O FUTURO - O QUE PODE ACONTECER COM TEMER AGORA

Mariana Sanches

Gustavo Schmitt

18/05/2017

 

 

Presidente pode enfrentar impeachment ou processo no Supremo: nos dois casos, Câmara precisaria autorizar

Se o afastamento de Temer for adiante, Rodrigo Maia assume e tem de convocar eleição indireta em prazo de 30 dias

Juristas ouvidos pelo GLOBO afirmaram que, mesmo diante das graves acusações que recaem sobre o presidente Michel Temer (PMDB) com a revelação da delação premiada do empresário Joesley Batista, ele só pode ser processado e julgado no Supremo Tribunal Federal caso dois terços da Câmara — 342 dos 513 deputados — aceitem a denúncia por infração penal contra Temer.

— O presidente jamais será afastado sem um ato da Câmara — afirma o jurista André Tavares, da Universidade de São Paulo.

Existem duas hipóteses que Michel Temer pode enfrentar daqui por diante: uma é a mesma por que já passaram dois de seus antecessores, um processo de impeachment no Congresso. O rito ainda está fresco na memória: se dois terços da Câmara aceitarem a abertura do processo de impeachment, e a maioria do Senado aceitar a continuidade do processo, o presidente é afastado.

A outra hipótese é considerada o caminho mais provável por especialistas, se o caso contra Temer vier a andar: um processo penal no STF. O presidente da República não pode ser processado por casos anteriores ao mandato, mas, nessa situação, Temer estava no exercício do cargo. Se a Procuradoria Geral da República considerar que há elementos suficientes contra o presidente, ela deve oferecer uma denúncia penal contra o presidente ao STF. O Supremo, então, teria de encaminhar o pedido à Câmara dos Deputados, que precisaria aprovar, pelos mesmos dois terços dos votos necessários para o impeachment, a continuidade da ação. Se o Supremo aceitar a denúncia, esse seria o momento em que Temer seria afastado.

Os especialistas afirmam que as revelações sugerem a possibilidade de que Temer seja responsabilizado criminalmente, tornando-se réu em uma ação no Supremo por corrupção, mas também enfrente um processo de impeachment por crime de responsabilidade, no caso a quebra de decoro representanda por negociações de malfeitos utilizando-se do cargo para tal. Se isto acontecer, o julgamento é político e fica a cargo do Senado Federal, em trâmite semelhante ao que a ex-presidente Dilma Rousseff enfrentou.

De acordo com o jurista Ives Gandra Martins, da USP, a se confirmar o teor das gravações reveladas por O GLOBO, uma investigação criminal contra o presidente Michel Temer será inevitável.

— O presidente pode ser processado por atos que não sejam estranhos ao exercício do mandato. Em tese, esse poderia ser um caso assim e permitira investigação — afirmou Gandra Martins.

Segundo o jurista, é preciso avaliar a validade das provas, que não podem ter sido forjadas.

Sérgio Salomão Shecaira, especialista em direito penal da Universidade de São Paulo, afasta a preocupação de Gandra Martins ao dizer que a participação da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República na obtenção das gravações que comprometem o presidente dão ainda mais força para a acusação, considerada muito grave.

— Uma coisa é você filmar sem autorização judicial, outra coisa é filmar, gravar com autorização judicial, dinheiro com chip para monitorar. Esse tipo de situação a gente não tem muito o que dizer. Monitorado não por um juiz de primeira instância, mas por um ministro de Supremo Tribunal Federal. Para que um ministro do STF autorize esse tipo de delação é porque havia suficiente indício de prática delitiva que autorizava aquilo — disse.

Para Janaína Paschoal, professora de direito da Universidade de São Paulo e autora do pedido de impeachment que levou à queda da presidente Dilma Rousseff, um pedido de impeachment para Temer seria “viável” agora, mas a via criminal, em que o julgamento se daria pelos ministros do STF, seria “mais rápida” para solucionar o caso:

— Cogitei com o Dr. Hélio Bicudo um novo pedido de impeachment, mas a ideia é não estender essa crise. Como isso vem à tona no bojo de uma delação, isso sugere que a investigação esteja bem avançada. Não tenho dúvida de que seria crime de responsabilidade, mas acredito que o Supremo dará uma resposta mais rápida — diz Janaína.

Caso Temer seja afastado, seu sucessor imediato será o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Confirmando-se a culpa do presidente, ele é definitivamente afastado do cargo, e a previsão constitucional é que sejam realizadas eleições indiretas — aquela em que os parlamentares escolhem o presidente — em um prazo de até 30 dias da saída do presidente. O mesmo vale caso Temer decida renunciar ao seu mandato.

Se a situação tivesse ocorrido antes que o mandato completasse dois anos, portanto, antes de dezembro de 2016, as eleições seriam automaticamente diretas, por voto popular, realizadas em noventa dias.

— Ninguém sabe como seria uma eleição indireta na prática. Primeiro porque não está claro quem poderiam ser os candidatos, segundo porque, a julgar pelo modo espúrio como os congressistas votaram até hoje, é de se imaginar que faltaria legitimidade para que eles definissem o próximo presidente. A saída talvez estivesse em o Congresso aprovar algum dos projetos de emenda constitucional que tramitam na casa pedindo eleições diretas imediatas — afirmou Tavares, da USP.

 

ELEIÇÕES DIRETAS

Uma proposta como essa, no entanto, precisaria ser aprovado em dois turnos por três quintos dos parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Shecaira defende uma solução ainda mais ampla: eleições diretas e gerais. Segundo o jurista, nem a oposição e nem a situação têm as condições éticas para eleger um novo presidente de forma indireta, como prevê a Constituição.

— A oposição ao governo Lula acabou. A oposição ao governo Temer acabou. A única solução são eleições gerais.

O globo, n.30600 , 18/05/2017. PAÍS, p. 11