre o fim de sigilo em investigações

Resposta do líder

Fim* total

Sigilo** parcial

Sigilo*** absoluto

Nº de senadores que representam

 

Resposta do líder

PMDB

Renan Calheiros (AL)

Nº de senadores que representam -  21

 

PT

Gleisi Hoffmann (PR)

Nº de senadores que representam - 10

 

PP

Benedito  de Lira (AL)

Nº de senadores que representam - 7

 

PSDB

Paulo Bauer (SC)

Nº de senadores que representam - 12

 

PSB

Fernando Bezerra C. (PE)

Nº de senadores que representam - 7

 

DEM

Ronaldo Caiado (GO)

Nº de senadores que representam -  4

 

Rede

Randolfe Rodrigues (AP)

Nº de senadores que representam -  1

 

PC do B

Vanessa Grazziotin (AM)

Nº de senadores que representam - 1

 

PSD

Lasier Martins (RS)

Nº de senadores que representam -  5

 

*Desde o início de qualquer investigação

**O investigado poderia ter acesso após alguns momentos, como abertura de inquérito, oferecimento de denúncia ou homologação de delação premiada, por exemplo

***Qualquer publicidade da investigação cabe apenas ao Judiciário

 

FONTE: LEVANTAMENTO ‘ESTADO’

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Proposta pode facilitar destruição de provas, afirma procurador

Isabela Bonfim e Julia Lindner

06/03/2017

 

 

Para José Robalinho Cavalcanti, retirada de sigilo em investigações seria prejudicial para todas as partes

 

 

 

O presidente da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, considera que os argumentos favoráveis ao projeto que tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e visa abrir o sigilo de investigações e delações são de fácil digestão para opinião pública, que também tem interesse em que detalhes de investigações sejam revelados.

Ele avalia, no entanto, que a total quebra de sigilo é prejudicial para a investigação e pode ferir direitos individuais de demais investigados no processo.

“Não existe precedente em nenhum lugar do mundo. A retirada do sigilo é contraproducente, prejudica a investigação, prejudica o investigado e também outras pessoas que eventualmente são mencionadas na investigação”, afirmou. Segundo o procurador, a abertura total do sigilo pode também facilitar a destruição de provas.

Já advogados de defesa argumentam que o sigilo, atualmente, serve apenas para valorizar o vazamento, que acaba prejudicando os investigados. Para Antonio Carlos de Almeida Castro, mais conhecido como Kakay, se o vazamento se torna sistemático, o ideal é que seja aberto o sigilo. Kakay representa os senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Edison Lobão (PMDB-MA), além do ex-presidente José Sarney (PMDB), todos investigados na Lava Jato.

“Em todos os casos (da Lava Jato) houve vazamentos criminosos, dirigidos, e nunca se chegou a nenhuma autoria. Como há vazamentos orquestrados, o ideal é que o sigilo seja aberto porque tira a espetacularização”, disse Kakay.

O advogado admite que a quebra do sigilo pode prejudicar investigações em andamento, mas que o ideal é que o sigilo seja a exceção para alguns casos, e não a regra. / I.B. e J.L.

 

Crítica. José Robalinho Cavalcanti vê riscos em projeto

 

PROPOSTAS

Abertura de sigilo nas investigações

Apresentado por Romero Jucá (PMDB-RR), o projeto tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e visa abrir o sigilo de investigações e delações, mas é criticado por entidades de procuradores e juízes.

 

Anistia ao caixa 2

Articulada pela Câmara no ano passado, proposta foi suspensa após rejeição da opinião pública. O tema é tratado nos bastidores e o presidente da CCJ no Senado, Edison Lobão (PMDB-MA), defendeu a proposta em entrevista ao Estado.

 

Abuso de autoridade

A proposta foi desengavetada pelo então presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) em 2016, mas não encontrou amplo apoio entre os demais senadores.

 

Proibição de que presos façam delação premiada

Proposta foi apresentada em 2016 pelo deputado Wadih Damous (PT-RJ). No Senado, o presidente da CCJ, Edison Lobão, também defende a ideia.

 

Pacote anticorrupção

Aprovado com várias emendas que modificaram o texto original na Câmara no fim do ano passado, o pacote chegou ao Senado, mas precisou ser devolvido após uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux.

 

Blindagem na linha sucessória

Apresentada pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), a proposta acabou sendo retirada após repercussão negativa. Tramita na CCJ da Casa e pode ser votada neste ano.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45065, 06/03/2017. Política, p. A6.