Janot afirma que Temer já confessou

André de Souza 

27/05/2017

 

 

Procurador pede autorização de Fachin para depoimento do presidente, que tenta redistribuir inquérito

-BRASÍLIA- Não é só a Polícia Federal (PF) que tenta ouvir o presidente Michel Temer (PMDB) no inquérito em que é investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção, organização criminosa e obstrução à Justiça. Em documento apresentado na última quarta-feira, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu que o ministro Edson Fachin, relator desse e dos outros processos da Operação Lava-Jato no STF, autorize o depoimento de Temer. Janot disse que, ao admitir diálogo, Temer fez confissão extrajudicial. O procurador não sugere data e diz que depoimento será feito “nos moldes a serem definidos” por Fachin. Até o momento, o relator da Lava-Jato não tomou decisão a respeito.

A defesa de Temer pediu ontem que o inquérito aberto seja distribuído livremente. Isso significa sair das mãos do ministro Edson Fachin para ser sorteado outra vez entre todos os integrantes do STF. Na última terça, quando ainda estava analisando se faria esse pedido, o advogado de Temer, Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, negou que quisesse tirar o inquérito de Fachin e disse torcer para que caísse de novo com ele. Mas argumentou que o processo não tem relação com a Petrobras e, por isso, não faria parte da Lava-Jato. Assim não poderia ter ido automaticamente para Fachin, como ocorreu.

Em outro pedido, os advogados do presidente querem que o inquérito dele seja separado do que investiga o senador afastado Aécio Neves (PMDB-MG). A defesa pede um processo só para Temer.

No mesmo documento, Janot argumenta que, ao confirmar diálogo gravado pelo empresário Joesley Batista, Temer acabou fazendo uma confissão extrajudicial. Na gravação, Joesley, dono do grupo JBS, fala com o presidente sobre pagamento de propina ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e a um procurador da República. Também pede que o presidente o ajude a pressionar o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. A gravação foi feita sem conhecimento de Temer, e a PF analisa se o áudio foi manipulado.

O pedido de Janot para ouvir o presidente foi feito depois que o delegado da PF Josélio Azevedo de Sousa procurou a defesa de Temer para que fosse marcado um depoimento. O plano de Josélio era ouvi-lo na quarta-feira da semana que vem.

PEDIDO TAMBÉM PARA LOURES

Os advogados de Temer reclamaram com Fachin, alegando que a perícia no áudio que incrimina o presidente ainda não foi concluída. Em resposta, o ministro disse que a única medida autorizada até agora foi a perícia, deixando em suspenso o pedido.

No documento, Janot também pede que sejam marcados os depoimentos do senador afastado Aécio Neves (PSDBMG) e do deputado afastado Rocha Loures (PMDB-PR). O plano inicial da PF era ouvilos na quinta e na sexta da próxima semana, respectivamente. Em outro documento, protocolado na última segunda-feira, o perito da PF Getúlio Menezes Bento disse que a análise do áudio de Temer deverá levar até 30 dias. As outras gravações, que envolvem Aécio e Rocha Loures, podem levar até 60 dias para serem periciadas. Temer, Aécio e Rocha Loures são investigados no mesmo inquérito.

Para reforçar o argumento de que houve confissão por parte de Temer, Janot citou uma decisão tomada no ano passado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, que suspendeu a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro da Casa Civil. Ele foi indicado pela então presidente Dilma Rousseff, mas o ato foi interpretado como uma proteção a Lula, de modo a evitar uma eventual prisão por ordem do juiz Sergio Moro. Como ministro, Lula só poderia ser preso pelo STF.

Na época, Moro divulgou o áudio de um telefonema entre Lula e Dilma, que reforçou a suspeita. O áudio foi invalidado depois, mas o próprio Gilmar Mendes, em sua decisão, destacou que Dilma reconheceu a existência do diálogo, o que significaria uma confissão extrajudicial. Agora, Janot cita esse ponto para justificar a continuidade da investigação contra Temer. Mas faz uma diferenciação: enquanto a gravação de Lula e Dilma foi invalidada por ter ocorrido depois de uma decisão suspendendo o grampo, a conversa de Temer foi ambiental, feita por um dos interlocutores, ou seja, Joesley. E a jurisprudência do STF é pela legalidade desse tipo de prova.

“É certo que os fatos sobre os quais versa o MS n° 34.070/DF (em que Gilmar suspendeu a nomeação de Lula) não são idênticos ao caso em tela: no mandado de segurança estávamos diante de uma interceptação telefônica enquanto, neste inquérito, há uma gravação por um dos interlocutores, o que prescinde de qualquer tipo de autorização judicial. No entanto, no que tange estritamente à confissão extrajudicial, as situações são equivalentes: as confissões espontâneas têm força para provar a existência da conversa e do seu conteúdo. Não obstante a confissão, o Procurador-Geral da República manifestou-se favorável à realização da perícia nos áudios", diz trecho do documento de Janot.

 

O globo, n. 30609, 27/05/2017. País, p. 6