Premiado - Acordo não faz referência a delatores viverem no exterior

Renata Mariz

22/05/2017

 

 

Cláusula que autorizava donos da JBS a morar fora do país estava em pré-acordo, mas não aparece na versão final do documento de delação

-BRASÍLIA- Para contar tudo o que sabem da engrenagem de corrupção na administração pública e apresentar provas, os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS, ganharam anistia total dos crimes cometidos — mesmo os que estão fora do rol de confissões feitas nos depoimentos recentes que se tornaram públicos. O acordo de delação firmado com a Procuradoria-Geral da República (PGR) e homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) prevê que os empresários não serão denunciados pelos delitos que relataram, ganharão imunidade em outras investigações conexas em curso e até perdão judicial caso a denúncia já tenha sido oferecida.

A blindagem estendida interessa, e muito, aos irmãos Joesley e Wesley, que são alvo de diferentes investigações em curso, como a que apura fraudes em fundos de pensão.

Os benefícios previstos na delação, porém, não são imutáveis, segundo a advogada Alessi Brandão, que trabalha em delações premiadas. Ela explica que a imunidade em investigações é algo mais fácil de ser garantido pela PGR, que pode acionar seus pares em outras investigações para que não denunciem o delator. No caso do perdão judicial, somente o juiz da causa é que pode conceder, explica Alessi.

O termo de colaboração premiada prevê ainda que as informações prestadas pela JBS só serão repassadas a outros países se os delatores obtiverem, lá fora, os mesmos benefícios. Para ter acesso aos dados, as autoridades estrangeiras terão de fazer um acordo específico com o colaborador cujos efeitos sejam "no mínimo equivalentes" aos da delação no Brasil ou se comprometer por escrito a respeitar integralmente os termos do acordo com a PGR.

Dispositivos que barrem o compartilhamento de informações com outros países ou que, no caso de transmissão de dados, assegurem as garantias obtidas com a delação podem ser cruciais para a holding J&F, que controla a JBS. Isso porque o grupo já tenta um acordo de leniência com o Departamento de Justiça dos EUA, onde lidera o mercado de suínos, frangos e bovinos.

Não há, no acordo de delação, permissão para Joesley e Wesley morarem fora do Brasil, o que pode ser interpretado como um sinal de impunidade. A possibilidade estava descrita no termos do pré-acordo, com a informação de que as autoridades brasileiras não se oporiam caso os delatores quisessem fixar residência no exterior, desde que atualizassem mensalmente o endereço de residência e de local de trabalho. Mas a cláusula não aparece no acordo definitivo e válido.

MULTA LEVE

Outro ponto controverso do acordo é a multa fixada, de R$ 110 milhões, para cada um dos irmãos Batista. O valor foi parcelado em 10 anos, cerca de R$ 11 milhões anuais, com um prazo considerável de carência. A primeira parcela só terá de ser quitada em 1º de junho de 2018. E somente a partir dessa data é que a correção pelo IPCA começará a ser considerada. A multa representa 7% do patrimônio de R$ 1,4 bilhão declarado por Wesley para cálculo de imposto de renda. Os dados da declaração de Joesley não estão legíveis nos documentos divulgados pelo STF.

A multa de Ricardo Saud, executivo da JBS que também se tornou delator, é menor, de R$ 2 milhões. Ele terá de pagar o valor em seis meses após a assinatura do acordo, que ocorreu em 3 de maio. O patrimônio do diretor na última declaração de imposto de renda foi de R$ 13,2 milhões. Assim como os irmãos Batista, Saud recebeu o benefícios de não ser denunciado pelos crimes relatados e imunidade em outras investigações. O executivo também está fora do país, embora não conste, do termo de colaboração, autorização expressa para isso.

A diferença salta aos olhos se comparada com o acordo fechado pelo marqueteiro João Santana, que só topou colaborar depois de um tempo na prisão, tem benefícios menos atraentes. Ele terá que cumprir pena de 160 dias de regime fechado, descontado o tempo que já ficou detido preventivamente. Depois, passará por mais um ano e meio em domiciliar com tornozeleira, período igual em semiaberto e, por fim, um ano em regime aberto. Santana precisará também prestar serviço à comunidade, segundo os termos da colaboração.

A multa fixada pela PGR para Santana foi de R$ 3 milhões com prazo de 60 dias para pagamento após o acordo, firmado em 6 de março deste ano. Se houver atraso, serão cobrados 20%. A correção é feita pela Selic. O caso do marqueteiro se diferencia da situação dos irmãos Batista porque Santana foi alvo de um mandado de prisão. Somente depois de meses, resolveu fazer a delação. Joesley e Wesley, ao perceber o cerco se fechando, procuraram os investigadores para delatar.

Pela legislação, os benefícios devem ser fixados de acordo com a situação do delator, a robustez das provas oferecidas e os resultados obtidos a partir das informações. É exigido que fale a verdade, apresente provas de corroboração dos relatos e se mantenha à disposição das autoridades. Caso haja descumprimento dos termos estabelecidos, o delator pode perder as vantagens concedidas.

 

O globo, n. 30604, 22/05/2017. País, p. 8