Título: Alertas sobre blitzes longe do consenso
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 08/01/2012, Brasil, p. 6

Decisão da Justiça do Espírito Santo de proibir a divulgação de mensagens na internet sobre fiscalizações de trânsito divide opiniões de especialistas e motoristas. Apelos à liberdade de expressão e ao bem coletivo estão entre os argumentos usados

O movimento rápido do polegar deslizando pela tela do celular é cena frequente nas mesas de bar das principais capitais brasileiras. Na tarefa de vasculhar as redes sociais para saber se o caminho de casa está livre de indesejáveis policiais com bafômetros em punho, os donos de aparelhos ligados à internet acabam também prestando uma consultoria aos amigos que não dispõem do recurso. Para quem ainda duvida do sucesso dos perfis com informações sobre blitzes na cidade, os milhares de seguidores representam a prova inequívoca de que as páginas já se tornaram parte da vida de muitos motoristas. Com tanta gente ligada ao serviço, era de esperar que a decisão da Justiça do Espírito Santo, ordenando que Facebook e Twitter retirem do ar contas que avisam sobre fiscalização da lei seca na Grande Vitória, levantasse tanta discussão pelo resto do país, inclusive na mesa do bar.

Se as opiniões entre os leigos sobre a eficácia e a viabilidade da medida divergem, no meio especializado não é diferente. O analista em trânsito Luis Riogi Miura, ex-diretor do Departamento de Trânsito no Distrito Federal, acredita em resultados práticos, como diminuição de acidentes, caso os perfis nas redes sociais que informam sobre blitzes fossem banidos. "É uma liberdade danosa para a sociedade. Enquanto você não pune ou ao menos desestimula o usuário a usar essas páginas na internet, ele não percebe que está contribuindo para a violência no trânsito", afirma o especialista. Miura faz uma ressalva quanto aos demais conteúdos postados nesse tipo de conta. "Informação sobre engarrafamento, acidente, entre outros, é um serviço importante. Mas avisar de fiscalização não passa de um desserviço à margem do bem-estar comum, portanto, marginal", diz.

Engenheira de transportes e professora da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eva Vider não vislumbra relação entre proibição de perfis que avisam sobre blitz e diminuição da violência no asfalto. "O mais importante é que existam dezenas de pontos fiscalizados, bem escolhidos, porque, só assim, a pessoa não vai beber e depois dirigir. Se não há muita fiscalização, não é pela falta da informação na internet que o motorista imprudente muda de atitude", afirma a professora, que trabalha com engenharia de tráfego e segurança do trânsito.

Para o conselheiro suplente da Ordem dos Advogados do Espírito Santo, Rodrigo Horta, a medida proferida por um juiz de seu estado tem um caráter mais simbólico do que prático. "Pelo menos em Vitória, onde as blitzes são feitas nas pontes, vemos de longe que há um bloqueio, até porque fica tudo congestionado. Então, é fácil para o motorista evitar a fiscalização aqui. Esse debate nacional talvez seja a mais importante consequência da decisão judicial", afirma. O risco de a sentença não ser cumprida também é apontado pelo advogado de Santa Catarina Ericson Scorsim. Especialista em direito da comunicação, ele vê obstáculos constitucionais para obrigar provedores a retirar do ar páginas com informações sobre trânsito. "O direito de se comunicar, ou seja, a liberdade de expressão, é base do Estado de Direito. Não há discussão sobre isso", defende.

Mesmo que os provedores resolvessem bloquear as páginas, nunca haverá 100% de eficácia, lamenta o presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro, Hugo Leal (PSC-RJ). Embora defenda a retirada de perfis que avisam sobre fiscalizações da lei seca, ele rechaça a criação de regras mais duras para redes sociais. "Temos que trabalhar com a lei que já existe, sobre perturbação da paz, da ordem, atentando à segurança. A própria decisão do juiz de Vitória mostra que nossa legislação atual tem mecanismos para prevenir essa situação na internet. Por isso, vejo com muita apreensão qualquer projeto no Legislativo que queira regular demais a internet", afirma Leal. Ele defende que os governos estaduais provoquem o Judiciário, exatamente como ocorreu no Espírito Santo. Lá, foi um delegado da área de trânsito quem acionou a Justiça, que respondeu com a sentença contra os provedores. A decisão pede também a quebra do sigilo dos administradores das contas para responsabilizá-los criminalmente.

Suspensão Até agora, a consequência da decisão judicial foi a suspensão por conta própria de pelo menos oito perfis com conteúdo sobre blitzes. Seis deles são do grupo RadarBlitz, conhecido em várias capitais pelo desenho de uma antena na página no Twitter. Segundo os moderadores do grupo em Brasília, que falam sob a condição do anonimato, embora a ordem judicial não tenha se referido ao RadarBlitz, o futuro do perfil será decidido no início desta semana. "De forma alguma queremos ir contra a legislação e, pela forma como o juiz que assinou essa determinação interpretou a legislação, parece que tem algo errado conosco. Daí, precisamos parar e pensar sobre os passos à frente", diz um membro do RadarBlitz, que, no DF, funciona desde maio de 2010.

Ele esclarece que o serviço é uma ideia de um grupo do Rio, que centraliza o gerenciamento das contas existentes em outras cidades. Ressalta que não há fins lucrativos e que o canal também é uma utilidade pública. "Funciona gratuitamente, ninguém ganha com isso, nem publicidade nem nada. Afinal, a gente mesmo acaba se beneficiando das mensagens (...). O RadarBlitz existe para informações de trânsito, seja qual for, engarrafamentos, acidentes, blitz e tal. (...) Um exemplo: Aqui em Brasília, ainda não tive nenhuma informação sobre, mas no Rio e em Belo Horizonte, já informaram que encontraram carros roubados graças a avisos enviados pelo Twitter", diz o representante do grupo.

Recorde carioca No DF, a principal conta do Twitter que avisa sobre blitzes no trânsito reúne mais de 37 mil pessoas. Cerca de 13 mil seguem página semelhante em Porto Alegre. Um perfil de São Paulo conta com quase 40 mil admiradores. Nada comparável ao Rio de Janeiro, com 370 mil interessados em uma única conta. Salvador, Belo Horizonte, Recife e Goiânia são outras capitais com perfis bastante acessados pelos internautas. Nessas contas, há informações sobre alagamentos, acidentes e engarrafamentos. Mas são dois os assuntos mais postados: presença de radar ou de blitz e congestionamentos.