20/05/2017
Escalado para a defesa do presidente Michel Temer no inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira afirmou ontem, em entrevista ao “Estado de S. Paulo”, que o governo tem “informações seguras” de que o áudio da conversa entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista foi adulterado. Ao GLOBO, no entanto, Mariz afirmou que ainda não leu o inquérito:
— É cedo para eu falar alguma coisa, porque eu não li ainda o inquérito, o pedido feito pelo Ministério Público e a decisão do ministro Edson Fachin.
Mariz, amigo de Temer há 40 anos, se reuniu com o presidente ontem, em Brasília, e vai assumir a defesa dele. O advogado, que é contrário à LavaJato e chegou a ser cotado por Temer para assumir o Ministério da Justiça no início de sua gestão, vai pedir a perícia da gravação da conversa.
“Soubemos que a fita foi editada, e isso é gravíssimo”, afirmou Mariz, ao “Estado de S. Paulo”. À “Folha de S.Paulo” ele disse que a gravação foi feita para provocar o presidente. “Parece que a coisa foi preparada”, declarou
Ontem à noite, a “Folha de S.Paulo” divulgou um laudo contratado pelo jornal. O documento afirma a gravação “sofreu mais de 50 edições”. A análise foi encomendada a Ricardo Caires dos Santos, perito judicial do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo. Segundo Caires disse ao jornal, haveria indícios claros de manipulação, “mas não dá para falar com que propósito”.
De acordo com a reportagem da “Folha”, um dos trechos mais polêmicos do diálogo, aquele em que, segundo a Procuradoria-Geral da República, Temer dá seu aval a uma mesada de Joesley ao ex-deputado Eduardo Cunha, não teve edições, na avaliação da perícia.
Procurado pelo GLOBO, outro perito, Ricardo Molina, afirmou que não há como concluir se o áudio foi editado ou não, o que dependeria de mais análises, inclusive do gravador utilizado por Joesley para registrar a conversa. Ele chegou à mesma conclusão do outro perito em relação ao trecho sobre a anuência de Temer ao aval da mesada a Cunha: não há sinais de que houve edição.
O Palácio do Planalto divulgou ontem comunicado afirmando que Temer “não obstruiu a Justiça” e que no diálogo com o empresário Joesley Batista “nada fez pelo ex-deputado Eduardo Cunha”.
__________________________________________________________________________________________________________
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, disse ontem que o momento é de “transformações” e que “gerações futuras vão se lembrar de hoje como apenas uma passagem na História”.
— O país sempre vai sobreviver, porque o país é o povo. E o povo, o ser humano, tem o instinto de vida muito mais forte que o de morte. O mundo está preocupante, o mundo inteiro — afirmou a ministra.
Apontada como um um dos nomes que podem suceder Michel Temer na Presidência em caso de cassação ou renúncia, Cármen Lúcia afirmou que está feliz no Judiciário:
— Estou no lugar que tenho a obrigação constitucional de estar e permanecerei com muito gosto. Sinto-me muito honrada por ter tido a oportunidade de ser juíza, sinto-me muito bem na magistratura e, se Deus quiser, até o último dia que eu estiver aqui, que eu tiver saúde, condições de continuar, vou estar cumprindo a minha função com o mesmo gosto que cumpro hoje. Ser um juiz não é fácil, não é alegre, mas é a função que a gente exerce.
ESPERANÇA EM DIAS MELHORES
A presidente do STF demonstrou estar esperançosa, apesar da crise que tomou conta do país depois da divulgação da delação da JBS:
— Vocês (dirigindo-se a repórteres) devem ter crianças em casa mais novas que as minhas. Não temos escolha. O Brasil está aí para ser reconstruído a cada minuto, se Deus quiser.
Cármen Lúcia virou-se para uma repórter gestante e disse:
— Olha, fale para ele assim: “Nós estamos construindo um outro Brasil, não se preocupe com isso, não. Na sua hora, nós já teremos arrumado tudo”.
Questionada se está temerosa diante da crise política brasileira, a ministra afirmou que que está preocupada com o Brasil o tempo todo. Ela descreveu a situação atual como um “percalço”:
— O papel do Poder Judiciário, no que a democracia ajudar, nós estamos fazendo, temos que continuar, as instituições estão funcionando, o Brasil está dando uma demonstração, acho, de maturidade democrática. Os percalços fazem parte das intempéries.
PERITOS AVALIAM GRAVAÇÕES
As gravações feitas pelo empresário Joesley Batista foram analisadas por peritos do Ministério Público Federal. Técnicos confirmaram ontem que os áudios têm qualidade suficiente, mas ainda não examinaram seu conteúdo nem verificaram se foram feitas edições. O trabalho continuará nos próximos dias.
O globo, n. 30602, 20/05/2017. País, p. 7