O Estado de São Paulo, n. 45067, 08/03/2017. Política, p. A4

Odebrecht pagou US$ 3,4 bi em ilícitos, afirma delator

Em depoimento à Justiça Eleitoral, ex-diretor da empreiteira diz que ‘departamento de propina’ movimentou montante bilionário de 2006 a 2014 em caixa 2 e outros crimes

Por: Erich Decat

 

O ex-executivo da Odebrecht Hilberto Mascarenhas Filho afirmou em depoimento ao ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Herman Benjamin que o Setor de Operações Estruturadas da empreiteira, conhecido como “departamento de propina”, movimentou cerca de US$ 3,39 bilhões em pagamentos ilícitos entre 2006 e 2014.

O depoimento prestado na noite de anteontem, na sede do TSE, em Brasília, ocorreu no âmbito da ação que investiga abuso de poder político e econômico da chapa Dilma Rousseff- Michel Temer, reeleita na campanha presidencial de 2014. A informação foi antecipada pelo portal estadão.com.br.

O setor da Odebrecht – chamado por Mascarenhas de “trepa moleque” (mais informações nesta página) – era responsável não somente por repasses de recursos ilícitos para campanhas eleitorais, como para pagamento de propinas e de resgates de funcionários da empreiteira sequestrados em países atingidos por conflitos armados ou grande violência urbana.

Do total de recursos ilegais, entre 15% e 20% foram destinados para financiar campanhas eleitorais no País via caixa 2, segundo Mascarenhas. O restante era usado para pagamento de propina, obras e despesas no exterior, disse o ex-executivo, um dos 78 delatores da empreiteira.

No depoimento, ele detalhou os pagamentos com recursos ilegais da empresa. Segundo relatos, Mascarenhas apresentou uma planilha com valores repassados durante os oito anos: em 2006 – US$ 60 milhões; 2007 – US$ 80 milhões; 2008 – US$ 120 milhões; 2009 – US$ 260 milhões; 2010 – US$ 420 milhões; 2011 – US$ 520 milhões; 2012 – US$ 730 milhões; 2013 – US$ 750 milhões e 2014 – US$ 450 milhões. Os pagamentos, conforme Mascarenhas, eram feitos em hotéis onde ficavam hospedados os intermediários.

 

República Dominicana. Segundo Mascarenhas, com a avanço das investigações da Lava Jato, o setor de propina teve de migrar para a República Dominicana. A conta em que eram armazenados os recursos ficaria fora do País e quando era necessário fazer algum pagamento, sempre era em espécie. De acordo com ele, em razão de as regras serem mais rígidas nos Estados Unidos, as transações em solo americano eram evitadas.

Mascarenhas citou negociações com o marqueteiro da campanha presidencial do PT em 2014, João Santana, e com a mulher e sócia dele, Mônica Moura.

Segundo o ex-executivo, as tratativas com Mônica ocorriam em períodos próximos às eleições. Ela estaria entre os cinco maiores recebedores de pagamentos do setor – em 2014, recebeu US$ 16 milhões via caixa 2.

O ex-executivo não soube detalhar, contudo, as datas dos pagamentos ao casal, mas afirmou que há um servidor na Suíça em que estão listados todos os repasses. Do total, 60% dos recursos teriam sido passados no Brasil e o restante no exterior.

Todos os pagamentos feitos eram em real, mas calculados com base no dólar.

No depoimento, Mascarenhas disse ainda que sabia que o pagamento para Santana era feito em razão de ele estar fazendo a campanha “dela”. Questionado na audiência quem era “ela”, o ex-executivo respondeu que “com certeza era a presidente Dilma Rousseff”, porque todo mundo sabia para quem João Santana estava trabalhando.

Mascarenhas afirmou ainda que a relação com Santana não se restringiu à campanha no Brasil.

Disse que o marqueteiro e Mônica Moura foram pagos pelas campanhas de El Salvador, Angola, Venezuela, Republica Dominicana e Panamá.

O ex-executivo também declarou que a relação com integrantes do primeiro escalão do governo era feita por Marcelo Odebrecht. Sobre as planilhas de repasses de recursos ao PT, afirmou que a que levava o nome “Italiano” era uma referência ao ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci e que “Pós-Itália” era menção ao ex-ministro da Fazenda Guido Mantega.

A defesa de Santana não se manifestou sobre o depoimento.

A defesa de Temer na ação no TSE disse que respeita o sigilo imposto ao conteúdo dos depoimentos e “somente após o término das oitivas será possível” avaliar, “uma vez verificadas inúmeras contradições nas versões das testemunhas-colaboradoras”. / COLABOROU RICARDO GALHARDO

 

Dilma

Procurada ontem por meio de sua assessoria de imprensa, a presidente cassada Dilma Rousseff não se manifestou sobre os depoimentos dos ex-executivos da Odebrecht na ação do TSE.

 

REPASSES

● Ex-executivo da Odebrecht Hilberto Mascarenhas prestou depoimento anteontem na ação que apura se houve abuso de poder político e econômico na chapa Dilma-Temer em 2014

 

Hilberto Mascarenhas

Ex-executivo da empreiteira e delator

 

Mônica Moura e João Santana

receberam da Odebrecht ainda por campanhas em El Salvador, Angola, Venezuela, Republica Dominicana e Panamá

 

Campanhas do PT com os marqueteiros João Santana e Mônica Moura

 

2006

Reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva - Presidência da República

 

2008

Campanha de Marta Suplicy (derrotada) - Prefeitura de SP

 

2010

Eleição de Dilma Rousseff - Presidência da República

 

2012

Eleição de Fernando Haddad - Prefeitura de São Paulo

 

2014

Reeleição de Dilma Rousseff -  Presidência da República

 

US$ 3,39 bilhões

foi o montante movimentado pelo “departamento de propina” da Odebrecht entre 2006 e 2014 por meio de caixa 2. A maior parte dos recursos era destinada a campanhas eleitorais, segundo Hilberto Mascarenhas

 

Repasses ano a ano

EM MILHÕES DE DÓLARES

2006* - 60

2007 - 80

2008**- 120

2009 - 260

2010* - 420

2011 - 520

2012** - 730

2013 - 750

2014* - 450

*Eleições majoritárias (presidente, governadores, Presidência da República senadores e deputados federais e estaduais);

**Eleições municipais (prefeito e vereadores)

 

O processo

Início

Após a derrota na eleição presidencial, o PSDB entrou, em dezembro de 2014, com ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo a cassação da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer por abuso de poder econômico e político

 

Unificação

Então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Dias Toffoli decidiu, em março de 2016, unificar as quatro ações do PSDB contra a chapa Dilma-Temer na Corte. O relator do caso é o ministro Herman Benjamin

 

Diligências

Em dezembro do ano passado, a Polícia Federal realizou diligências para verificar a capacidade de empresas subcontratadas por gráficas que receberam valores da chapa Dilma-Temer. A ação foi autorizada pelo relator

 

Delação

O ministro Herman Benjamin decidiu, em fevereiro deste ano, incluir a delação da Odebrecht no processo e ouvir executivos da empreiteira que firmaram o acordo de colaboração com o Ministério Público Federal (MPF)

 

Fase de Instrução

No momento, o relator reúne provas e ouve testemunhas. A defesa dos envolvidos pode pedir novas oitivas. Não há prazo para terminar esta etapa, mas Benjamin já disse que não se pode relegar o caso a uma “situação de progressão ao infinito”

 

Futuro

O mandato de Benjamin termina em outubro e deve haver outras substituições – em abril termina o mandato de Henrique Neves da Silva e em maio, de Luciana Lóssio. A eventual entrada de um novo relator poderia atrasar o andamento

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‘O Setor trepa-moleque’

Depoimentos

Por: Erich Decat

 

O ex-executivo da Odebrecht Hilberto Mascarenhas levou às gargalhadas os presentes ao depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral, anteontem, em Brasília. Ele provocou risadas, segundo relatos, ao falar que o Setor de Operações Estruturadas, o “departamento da propina” da empreiteira, era o “setor trepa- moleque”, em referência às irregularidades cometidas pela empresa.

Mascarenhas também se “gabou” de ter criado o codinome “Feira”, atribuído a Mônica Moura, mulher e sócia do ex-marqueteiro do PT João Santana. Ela nasceu em Feira de Santana, na Bahia. Ele confirmou ainda que “Amigo” era usado para se referir ao ex-presidente Lula, em razão da proximidade dele com o “Dr. Emílio”, patriarca da empreiteira.

Os partidos que receberam recursos da Odebrecht também tinham apelidos.

PROS era “onça”, PC do B, “vermelho” e PRB, “doutor”, segundo relatou outro ex-executivo, Alexandrino Alencar. / E.D.