Valor econômico, v. 17, n. 4238, 18/04/2017. Política, p. A12

Sócio de Eduardo Campos pediu à Odebrecht propina de R$ 90 milhões

 
Marina Falcão
Fernanda Pires
Estevão Taiar
 

Defensor da "nova política" enquanto candidato a presidente, o ex-governador pernambucano Eduardo Campos - ou Neto, nas planilhas da Odebrecht - apareceu como coordenador da cobrança de propina para abastecimento de suas campanhas, por via oficial e caixa dois, na delação da empreiteira. "Campos nos via como alguém que resolvia problemas", disse Marcelo Odebrecht, presidente da empresa. Campos, então candidato a presidente pelo PSB, morreu em 2014, em desastre aéreo durante a campanha.

"As tratativas eram diretamente com Campos", contou João Pacífico, ex-funcionário da Odebrecht. "Ele tinha um crédito, quando chegava as eleições, ele fazia a solicitação". Segundo Pacífico, Campos designava Aldo Guedes, ex-presidente da estatal Copergás, e autointitulado único representante do ex-governador, para dar continuidade à cobrança.

Márcio Faria, ex-diretor da companhia, afirmou em depoimento que Guedes pediu a ele uma contribuição de R$ 90 milhões. O valor era equivalente a 2% do contrato de R$ 4,5 bilhões que a Odebrecht e a OAS tinham na construção da refinaria Abreu e Lima. A quantia foi considerada exagerada pelo executivo.

"Eu disse: olha, acho que estamos em outro planeta". Como contrapartida, Aldo teria garantido "apoio incondicional" do governo pernambucano "com ênfase muito forte nas relações sindicais". Aproximadamente 50 mil trabalhadores atuavam nas obras da refinaria. O acordo foi fechado em R$ 15 milhões - R$ 7,5 milhões para cada uma das empreiteiras. "Ele (Guedes) chiou, reclamou, mas eu falei: olha, é o que nós temos".

A contribuição da Odebrecht era uma contrapartida pela obtenção de contratos com o Estado: terraplenagem da Refinaria Abreu e Lima, adutora Pirapama, cais 5 de Suape e píer petroleiro de Suape. "Era dito que a gente tinha preferência, uma condição especial [na licitação] e que haveria a cobrança de 3% de contribuição de campanha", relatou Pacífico. Segundo ele, foram doados R$ 11 milhões entre 2010 e 2012.

Casado com uma prima de Campos e sócio do ex-governador em uma fazenda, Guedes já responde a um inquérito no STF, instaurado após a delação da Camargo Correa. Ele é acusado de ser operador do pagamento de R$ 41 milhões em propina, juntamente com o senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) e o empresário João Carlos Lyra.

As delações da Odebrecht coincidem com o que já está sendo apurado no STF. Guedes não confessa participação no esquema. Ao Valor, Ademar Rigueira, advogado de Guedes, defende que mesmo que, "hipoteticamente", tivesse havido participação do empresário, seria caracterizado um crime de "favorecimento e não de corrupção", já que o empresário teria sido "apenas responsável pela implementação do pagamento e não pelo acerto da propina".

O depoimento de Marcelo Odebrecht mostra que a empreiteira deu ainda R$ 50 milhões em nome de sua relação pessoal com Campos, que teria pedido ajuda para destravar a construção do presídio de Itaquitinga. A obra, endividada e afetada por greves, estava nas mãos da construtora Advance e seu atraso traria imenso ônus eleitoral a Campos.

"Não posso entrar aparecendo", disse Marcelo a Campos, na época. "Então, gente encontrou uma equação. Uma empresa do meu amigo iria ser o veículo e a gente bancava os recursos".

Essa empresa, que se chamava DAG, assumiu uma opção de compra da concessão da PPP de Itaquitinga. "A gente achava que aquilo iria nos custar R$ 10 milhões, no máximo R$ 20 milhões. A gente pensava que era problema só na obra. Mas tinha coisas escabrosas. A concessão tinha pego empréstimos do BNB e um mês depois distribuído como dividendos. Tinha todo um passivo", contou Marcelo.

Enquanto fazia a due diligence no negócio da PPP, a Odebrecht, via a DAG, foi aportando recursos para resolver "pepinos". "Quando a gente viu, já tinha gasto R$ 50 milhões e o buraco era maior". Para o empresário, o rombo em Itaquitinga montava mais de R$ 100 milhões.

Marcelo Odebrecht levou o problema para Campos. "O que percebi é que alguém do governo tinha o rabo preso como dono da Advance [o empresário Eduardo Fialho], porque as coisas não andavam e Eduardo geralmente costumava resolver os problemas".

No dia 16 de julho de 2014, em um jantar de R$ 7,6 mil pago pela Odebrecht, Marcelo Odebrecht disse a Campos que ele considerasse os R$ 50 milhões perdidos em Itaquitinga como a contribuição para sua campanha presidencial. Estavam presentes a esposa de Campos, Renata, e Aldo Guedes. "Se conseguir resolver esse imbróglio em Itaquitinga, se a gente tiver de volta os R$ 50 milhões, posso até voltar a contribuir", disse Marcelo a Campos, na ocasião.

Menos de um mês depois, Campos faleceu em acidente aéreo em Santos. Em nota, o PSB afirmou que Campos foi citado "sem condições de se defender" e que vai atuar "em todas as instâncias para que seu nome e sua honra jamais sejam maculados".