Grupo descontava propina de bônus de executivos

Luiz Vassallo / Ricardo Brandt / Julia Affonso / Fausto Macedo

17/04/2017

 

 

A DELAÇÃO DA ODEBRECHT / Funcionários que não negociavam pagamentos irregulares eram ‘mais premiados’ por resultados, afirma ex-executivo da Odebrecht

 

 

 

O delator da Odebrecht Hilberto Mascarenhas, que comandou o Setor de Operações Estruturadas da empreiteira – o “departamento de propina” que, segundo ele, movimentou US$ 3,37 bilhões de 2006 a 2014 –, afirmou em depoimento que a empresa descontava dos bônus anuais pagos a executivos o valor de repasses irregulares feitos pela companhia.

“É possível que um executivo que não tivesse feito ou solicitado nenhum pagamento irregular ainda assim ganhasse bônus pelos resultados?”, questionou um dos procuradores. “Sim, ele seria até mais premiado, com certeza, por não ter feito a empresa correr riscos”, respondeu Mascarenhas, durante depoimento no dia 15 de dezembro do ano passado.

Segundo o ex-executivo, parte do bônus era paga oficialmente e parte, via Setor de Operações Estruturadas. “O setor fazia todos os pagamentos (da empresa) por fora, inclusive bônus”, afirmou o delator. “Os bônus, anuais, eram referentes a resultados que os executivos deram”, disse Mascarenhas.

O executivo afirmou ainda em sua delação premiada que receber dinheiro em obra pública sem pagamento de corrupção era “um sonho em uma noite de verão”, referência à peça teatral de William Shakespeare.

Na sistemática de pedidos, autorizações e ordenamentos de pagamentos de propinas dentro do grupo, Mascarenhas citou Isaías Ubiraci Chaves Santos, também delator.

Apesar de não ser funcionário da Odebrecht, era ele que, segundo o ex-executivo, “recebia as requisições” de pagamentos de Marcelo Odebrecht e acionava o Setor de Operações Estruturadas da empresa.

 

‘Conta-corrente’. Mascarenhas relatou que uma das ordens que Ubiraci costumava receber de Marcelo Odebrecht era: “Se uma obra mandou menos recurso para a matriz do que pediu, essa obra não podia pedir pagamento nenhum”.

“Se alguém enviasse um pedido referente a uma obra que tivesse valor arrecadado menor do que pediu para os pagamentos não contabilizados, ele não podia receber”, afirmou o exchefe do departamento de propinas.

“Acho que o que ele (Marcelo Odebrecht) queria era forçar aquela obra a regularizar a situação da conta-corrente dela.” Com 40 anos de empresa, Mascarenhas disse ter avisado Marcelo Odebrecht do “problema”.

“Marcelo, isso que você está fazendo é um tiro no pé. Porque, às vezes, ele está pedindo dinheiro para pagar o cara que vai pagar a fatura dele. Se você proíbe que ele dê o dinheiro para a pessoa, ele não vai receber a fatura, ele vai ficar sempre negativo”, relatou o delator.

Segundo Mascarenhas, o herdeiro do grupo queria que o responsável pela obra “corresse atrás, sem precisar dar nada”.

Ele disse discordar do empreiteiro.

“Isso é um sonho na noite de verão. Não era assim que funcionava.

Esperamos que no futuro mude. Mas as tesourarias e os órgãos não funcionava assim, se não me der o meu, não sai aqui o pagamento.”

 

Ex-diretor. Hilberto Mascarenhas comandou o ‘departamento de propina’ da Odebrecht

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Dinheiro de esquema foi usado em escândalo dos ‘aloprados’, diz delator

André Borges / Fábio Serapião / Beatriz Bulla

17/04/2017

 

 

Segundo ex-executivo, foi feita reunião no comitê do PT após prisão de homens que negociavam dossiê contra Serra

 

 

O esquema de lavagem de dinheiro criado entre a Odebrecht e a cervejaria Itaipava não bancou apenas o caixa 2 de campanhas eleitorais, mas também a tentativa de compra, em 2006, de um dossiê contra o então candidato ao governo de São Paulo, José Serra (PSDB), segundo o delator Luiz Eduardo Soares, ex-executivo da Odebrecht.

O caso ficou conhecido como o escândalo dos “aloprados do PT”.

No dia 15 de setembro de 2006, a duas semanas do primeiro turno das eleições, foram presos em flagrante Valdebran Padilha e Gedimar Passos, com R$ 1,7 milhão, em um hotel em São Paulo. O dinheiro seria usado para comprar um dossiê falso que envolvia Serra, ex-ministro da Saúde, no escândalo da Máfia dos Sanguessugas. O documento seria vendido pelos empresários Darci Vedoin e seu filho, Luiz Antônio Vedoin, donos da empresa Planam, pivô do escândalo das sanguessugas.

O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou minimizar a importância do episódio, afirmando que aquilo era obra de “um bando de aloprados”.

Um dia depois da prisão, segundo Soares, o ex-tesoureiro da campanha de Lula, José de Filippi, convocou reunião de emergência no comitê de campanha do PT, em São Paulo. Quando chegou ao local, Soares diz que encontrou José de Filippi, o presidente da Itaipava, Walter Faria, e Benedicto Júnior, o BJ, também delator.

“Nós fomos tomados de surpresa na operação dos aloprados. BJ me ligou dizendo que tinha dado um grande problema”, afirmou Soares.

 

Rótulos. O clima era de tensão: entre os maços de dinheiro apreendidos, um deles estava, segundo ele, com o rótulo da empresa Leyroz de Caxias, distribuidora da Itaipava que articulava o esquema de propina da cervejaria.

“Como nós tínhamos essa operação que já tinha começado, de troca de reais por dólar, eles estavam com medo, porque descobriram que uma parte desse dinheiro estava com o timbre da Leyroz de Caxias.

Mostrava que isso era da cervejaria Itaipava”, disse Soares.

O delator chega a dar risada, ao se lembrar do episódio. “Me dá vontade até de rir um pouco. O senhor Walter (Faria, presidente da Itaipava) falou que ele mesmo estava tirando (o rótulo) e esqueceu de um pacote, de tirar os invólucros.” Soares confirmou que o dinheiro foi repassado ao ex-tesoureiro do PT pelo próprio Faria.

“Eles pediram esse dinheiro e usaram esse dinheiro”, disse.

Segundo o delator, José de Filippi sabia que a propina seria usada para a compra do dossiê. Procurado, o PT informou que não comentaria a delação. O Estado não localizou nenhum representante da Itaipava.

José de Filippi negou, em nota, envolvimento no caso. “Nem em seu início e muito menos nos seus desdobramentos. Tenho minha consciência tranquila”, afirmou. 

 

Pilha. Dinheiro apreendido às vésperas da eleição em 2006

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Delações detalham doações para deputados de SP

Luiz Vassallo

17/04/2017

 

 

Soma dada a seis parlamentares citados chega a R$ 1 mi; há menção de caixa 2 para cinco deles

 

 

A soma das doações aos seis deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo citados em delações de executivos da Odebrecht chega a R$ 1 milhão; contra cinco deles, há menções de caixa 2. Eles serão investigados pela Procuradoria da República em São Paulo.

Fernando Capez (PSDB), ex-presidente da Assembleia Legislativa, é suspeito de ter recebido, por meio de uma ONG de tratamento da Hepatite C, R$ 100 mil por caixa 2, como revelou o Estado. Ele confirma que, em 2010, recebeu doação legal da empresa para sua campanha, informada à Justiça Eleitoral.

Mas desconhece “qualquer entrega de quantia em dinheiro para o representante da ONG”.

Barros Munhoz (PSDB), também ex-presidente da Casa, recebeu R$ 50 mil por meio de caixa 2, segundo delatores da Odebrecht.

Em nota, o deputado afirma que teve as contas aprovadas pela Justiça nas nove eleições que disputou.

A investigação do caso do primeiro- secretário da Casa, Luiz Fernando Teixeira (PT) – irmão do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) –, está sob sigilo até 3 de maio. Segundo petição encaminhada pelo procurador-geral da República, três diretores da construtora confirmaram repasses, por meio de caixa 2, de R$ 300 mil à campanha de 2014. Teixeira diz que recebeu da empresa duas doações, de R$ 25 mil e R$ 50 mil, mas “nenhum centavo em caixa 2”.

João Paulo Rillo (PT) é suspeito de receber R$ 500 mil da construtora em 2012, quando foi candidato a prefeito de São José do Rio Preto, conforme relato do ex-diretor regional da Odebrecht em São Paulo, Guilherme Pamplona Paschoal. Rillo teria mostrado interesse em apoiar um projeto de privatização do serviço de água e esgoto da cidade proposto pela construtora.

Em nota, ele negou ter recebido doações da empresa.

Campos Machado (PTB) teria recebido R$ 50 mil – ele não respondeu à reportagem.

Roberto Massafera (PSDB) recebeu R$ 30 mil em 2010, segundo o executivo Carlos Armando Paschoal. O deputado diz que nunca solicitou recursos ilegais para suas campanhas e que suas contas foram aprovadas pela Justiça. 

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FHC nega articulação com Temer e Lula contra Lava Jato

Daniel Weterman

17/04/2017

 

 

Em texto nas redes sociais, ex-presidente defende diálogo diante do ‘desmoronamento’ da ordem ‘político-partidária’

 

 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) negou ontem, por meio das redes sociais, que tenha participado de qualquer articulação com o presidente Michel Temer (PMDB) e com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em torno de um acordo com o objetivo de garantir a sobrevivência política de seus partidos.

Além de FHC, Lula e Temer, políticos das três legendas foram citados nas delações de executivos e ex-executivos da Odebrecht que originaram pedidos de inquérito enviados ao Supremo Tribunal Federal (STF).

“Não participei e não participo de qualquer articulação com o presidente Temer e com o expresidente Lula para estancar ou amortecer os efeitos das investigações da Operação Lava Jato. Qualquer informação ou insinuação em contrário é mentirosa”, diz FHC.

O ex-presidente tucano defendeu, no texto, o estabelecimento de um diálogo entre políticos e a sociedade diante do “desmoronamento” da ordem político-partidária e das “distorções” do sistema eleitoral. “O diálogo em torno do interesse nacional é o oposto de conchavos.

Deve ser feito às claras, com o propósito de refundar as bases morais da política.”

 

Declarações. No texto, FHC também voltou a se defender das declarações do patriarca do Grupo Odebrecht, Emílio Odebrecht, que disse ter pago “vantagens indevidas não contabilizadas” às campanhas presidenciais de FHC, em 1993 e 1997. O tucano afirmou que não há menção a irregularidades na delação.

“Basta ouvir a íntegra das declarações de Emílio Odebrecht em seu depoimento ao Judiciário para comprovar que nelas não há referência a qualquer ilicitude por mim praticada nas campanhas presidenciais de 1994 e 1998 (anos das campanhas eleitorais)”, afirmou.

Para FHC, o País vive uma “crise gravíssima com desdobramentos econômicos e sociais imprevisíveis”. 

 

Delações. FHC e outros ex-presidentes foram citados

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45107, 17/04/2017. Política, p. A6.