Valor econômico, v. 17, n. 4238, 18/04/2017. Opinião, p. A15

Previdência ainda manterá distorções

 

Nilson Teixeira

 

O governo recuou na sua proposta de reforma da Previdência Social para aumentar a probabilidade de aprovação. O relatório da Comissão Especial, a ser divulgado em breve, embutirá um ajuste financeiro bem inferior ao inicialmente previsto. O novo texto manterá distorções no sistema previdenciário e dificultará o cumprimento da lei que determina a estabilidade dos gastos públicos em termos reais nos próximos anos.

O aumento da idade mínima de aposentadoria para 65 anos para homens e mulheres proposto pelo governo reduziria o déficit previdenciário em pouco menos de R$ 500 bilhões nos próximos 10 anos, a preços de 2017. Esse valor assume uma regra de transição que eleva em 50% o tempo remanescente para aposentadoria apenas para mulheres com mais de 45 anos e para homens acima de 50 anos. Todavia, essa regra será alterada.

Uma alternativa seria estipular, para os trabalhadores acima de 30 anos, um período extra de contribuição de 30% do número de anos que faltam para a aposentadoria sob a regra atual, com idade mínima de 50 anos para mulheres e de 55 anos para homens. Essa idade aumentaria a cada dois anos, a partir de 2020, em 1,5 ano para mulheres e 1 ano para homens. Essa estratégia reduziria a economia com a reforma em mais de R$ 250 bilhões nos primeiros 10 anos.

(...)

A proposta do governo equipara a idade mínima de aposentadoria de homens e mulheres, eliminando uma das inúmeras distorções da Previdência. Apesar de a dupla jornada das mulheres ser inquestionável, a diferenciação de idade tem sido abolida na maioria dos países, em parte porque a esperança de vida das mulheres é maior do que a dos homens. Mesmo assim, os parlamentares manterão esse diferencial. O déficit previdenciário para cada ano a menos para a idade mínima de aposentadoria das mulheres aumenta em mais de R$ 20 bilhões. Assim, a redução dessa idade para 60 anos diminuiria a poupança com a reforma em mais de R$ 130 bilhões no prazo de 10 anos.

A proposta do governo estabelece que o trabalhador teria de contribuir por 49 anos e ter mais de 65 anos para obter o salário máximo de contribuição. Essa regra também será modificada. A Comissão pode aumentar o benefício inicial de 51% para 70% do salário de contribuição. Além disso, em vez de crescer 1 ponto percentual (pp) a cada ano de contribuição, o benefício aumentaria 1,5 pp por ano de 25 a 30 anos de contribuição, 2 pp por ano de 30 a 35 anos e 2,5 pp por ano de 35 a 40 anos. Essa alteração elevaria o déficit previdenciário frente à regra original em cerca de R$ 25 bilhões no prazo de 10 anos.

O governo propôs também a elevação da idade mínima e o aumento do período de contribuição para os trabalhadores rurais. Apesar de os programas sociais, como o Bolsa Família, serem mais adequados para atenuar a disparidade de renda entre a área urbana e a rural, uma parte dos parlamentares é contrária a essa proposta. O risco é de o Congresso não alterar nenhuma das regras para a aposentadoria desse grupo. Isso ampliaria ainda mais as distorções e desestimularia a contribuição previdenciária de uma parcela relevante dos trabalhadores.

A proposta do governo também altera o Benefício de Prestação Continuada (BPC), com a elevação da idade mínima para aqueles que nunca contribuíram para a Previdência e o endurecimento de regras desse programa. Membros do governo alegam que parte do crescimento do BPC de R$ 12 bilhões em 2006 para R$ 48 bilhões em 2016 foi causado por ações judiciais que conseguem burlar as regras existentes. Isso reforça a percepção de que há alternativas; e, portanto, o Congresso não aprovará todas as propostas nessa área. Seria mais coerente regular o BPC de forma mais clara e adotar um trabalho mais amplo e permanente de esclarecimento nos tribunais. Isso reduziria o êxito dessas ações judiciais. No limite, a eliminação das propostas para o BPC reduziria a estimativa de corte de gastos com a reforma em mais de R$ 50 bilhões em 10 anos.

Em outra frente, seria justo acrescentar na reforma mais uma regra para a aposentadoria de servidores que ingressaram no serviço público antes de 2003. Essa norma estipularia que a parcela do benefício referente ao período remanescente de trabalho seria limitada ao máximo estipulado para os integrantes do INSS. Aqueles que quisessem garantir benefícios similares aos atuais teriam de contribuir para a Funpresp, como é o caso dos servidores que ingressaram no setor público mais recentemente. Infelizmente, isso não parece ser um foco da Comissão Especial nem do governo.

Por fim, a não inclusão de carreiras, como professores da rede federal e policiais federais, dificultará muito o ajuste fiscal nos entes regionais. É difícil que as Assembleias Legislativas ou Câmaras Municipais aprovem para seus funcionários com funções similares regras mais restritivas do que as sancionadas pelo Congresso. Isso tornará o ajuste da Previdência em Estados e municípios mais difícil e menos expressivo, haja vista que essas profissões têm grande peso nas suas folhas de pagamentos. A melhor solução seria o Congresso manter a proposta original do governo e incluir todos os servidores na atual reforma.

Em suma, além do menor impacto financeiro sobre as contas do governo, alterações do relatório da Comissão Especial tendem a enfraquecer a busca de um sistema previdenciário mais igualitário. Há diversas distorções, algumas destacadas aqui e outras mencionadas por mim neste espaço em 5 de abril, que poderiam ser extintas. O ideal seria que o relatório se concentrasse tanto na questão financeira quanto na redução do desequilíbrio do sistema previdenciário.

Apesar da óbvia necessidade de novos ajustes nos próximos governos, seria ótimo não deixar para o futuro o desenho de um regime mais igualitário. Agora é torcer para que o relatório não enfraqueça em demasia as medidas que tornariam a Previdência Social menos deficitária e mais justa.