IMPACTO - Equipe econômica já vê ‘estrago’ nas reformas

Martha Beck

Rennan Setti

18/05/2017

 

 

Ações de empresas brasileiras despencam 11% no pregão noturno da Bolsa de Nova York após revelação de delação que envolve o presidente Michel Temer

Parte da equipe econômica do governo Temer já dava como perdidos, na noite de ontem, os esforços para aprovar as reformas da Previdência e trabalhista no Congresso depois das denúncias do executivo da JBS contra Michel Temer.

— O estrago sobre as reformas é muito grande, infelizmente — admitiu um técnico da equipe econômica, que não quis ser identificado.

A avaliação é que o trabalho feito nas últimas semanas para angariar votos de parlamentares para aprovar os projetos se enfraqueceu com a notícia, uma vez que a base aliada já não sabe mais sua real força para aprovar medidas tão impopulares em um contexto político muito mais adverso.

Embora os integrantes do governo acreditem que a recuperação econômica não sofrerá baque após a notícia, o problema está no longo prazo, uma vez que o cenário eleitoral ficou ainda mais incerto. Teme-se sobretudo o comportamento de investidores estrangeiros, uma vez que o quadro para 2018 é um do maiores motivos de preocupação para eles.

 

‘VAI SER UM MASSACRE NO MERCADO’

Os ministros da área econômica se falaram na noite de ontem para avaliar o estrago, mas, segundo fontes próximas a eles, ainda não chegaram a um consenso sobre a dimensão real do impacto que terá a delação sobre a pauta econômica.

Ações brasileiras negociadas na Bolsa de Nova York despencaram imediatamente após a publicação da denúncia no site do GLOBO. A Bolsa já havia encerrado o pregão regular mas, nas negociações após o fechamento (after hours), o iShares MSCI Brazil Index despencou 11,3%. O índice representa um fundo com recibos de ações brasileiras negociadas na Bolsa americana e é uma das principais referências dos investidores estrangeiros sobre aplicações no Brasil. Os papéis da Petrobras, por sua vez, despencaram mais de 12%. A ADR (American Depositary Receipt) da Petrobras havia fechado o pregão regular cotada a US$ 10,29 e chegou valer US$ 9 nas negociações pós-fechamento.

— Isso sugere um movimento de pânico e um possível circuit breaker (interrupção forçada do pregão devido a forte oscilação) na abertura do mercado brasileiro amanhã (hoje) — previu o analista Raphael Figueredo, da Clear Corretora. — Uma notícia como essa é sempre ruim para o mercado, mas, desta vez, será três vezes pior, porque a Bolsa vinha reagindo bem às reformas, à retomada econômica e à queda dos juros. É um balde de água fria sobre um mercado muito posicionado para a compra — completou.

 

MUDANÇA DE CENÁRIO PARA TAXA DE JUROS

Um economista de banco que preferiu não se identificar resumiu assim sua avaliação sobre o momento: “Esquece as reformas”.

— Só posso dizer que amanhã (hoje) a abertura (do mercado) vai ser um massacre — disse.

Desde o início do governo Temer, a aprovação de reformas como a da Previdência tem sido apontada pelo mercado como fundamental para a retomada da economia. Em tese, a agenda econômica permitiria o resgate da confiança de investidores, o que desencadearia um processo virtuoso, com retomada de emprego e crescimento econômico. Agora, todo esse processo está suspenso.

— Mais importante é que fica uma interrogação em relação à capacidade de aprovar a reforma da Previdência. Hoje, o grau de incerteza é tão grande, que a gente não consegue nem atribuir probabilidade a nenhum cenário aqui — avaliou Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.

Ela destaca ainda um efeito colateral: a suspensão da expectativa de queda de juros. Até agora, bancos vinham revisando para baixo as projeções para a taxa básica Selic, na expectativa de que a autoridade monetária acelerasse o processo de cortes. Com a mudança de cenário, esse processo também está ameaçado.

 

O globo, n.30600 , 18/05/2017. PAÍS, p. 10