Indícios - Juristas veem sinais de crime

Fernanda Krakovics

20/05/2017

 

 

Diálogos apontam que Temer teria obstruído a Justiça e prevaricado

Especialistas afirmaram ontem que há indícios de prevaricação e obstrução da Justiça na conversa entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, dono da JBS.

— Do teor das conversas se pode deduzir uma atitude de omissão ou, no caso do presidente da República, de prevaricação. Também se pode deduzir que aquilo se configure em obstrução da Justiça — afirmou o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp.

Para Murilo Gaspardo, professor de Direito Público da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Temer tinha a obrigação de relatar o caso à Procuradoria-Geral da República:

— Ele não poderia prevaricar e se omitir.

O professor destacou a “anuência” do presidente com a necessidade de preservação de uma boa relação com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, preso em Curitiba:

— Há elementos suficientes para se entender que isso não decorre simplesmente de uma amizade. A possibilidade de envolver algum interesse material é bastante provável. Além disso, tem toda aquela manifestação de anuência do presidente com relação aos relatos de cometimento de crime, que envolveu até a prisão de um procurador da República.

O professor de Ética e Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano também afirmou que Temer deveria ter procurado o Ministério Público.

— Ele, um grande jurista, sabe perfeitamente que eram crimes. No mínimo há quebra de decoro imperdoável, falta de respeito pelas instituições e falta de providência imediata — disse Romano.

Em um acordo de delação feito no âmbito da Operação Lava-Jato, Joesley entregou ao Ministério Público gravação em que o presidente Temer, em uma conversa em março, dá aval para o empresário comprar, segundo a Promotoria, o silêncio de Cunha e do operador Lúcio Funaro, também preso em Curitiba. “Tem de manter isso, viu?”, diz Temer.

As gravações também mostram que o presidente ouviu o dono da JBS relatar como vinha tentando obstruir investigações contra ele, inclusive com aliciamento de juízes e procuradores. Temer chega a repetir “ótimo, ótimo”, após a revelação do empresário.

Temer negou as acusações e afirmou que não vai renunciar.

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Intimidade entre Temer e empresário é criticada

Fernanda Krakovics

20/05/2017

 

 

‘É conversa de mesa de bar’, diz Gilson Dipp, ex-ministro do STJ

A intimidade entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, dono da JBS, além da forma como ocorreu a reunião entre os dois, foi considerada inadequada por especialistas.

Para o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, Temer deveria ter rechaçado a conversa, mostrado indignação ou, no mínimo, desconforto.

— Há uma promiscuidade, uma intimidade muito grande de um empresário com o presidente da República. É conversa de mesa de bar — disse Dipp.

Professor de Direito Público da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Murilo Gaspardo também destacou a impropriedade da conversa:

— Encontrar um empresário sem registro na agenda, às 22h30, na residência oficial, e não no gabinete, sendo alguém investigado, já denota que não é uma conversa republicana.

O professor de Ética e Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano destacou a “sem cerimônia” com que o empresário tratou o presidente da República:

— Ele não estava falando com um colega dele de trabalho, estava falando com a maior autoridade do país. Aquilo já foi uma quebra de decoro, o presidente da República permitir ser tratado com aquela intimidade, ouvindo coisas absolutamente erradas.

‘POSIÇÃO INSUSTENTÁVEL’

Para Dipp, o conjunto de indícios é “altamente preocupante” e torna a posição de Temer “insustentável”. Ele defendeu a renúncia do presidente:

— O presidente da República não tem condições de governabilidade, de tocar o país por mais um ano e meio. Isso vai levar o Brasil a uma crise sem precedentes. O fato pessoal de não querer renunciar não se sobrepõe ao interesse nacional. A saída mais indolor, mais rápida para essa crise é a renúncia do presidente da República.

Na conversa com Joesley, o presidente indicou o deputado Rocha Loures (PMDB-PR) para resolver assuntos de interesse da JBS. Depois, o aliado de Temer foi filmado recebendo R$ 500 mil enviados pelo empresário.

A Operação Lava-Jato fez “ações controladas”, um meio de obtenção de provas em flagrante que possibilitou gravações de conversas e a filmagem, pela Polícia Federal, de entregas de dinheiro. Malas e mochilas enviados por Joesley tinham chips, e os números de série das cédulas foram registrados antes. (Fernanda Krakovics)

 

O globo, n. 30602, 20/05/2017. País, p. 5