Valor econômico, v. 17, n. 4238, 18/04/2017. Brasil, p. A2
Regressão programada
 
Antonio Delfim Netto
 

Há pouco mais do que 60 anos, cultivava-se na FEA/USP um modelo de crescimento que implicitamente admitia rendimentos crescentes; identificava o crescimento econômico com o aumento da produtividade do trabalho; que esta dependia, essencialmente, da relação entre a quantidade e qualidade de capital alocado a cada trabalhador preparado para manipulá-la e, finalmente, que a distribuição do produzido é um problema político. Três obstáculos - e uma condição - poderiam frustrar o crescimento: a falta de energia; a redução da velocidade do aumento do estoque de capital com relação à força de trabalho empregada e o constrangimento externo imposto pelo desequilíbrio das contas correntes. A condição para a sua aceleração é uma questão política: uma distribuição harmoniosa entre o PIB destinado ao consumo e ao investimento. O gráfico abaixo é o "esqueleto" desse modelo, que se aplica a qualquer organização social.

O modelo sugere que nem a "oferta" cria, necessariamente, a sua própria "procura" (ley de Say), nem a "procura" gera, necessariamente, a sua própria "oferta". Em outras palavras lança sérias dúvidas sobre se existe, no nível macroeconômico, um mecanismo de coordenação capaz de sustentar o nível de pleno emprego da força de trabalho.

Qual era a situação da economia brasileira nos anos 1950-1953 (quando o modelo foi formulado), comparada com a de 1945/1948?

1) vínhamos crescendo à taxa de 5,6% ao ano;

2) as exportações físicas decresciam a 3,9% ao ano;

3) as importações físicas decresciam a 0,4% ao ano;

4) havíamos acumulado um déficit em contas correntes de US$ 1,1 bilhões e

5) tínhamos toda a sorte de controle de preços e da taxa de câmbio porque, de acordo com alguns "estruturalistas", a agricultura era incapaz de responder às necessidades da população, uma vez que o "agricultor" não era sensível aos estímulos dos preços.

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Mais grave do que tudo isso: café era câmbio, uma vez que representava 70% do valor das exportações. Como a sua oferta é defasada, a sua demanda é inelástica e éramos o maior produtor mundial, ele determinava a taxa de câmbio e a sobrevivência do setor industrial emergente. Isso começou a mudar com a ousada política industrial no governo Kubitschek, mas entregou o país em 1961, com as contas internas e externas em pandarecos...

Depois do breve governo de Jânio (31/01-29/08 de 1961), tudo desandou de vez. No governo Goulart (de 08/09/1962 até 31/03/1964), o crescimento do PIB murchou. A conjuntura interna era de absoluta desordem, promovida pela "esquerda negativa" de Brizola (como disse o grande Santiago Dantas), que deteriorou ainda mais a situação.

Em todo esse período, ficou visível que o modelinho funciona. O pecado original no regime autoritário (15/04/1964 a 15/03/1985), foi um nacionalismo equivocado que impediu o Brasil de livrar-se mais cedo da dependência da importação de petróleo. O pecador foi o general Geisel, pela importância decisiva que teve na formulação da política do petróleo do Brasil desde tempos imemoriais... Mesmo avisado, com dois anos de antecedência, recusou-se a modificá-la e abrir a exploração para outras empresas, o que foi obrigado a fazer quando chegou à presidência da República (15/03/1974 - 15/03/1979), mas já era tarde! O Brasil foi colhido no tsunami da crise internacional de petróleo e Geisel não teve outra saída a não ser endividá-lo para não paralisar a nossa economia. Exatamente o mesmo fizeram todos os outros países que dependiam fortemente da importação de petróleo, inclusive os satélites soviéticos! O Brasil foi o primeiro país a acertar sua conta corrente, mas, infelizmente, o último a negociar as duas dívidas, devido às estripulias do ministro Funaro, no governo Sarney.

Depois do triste fim do governo Collor, o presidente Itamar Franco criou todas as condições para o enorme sucesso do Plano Real, comandado por Fernando Henrique. Trata-se da mais fina joia produzida por competentes economistas que puderam aproveitar os ensinamentos da bem sucedida estabilização de Israel. Infelizmente, ele nunca terminou: não se fez o ajuste fiscal. No primeiro mandato de FHC fizemos déficits primários, aumentamos a tributação, e exageramos no uso da taxa cambial para o controle da inflação, tudo temperado com gigantesca taxa de juro real interna. Roubou-se, assim, as condições isonômicas de competição do setor industrial. No governo Lula o processo continuou. A China e a melhoria das relações de troca nos levaram à situação anterior a 1953: aceitamos, mansamente voltar a ser supridores mundiais de matérias primas e alimentos! São importantes, mas obviamente incapazes de sustentar o desenvolvimento interno robusto de um país com 210 milhões de habitantes.

Essa regressão, produzida por uma pretensiosa, arrogante e míope "ciência econômica", têm um encontro marcado com as teses de doutoramento que serão, inevitavelmente, produzidas pela Academia no futuro...