O Estado de São Paulo, n. 45067, 08/03/2017. Política, p. A8

2ª Turma do STF aceita denúncia contra Raupp por 'propina disfarçada' em doação

Ministros do Supremo acolhem acusação e abrem ação penal contra senador do PMDB pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro

Por: Breno Pires / Rafael Moraes Moura / Beatriz Bulla

 

Em um julgamento considerado um marco na Operação Lava Jato, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal indicou que doações oficiais de campanha podem disfarçar o pagamento de propina e, portanto, configurar crime.

A discussão entrou no Debate durante o julgamento de recebimento da denúncia contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) e os assessores Maria Cleia Oliveira e Pedro Rocha, que se tornaram réus por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

A tese de que doações legais – o “caixa 1” – podem configurar corrupção é um tema central em vários inquéritos da Lava Jato.

Esta foi a primeira vez, no entanto, que o Supremo aceitou esse entendimento. A discussão vai se aprofundar na análise da ação penal aberta contra Raupp – o quarto parlamentar em exercício do mandato a se tornar réu em processos relacionados à operação.

Defensora da tese, a Procuradoria- Geral da República, na acusação contra o peemedebista, diz que os R$ 500 mil doados oficialmente pela construtora Queiroz Galvão à campanha de Raupp ao Senado em 2010 seriam “propina disfarçada”, com origem no esquema de corrupção instalado na Diretoria de Abastecimento da Petrobrás.

“Tenho pra mim que a prestação de contas à Justiça Eleitoral pode constituir meio instrumental viabilizador da prática do delito de lavagem de dinheiro, se os recursos financeiros doados, mesmo oficialmente a determinado candidato ou a certo partido político, tiverem origem criminosa resultante da prática de outro ilícito”, afirmou o decano da Corte, ministro Celso de Mello.

“Configurado esse contexto que traduz uma engenhosa estratégia de lavagem de dinheiro, a prestação de contas atuará como um típico expediente de ocultação e, até mais, de dissimulação do caráter delituoso das quantias doadas em caráter oficial. E esse comportamento constitui um gesto de indizível atrevimento e gravíssima ofensa à legislação da República”, completou o decano.

Relator da Lava Jato no STF, o ministro Edson Fachin ressaltou que o caso de Raupp ainda se encontrava numa fase de verificação da existência de indícios, “dotados de um mínimo de razoabilidade para instaurar uma ação penal na qual o Ministério Público terá o ônus de provar suas alegações”.

O relator votou pelo recebimento da denúncia contra Raupp tanto pelos crimes de corrupção passiva quanto por lavagem de dinheiro, sendo acompanhado por todos os colegas da Segunda Turma no primeiro ponto: Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Gilmar Mendes.

Quanto ao crime de lavagem de dinheiro, Dias Toffoli e Gilmar Mendes votaram contra, por, segundo eles, não haver elementos suficientes. “Isso é mesmo lavagem de dinheiro: valerse de atos aparentemente perfeitos para conferir aparência a negócios jurídicos que dissimulam circunstâncias que precisam ser apuradas, para verificar se são ou não efetivamente ilícitos”, defendeu Fachin.

 

‘Branqueamento’. Gilmar Mendes reconheceu que uma doação eleitoral declarada pode, em tese, “se prestar ao branqueamento de recursos ilícitos”.

“Um partido ou candidato que aceita receber recursos sabidamente oriundos do esquema criminoso, com o qual não está envolvido, estaria reintegrando recursos ilícitos e potencialmente praticando a lavagem de dinheiro”, disse.

O ministro, no entanto, ressaltou que o colegiado deverá exigir da acusação uma demonstração de “nexo contundente entre as doações e o compromisso do denunciado de atuar de forma ilícita em favor do interesse dos corruptores”. “É fundamental que nós façamos uma investigação, um escrutínio severo das hipóteses já em sede de análise da própria denúncia.

Do contrário, temos um encontro marcado com uma absolvição”, disse Gilmar.

Nos primeiros inquéritos propostos pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, surgiu uma linha considerada essencial pela Procuradoria-Geral da República: a de que o recebimento de vantagem indevida pelos políticos, seja por caixa 2 ou por doação eleitoral registrada, pode configurar crime de corrupção passiva.

E, por esse entendimento, nenhum tipo de anistia ao caixa 2 ensaiado no Congresso seria capaz de livrar parlamentares envolvidos no esquema na Petrobrás das acusações de corrupção e lavagem de dinheiro. Isso porque, seja de um caixa oficial ou não, o ato de solicitar vantagem indevida ligada a contratos com o poder público é crime.

 

Licitude. Em nota, o senador Valdir Raupp disse que respeita a decisão do STF, mas que continua a acreditar “que contribuição oficial de campanha devidamente declarada não pode ser considerada como indício e/ou prova de ilicitude”.

“Esclareço também que as contribuições da campanha de 2010, que são objeto da causa, foram feitas diretamente ao Diretório Regional do PMDB do Estado de Rondônia, tendo sido as contas aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral”, afirmou o parlamentar.

 

Relator. Ministro Edson Fachin durante a sessão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal

 

‘Dissimulação’

“Configurado esse contexto que traduz uma engenhosa estratégia de lavagem de dinheiro, a prestação de contas atuará como um típico expediente de ocultação e, até mais, de dissimulação do caráter delituoso das quantias doadas em caráter oficial (...) Esse comportamento constitui um gesto de indizível atrevimento.”

Celso de Mello

DECANO DO SUPREMO

___________________________________________________________________________________________________________

Juiz abre ação contra Cavendish e Assad por obra da Nova Tietê

Justiça Federal no Rio aceita denúncia contra empresário da Delta e operador; acusação é de desvio em projeto em SP

Por: Mariana Sallowicz / Fabio Grellet

 

A Justiça Federal no Rio aceitou ontem denúncia sobre fraude na licitação das obras de ampliação da Marginal Tietê, em São Paulo, e tornou réus em mais uma ação penal o empresário Fernando Cavendish, da Delta Construções, e o operador Adir Assad, além de outras quatro pessoas. A denúncia aponta superfaturamento da obra em R$ 71,6 milhões, pago pela estatal Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa) ao consórcio Nova Tietê, liderado pela Delta.

A obra custou R$ 360 milhões.

O valor inicial era de R$ 287 milhões. O custo foi ampliado por um aditivo considerado ilegal na acusação formal. Após o pagamento do aditivo, os valores seriam repassados para empresas de fachada, segundo os procuradores. A denúncia foi aceita pelo titular da 7.ª Vara Federal Criminal, juiz Marcelo Bretas. As obras ocorreram entre 2009 e 2011, na gestão do hoje senador José Serra (PSDBSP) no governo de São Paulo. À época da licitação, Paulo Vieira de Souza era diretor de engenharia da Dersa.

Assad propôs um acordo de delação premiada à Lava Jato no qual afirma ter repassado cerca de R$ 100 milhões para Souza, entre 2007 e 2010, na gestão Serra em São Paulo, conforme informou o Estado. O operador de propinas admitiu ter usado suas empresas de fachada para lavar recursos de empreiteiras em obras viárias na capital e na região metropolitana de São Paulo, entre elas as da Nova Marginal Tietê. Souza não está entre os denunciados ontem à Justiça.

 

‘Esquema nacional’. O esquema alvo da nova ação penal foi denunciado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo no início do ano passado. O caso foi encaminhado para o Rio, onde já há investigações sobre os envolvidos. “Vislumbra-se que os crimes apurados neste procedimento são, em tese, parte de um grandioso esquema de âmbito nacional, praticado por uma mesma organização criminosa”, afirmou o juiz Bretas ao receber o processo de São Paulo.

Inicialmente, o caso estava na 14.ª Vara Criminal de São Paulo, mas foi enviado à 7.ª Vara do Rio. A mudança na tramitação ocorreu porque os réus e os crimes são semelhantes aos da Operação Saqueador, deflagrada em junho de 2016 para apurar as suspeitas de lavagem de R$ 370 milhões em obras tocadas pela Delta no Rio. O Ministério Público Federal no Rio reapresentou a denúncia.

Além de Cavendish e Assad, foram denunciados Mauro Abbud, Marcello Abbud, Sandra Malago e Sonia Branco. Eles são acusados dos crimes de fraude à licitação, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e associação criminosa.

Apesar de citar a Dersa, que repassou R$ 360 milhões para a Delta referentes à obra, a denúncia não traz nenhuma acusação contra agentes públicos ou servidores do Estado de São Paulo.

A licitação foi feita por um convênio realizado entre o Estado e a Prefeitura. Na época, o prefeito era o hoje ministro Gilberto Kassab (Comunicações).

 

Defesas. O advogado Miguel Pereira Neto, que representa Adir Assad, Mauro e Marcello Abbud, afirmou por meio de nota que “se pronunciará posteriormente” porque “ainda não teve acesso à denúncia”. A defesa de Fernando Cavendish não se posicionou.

Gilberto Kassab afirmou, em nota, que “a Prefeitura de São Paulo, por se tratar de obra de mobilidade urbana dentro dos limites do município, prestou apoio técnico e logístico pertinentes às suas atribuições legais desde o início até a conclusão das intervenções”.

“Esse apoio compreendeu o monitoramento do trânsito, aprovação de adequações provisórias de tráfego e sinalizações necessárias durante a execução e, também, após o término das obras.” O ex-prefeito ressaltou que “não coube à Prefeitura a realização de licitações, fiscalização ou pagamentos”.

A Dersa afirmou que “até o presente momento, não tem conhecimento dos termos da suposta denúncia apresentada pelo MPF-RJ” e, “portanto, não tem o que manifestar sobre o assunto”. O Estado procurou José Serra por meio da assessoria do senador, mas ele não havia se manifestado até a conclusão desta edição.

A reportagem não localizou as defesas de Sandra Malago nem de Sonia Branco.

 

Prisão. Cavendish ao ser preso em julho do ano passado

__________________________________________________________________________________________________________

Executivos citam propinas de R$ 2,7 milhões a Cabral

Por: Julia Afonso / Ricardo Brandt / Fausto Macedo

 

Dois executivos da Andrade Gutierrez, entre eles o ex-presidente Rogério Nora de Sá, afirmaram ontem ao juiz federal Sérgio Moro que o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) recebeu R$ 2,7 milhões em propinas da empresa. O valor seria referente a 1% do valor das obras de terraplenagem do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).

O peemedebista está preso desde novembro de 2016.

“Foram pagos R$ 2,7 milhões referentes a nossa participação.

Esse pagamento era efetuado pelo Alberto Quintaes com recursos de caixa 2 que ele pegava junto com o diretor financeiro da empresa”, afirmou Nora de Sá, ouvido como testemunha de acusação do Ministério Público Federal contra o peemedebista. Segundo ele, o pedido de Cabral foi feito no Palácio Guanabara, sede do governo fluminense.

Cabral se tornou réu em ações penais abertas no Rio, decorrente da Operação Calicute, desdobramento da Lava Jato deflagrada em 17 de novembro, e em Curitiba.

No processo aberto por Moro, o peemedebista é acusado por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Além do Comperj, Nora de Sá e o executivo Alberto Quintaes, também ouvido por Moro ontem, confirmaram que toda obra da empreiteira no Rio tinha um porcentual de propinas para Cabral, que chegou a ser de 7% do valor do contrato.