OBSTRUÇÃO - EM CONVERSA, AÉCIO FALA EM BARRAR A LAVA-JATO

Cristiane Jungblut

Jailton Carvalho

Júnia Gama

19/05/2017

 

 

Senador tucano afastado do cargo por decisão de Fachin também descreve articulação no Congresso para aprovar anistia ao caixa 2

O senador Aécio Neves (PSDBMG) manteve com o empresário Joesley Batista, dono da JBS e autor das gravações, conversas sobre tentativas de barrar a Lava-Jato e de aprovar anistia ao caixa dois no Congresso. Os diálogos foram incluídos no despacho de 48 páginas do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, sobre o afastamento do tucano de suas funções como senador. A decisão de Fachin contém diálogos com críticas de Aécio aos presidentes do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Os diálogos foram divulgados pelo site Buzzfeed e confirmados pelo GLOBO.

Como presidente do Senado, Eunício recebeu o despacho de Fachin e leu os diálogos a seu respeito. A amigos, o presidente do Senado disse que o tucano estava “esculhambando” com ele. A explicação de interlocutores é que Aécio estava reclamando da atuação de Eunício na votação da proposta das dez medidas de combate à corrupção.

Aécio usou um linguajar cheio de palavrões. Ele reclamou: “esses vazamentos, essa porra toda, é uma ilegalidade”. Joesley então perguntou se “essa merda” não iria parar.

Foi então, segundo os documentos, que Aécio disse que Eunício e Rodrigo Maia eram “frágeis”.

— Cara, nós estamos vendo (...) Primeiro temos dois caras frágeis para caralho nessa história: o Eunício e o Rodrigo. O Rodrigo especialmente também, tinha que dar uma apertada nele, que nós estamos vendo o texto (...) na terça-feira. E continua: — Acabar com tudo esses crimes de falsidade ideológica, papapá, que é que na, na, na mão [dupla], texto pronto nãnãnã. O Eunício afirmando que tá com colhão pra votar, nós tamo (sic). Porque o negócio agora não dá para ser mais na surdina, tem que ser o seguinte: todo mundo assinar, o PSDB vai assinar, o PT vai assinar, o PMDB vai assinar, tá montada. A ideia é votar na... Porque o Rodrigo devolveu aquela tal das Dez Medidas, a gente vai votar naquelas dez... Naquela merda das Dez Medidas toda essa porra. O que eu tô sentindo? Trabalhando nisso igual um louco. — Lógico — diz Joesley. No caso de Eunício, Aécio estava se referindo à polêmica sobre a punição do abuso de autoridade. Na época, Eunício disse que só colocaria para votar se todos os partidos assumissem posição favorável e depois que o próprio procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fosse ouvido. Interlocutores disseram que foi assim que Eunício procedeu. Ao ler o documento, Eunício brincou com um interlocutor: “se eu li aquele trecho em que ele me chama de frouxo?”.

 

“O POVO VAI PRA RUA E ELE AMARELA”

Mas Aécio continua os ataques e mira Rodrigo Maia.

— O Rodrigo enquanto não chega nele essa merda direto, né? (...) Você tem ajudado esses caras pra caralho. Tinha que mandar um recado pro Rodrigo, alguém seu. Tem que votar essa merda de qualquer maneira, assustar um pouco, eu tô assustando ele, entendeu? Se falar coisa sua aí... forte. Não que isso? Resolvido isso tem que entrar no abuso de autoridade... O que esse Congresso tem que fazer. Agora tá uma zona por quê? O Eunício não é o Renan.

— Já andaram batendo no Eunício aí, né? Já andaram batendo nas coisas do Eunício, negócio da empresa dele, não sei o quê — diz Joesley.

— Ontem até... Eu voltei com o Michel ontem, só eu e o Michel, pra saber também se o cara vai bancar, entendeu? Diz que banca, porque tem que sancionar essa merda, imagina bota cara — afirmou Aécio. — E aí ele chega lá e amarela. — Aí o povo vai pra rua e ele amarela. Apesar que a turma no torno dele, o Moreira (Franco), esse povo, o próprio (Eliseu) Padilha não vai deixar escapulir. Então chegando finalmente a porra do texto, tá na mão do Eunício.

O tucano também usa palavrões ao falar do ministro da Justiça, Osmar Serraglio.

— O ministro é um bosta de um caralho, que não dá um alô. Péba. Está passando mal de saúde pede pra sair. Michel tá doido. Veio só eu e ele ontem de São Paulo, mandou um cara lá no Osmar Serraglio, porque ele errou de novo de nomear essa porra desse (...). Porque aí mexia na PF. O que que vai acontecer agora? Vai vim um inquérito de uma porrada de gente, caralho, eles são tão bunda mole que eles não (têm) o cara que vai distribuir os inquéritos para o delegado. Você tem lá cem, sei lá, 2.000 delegados da Polícia Federal. Você tem que escolher dez caras, né?, do Moreira, que interessa a ele vai pro João.

Aécio divulgou nota em que classifica as acusações de “absurdas” e chama as medidas impostas pelo ministro do STF de “equívoco”. Ele diz que trabalhará para provar sua inocência e de sua família. A irmã de Aécio, Andreia Neves, e o primo do senador, Frederico Pacheco, foram presos na manhã de ontem pela Polícia Federal.

O advogado de Aécio, José Eduardo Alckmin, confirmou que o senador afastado teve encontro e pediu R$ 2 milhões a Joesley Batista, mas negou que a transação tenha sido pagamento de suborno. Segundo o advogado, o senador pediu o dinheiro por empréstimo e mais tarde pagaria a dívida:

— Todos nós pedimos empréstimos afinal de contas. Você sabe muito bem que nem sempre os juros são aceitáveis. Então a gente tem um amigo que pode ajudar, a gente pede ajuda.

Ele também negou que Aécio tenha usado um intermediário para buscar o dinheiro porque queria camuflar a transação. Alckmin argumenta que, como se tratava de um valor expressivo, o senador teve que recorrer a ajuda de terceiros. O advogado disse ainda que, na conversa com Joesley, Aécio falou em matar o intermediário por brincadeira.

— Foi um chiste — minimizou.

O globo, n.30601 , 19/05/2017. PAIS, p. 11