CVM abre 5 processos para investigar JBS

Rennan Setti 

20/05/2017

 

 

Suspeita é de uso de informação privilegiada. Controladores venderam R$ 328 milhões em ações em abril

A Comissão de Valores Mobiliários vai investigar a JBS. Em abril, quando Joesley negociava a delação, pessoas ligadas aos controladores da empresa venderam R$ 328,5 milhões em ações da JBS. Ontem, as ações valeriam menos R$ 51,7 milhões. A JBS ainda teria se aproveitado do dólar. -A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) informou ontem que instaurou cinco processos administrativos para apurar possíveis irregularidades no mercado financeiro cometidas por JBS e Banco Original, do mesmo grupo, no contexto das denúncias de seu sócio Joesley Batista contra o presidente Michel Temer. Os processos investigam eventuais desvios, como uso indevido de informação privilegiada (insider trading) nos mercados de câmbio e de ações.
Conforme noticiou O GLOBO ontem, circulam entre agentes financeiros rumores de que a JBS teria comprado dólares no mercado de câmbio poucas horas antes de o colunista Lauro Jardim revelar as denúncia de Joesley. O objetivo seria se beneficiar da forte valorização que a divisa teria no dia seguinte como consequência das acusações contra Temer — de fato, o dólar dispararia mais de 8% naquela sessão.

Os rumores de que a JBS teria se beneficiado da turbulência que ela própria provocou no mercado começaram a circular entre agentes financeiros já na quarta-feira. Segundo operadores, em poucas horas daquela sessão, a companhia teria feito uma grande posição em contratos de dólar no mercado futuro. Alguns operadores especulam que as posições tenham superado US$ 1 bilhão, algo muito atípico mesmo para uma companhia conhecida por sua agressividade no mercado de câmbio. Circulou também a especulação de que a companhia teria se beneficiado indevidamente no mercado de ações.

Segundo formulários apresentados pela empresa nas últimas semanas e consultados pelo GLOBO, a JBS informou que, em abril, pessoas ligadas ao acionista controlador do grupo venderam no mercado R$ 328,5 milhões em ações da companhia. Foram seis operações realizadas por meio da corretora do Bradesco, entre os dias 20 e 28 de abril. Na cotação de ontem, o mesmo volume de papéis valeria R$ 51,7 milhões menos. Desde fevereiro de 2016, o acionista controlador da JBS não vendia ou comprava papéis no mercado.

Enquanto os sócios controladores vendiam suas ações no mercado, a tesouraria da própria JBS ia às compras. A empresa adquiriu o equivalente a R$ 200,4 milhões em papéis da JBS em 12 operações entre os dias 24 e 27 de abril, por meio das corretoras XP e Ativa e do banco Goldman Sachs. Essas ações foram adquiridas por mais de R$ 10,20 e sofreriam depreciação após as denúncias de Joesley. Ontem, os papéis encerraram a R$ 8,71, com alta de 1,52%.

De acordo com a CVM, o primeiro processo foi aberto na quinta-feira, um dia depois da revelação das denúncias. Seu objetivo é buscar “esclarecimentos adicionais relativos às notícias e especulações envolvendo delação de acionistas controladores da JBS.” Ontem, quatro outros processos foram instaurados. Um deles trata da comunicação de indícios de insider trading ao Ministério Público Federal (MPF) “detectados em operações realizadas no mercado de dólar futuro e em negócios com ações de emissão da JBS no mercado à vista”, esclareceu a autarquia. Outra ação analisa a atuação da JBS no mercado de dólar futuro.

O quarto processo investiga a atuação do Banco Original no mercado de derivativos, enquanto o último analisa negociações do acionista controlador da JBS, a FB Participações, com ações da companhia.

A CVM acrescentou que, além dos processos, sua Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos (ASA) está monitorando a exposição da indústria de fundos a ativos afetados pelas últimas movimentações do mercado.

Em comunicado assinado pelo diretor de Relações com Investidores, Jeremiah O’Callaghan, a JBS se defendeu das acusações de insider trading no mercado de câmbio, afirmando que “gerencia de forma minuciosa e diária a sua exposição cambial e de commodities”. E ressaltou utilizar “instrumentos de proteção financeira visando, exclusivamente, a minimizar seus riscos cambiais e de commodities provenientes de sua dívida, recebíveis em dólar e de suas operações”.

“Um exemplo do potencial impacto de oscilações na cotação do dólar é que, ao considerar a variação cambial na cotação da moeda americana de R$ 3,16 para R$ 3,40, como a ocorrida entre 31 de março (fechamento do primeiro trimestre) e 18 de maio, a companhia sofreria prejuízo superior a R$ 1 bilhão”, afirmou O’Callaghan. “Reiteramos assim que as movimentações realizadas pela companhia nos últimos dias seguem alinhadas à sua política de gestão de riscos e proteção financeira.”

Procurada, a JBS afirmou que “todas as operações de compra e venda de moedas (...) seguem as leis que regulamentam tais transações”. A empresa acrescentou que ainda não teve acesso a todos os processos administrativos da CVM e que “assim que tiver irá prestar os esclarecimentos necessários”.

PROCESSO NOS EUA

No exterior, o escândalo da delação também provoca movimentação. O escritório americano de advocacia Rosen Law, especializado em direito de investidores, anunciou que vai abrir um processo coletivo contra a JBS. Em nota a possíveis clientes, a firma cita a delação de Joesley e diz que a JBS pode ter “divulgado informações corporativas enganosas ao público investidor”.

“Com isso, as ações da JBS caíram acentuadamente durante a negociação intraday em 18 de maio de 2017”, afirmou o escritório. Nesse dia, os papéis despencaram 9,8%. O Rossen Law cita ainda a Operação Carne Fraca da Polícia Federal, em março, que investiga subornos para a venda de carne adulterada.

O escritório de advocacia — que entrou com ação nos EUA contra a Petrobras — já havia anunciado um processo por causa da Carne Fraca. Procurados pelo GLOBO, os advogados não retornaram para informar se haveria um novo processo ou se essa denúncia seria somada à ação já existente. Não há prazos para julgamentos desse tipo de caso. A JBS informou, após a delação de Joesley, que também pretende fazer acordo com o Departamento de Justiça americano.

 

O globo, n. 30602, 20/05/2017. Economia, p. 29