A incógnita do BNDES

Janaina Lage, Danielle Nogueira e Lucas Moretzsohn 

27/05/2017

 

 

Mudança no comando deixa em aberto qual será o papel do banco de fomento

 

A saída de Maria Silvia Bastos Marques da presidência do BNDES deixa em aberto qual será o papel do banco de fomento. Em apenas um ano, ela provocou uma reviravolta nas políticas de financiamento e nas taxas cobradas do empresariado nos empréstimos de longo prazo. Na infraestrutura, o banco assumiu a coordenação de projetos de privatização de serviços de saneamento, energia, gás natural e iluminação pública. Maria Silvia dava ainda os primeiros passos para a entrada da instituição na concessão de crédito a segmentos como educação, eficiência energética e resíduos sólidos, com destaque ao apoio ao meio ambiente.

De início, o empresariado se mostrou receptivo às mudanças e ao discurso de maior eficiência. Mas, aos poucos, a percepção foi mudando, e começaram a surgir as críticas de que o banco tinha agora “roda presa”, ainda mais em um cenário de recessão prolongada. No ano passado, o banco desembolsou R$ 88,3 bilhões, o menor patamar desde 2007. Em janeiro, Maria Silvia anunciou novas políticas operacionais: saía de cena o apoio a setores estratégicos — que marcou a gestão anterior — e, em vez disso, o BNDES passaria a priorizar a qualidade dos projetos.

A GOTA D’ÁGUA DA TJLP

Se até aí havia alguma insatisfação, a mudança na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), usada nos financiamentos do banco, abriu espaço para a gritaria. Em um processo gradual, o juro passará a se aproximar das taxas cobradas no mercado. Para o empresariado, a mudança foi a gota d’água, e as queixas passaram a ser feitas abertamente.

Do ponto de vista institucional, o momento é delicado para o BNDES. Os funcionários do banco de fomento entraram na mira da Polícia Federal em razão do apoio — por meio de crédito e participação acionária — à JBS, investigado na Operação Bullish. Mais de 30 funcionários foram surpreendidos em casa pelos agentes da PF e levados a depor coercitivamente, inclusive uma grávida de 39 semanas. Da noite para o dia, o lado da Avenida Chile que se acostumou a assistir da janela os desdobramentos da Lava-Jato sobre a Petrobras passou a ser alvo de questionamentos.

De espectador, o banco passou a protagonista. A delação de Joesley Batista envolvendo o presidente Michel Temer trouxe para o primeiro plano discussões sobre o ritmo acelerado de crescimento do grupo JBS e o papel do financiamento público nessa expansão.

O banco tem participação de 21% no capital da JBS. Até o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, fez críticas nesta semana ao tamanho que a companhia alcançou no país e criticou o BNDES por ter contribuído para que ela conquistasse uma posição dominante no mercado — algo que ocorreu na gestão anterior à de Maria Silvia.

Em sua delação, inclusive, Joesley, dono da JBS, chegou a criticar a atitude de Maria Silvia. Segundo o executivo, Temer levou “pessoalmente” um pedido de interesse do grupo à presidente do BNDES. De acordo com o delator, no entanto, o resultado da conversa foi “infrutífero”.

Os funcionários passaram a cobrar uma defesa mais firme do corpo técnico da instituição, com direito a manifestações na porta do BNDES. O assunto ganhou tal magnitude que o banco anunciou a criação de uma Comissão de Apuração Interna para avaliar as operações com o grupo JBS. Não foi suficiente para acalmar os ânimos. Na semana passada, a instituição criou um comitê de crise para dar apoio às investigações e passou a oferecer apoio psicossocial aos funcionários.

PRESTAÇÃO DE CONTAS

Recentemente, o banco mudou sua política para participação em conselhos de administração de empresas. Tradicionalmente, o BNDES indicava um funcionário para participar dos conselhos nas 106 empresas das quais era acionista. Maria Silvia determinou que conselheiros profissionais e independentes façam esse papel. A mudança já ocorreu em empresas como JBS, Vale e Oi, e foi vista pelo mercado como um sinal de adoção de boas práticas de governança.

Ao longo de sua gestão, foram muitas as prestações de contas em relação a ações adotadas na última década. Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou perdas de R$ 711 milhões com a compra de debêntures (títulos de dívida) e ações da JBS. Os ex-dirigentes do banco contestam a avaliação, afirmando que houve lucro nas operações.

O diálogo com o TCU foi intenso ao longo do último ano, por diversos fatores. Um dos pontos mais delicados foi a revisão da política de financiamento à exportação de bens e serviços, conhecida por projetos como as obras no Porto Mariel, em Cuba, e linhas de metrô em Caracas. Críticos a essa modalidade de financiamento diziam que as operações eram decididas por afinidades políticas, sendo alvo de tráfico de influência.

Após questionamentos do TCU, o banco fez um pente-fino em sua carteira de projetos — decisão tomada na gestão anterior — e suspendeu, em maio do ano passado, os empréstimos a empreiteiras e construtoras envolvidas na Operação Lava-Jato.

No fim do ano passado, o banco retomou a primeira operação dessa categoria, mas passou a exigir que a construtora e o país contratante assinem um termo de compliance para que os recursos sejam, de fato, usados para a finalidade prevista em contrato.

Ao longo de um ano, Maria Silvia equilibrou uma agenda de mudanças drásticas na instituição e a resposta a questionamentos de outros órgãos em razão de financiamentos da última década. Mas Paulo Rabello de Castro, que a substituirá, ainda terá muitas explicações a dar à sociedade sobre a atuação do banco de fomento. Estão previstas comissões parlamentares de inquérito envolvendo o BNDES e a JBS. O TCU tem feito um exame rigoroso das operações da chamada política de campeões nacionais, adotada na última década, com o apoio à expansão e à internacionalização de grupos considerados estratégicos.

Diante da série de desafios que deverá levar adiante, resta saber se Paulo Rabello buscará dar continuidade às políticas que o BNDES adotou no último ano ou se dará prioridade a apaziguar os ânimos do empresariado, que cobra “celeridade” nos financiamentos. Leia-se crédito rápido e barato.

Resta saber se o novo presidente dará continuidade às políticas do último ano ou se buscará apaziguar o empresariado

 

O globo, n. 30609, 27/05/2017. Economia, p. 22