Furacão Trump

Rennan Setti

Ana Paula Ribeiro

18/05/2017

 

 

Crise na Casa Branca derruba mercados globais, enfraquece o dólar e promove corrida ao ouro

O “namoro” do mercado financeiro global com Donald Trump enfrentou ontem um choque de realidade. Os apuros políticos do presidente americano, após revelação de que ele tentou extinguir investigações do FBI sobre a relação de um integrante de seu gabinete com a Rússia, provocou perdas em Bolsas de todo o mundo, incluindo a brasileira, deprimiu o dólar e moedas de países emergentes e espalhou volatilidade. Em Wall Street, os índices acionários tiveram o pior pregão em oito meses. Os agentes financeiros temem que a crise institucional de Trump — alguns parlamentares já falam na possibilidade de um processo de impeachment — inviabilize a aprovação de propostas simpáticas ao meio corporativo, como a redução da carga tributária das empresas e um plano de infraestrutura de US$ 1 trilhão.

O índice Dow Jones Industrial Average, principal índice acionário americano, recuou 1,78%, ou 372 pontos, maior queda desde setembro do ano passado. O azedume não poupou empresas de nenhum segmento, mas foi particularmente endereçado ao setor financeiro. Tombaram Goldman Sachs (-5,27%), JP Morgan (-3,81%), Apple (-3,36%), Boeing (-2,15%), 3M (-1,55%) e Microsoft (-2,78%).

 

APOSTA EM TÍTULOS E FREIO NOS JUROS

O S&P 500, mais amplo, registrou desvalorização de 1,82%. Dentro do S&P 500, o setor de bancos recuou 4%, puxado pelo comportamento das ações do Bank of America (5,9% de queda) e do JPMorgan. Nove dos 11 subsetores cobertos pelo S&P registraram perdas. As exceções foram os setores imobiliário e de serviços públicos, considerados defensivos pelos investidores. O Nasdaq, que concentra ações do setor de tecnologia, despencou 2,57%.

— Antes das eleições, os investidores esperavam que Trump representasse incerteza. O mercado agora está reconhecendo que parte dos temores que tinha em outubro está se concretizando — lembrou Michael O’Rourke, estrategistachefe da JonesTrading. — Já vimos a agenda de Trump se desviar dos seus objetivos e tentar voltar aos eixos em várias ocasiões. Agora, mais investidores estão percebendo que isso será mais difícil depois das acusações mais recentes.

Desde a eleição de Donald Trump, porém, o Dow Jones ainda acumula alta de 10,85%.

O VIX _ indicador de volatilidade que é conhecido como o “índice do medo” _ subiu ao maior nível desde 18 de abril. Em movimento típico de aversão a risco, os investidores correram para aplicações que são consideradas defensivas.

Os juros dos títulos do Tesouro americano ( Treasuries) com vencimento daqui a dez anos caíram de 2,32% para 2,22% (quanto maior a procura, menor é a taxa paga). O declínio de ontem foi o mais intenso desde junho de 2016.

E no mercado de ouro, considerado um porto seguro pelos agentes financeiros, o contrato futuro avançou pelo quinto dia, a maior sequência em um mês, subindo 1,8%. No ano, a alta é de 8,7%.

— Trump está enfrentando provavelmente seu momento mais difícil no cargo, e os investidores estão se questionando se há chance para qualquer possibilidade de impeachment se tornar uma realidade, porque isso atingiria em cheio a confiança — observou Naeem Aslam, analista-chefe de mercado do Think Markets UK, em Londres.

O mau humor atingiu mercados de todo o mundo. No Brasil, a B3 (antiga Bovespa) interrompeu uma sequência de seis altas e caiu 1,67%, aos 67.540 pontos. O índice de referência da Europa, o Stoxx Europe 600, caiu 1,2%, a maior queda desde setembro. O índice havia acumulado valorização de 21% desde novembro, em grande parte por causa da expectativa com relação aos planos econômicos de Trump.

Em Paris, o índice CAC 40 caiu 1,63%; em Frankfurt, o DAX recuou 1,35%; em Londres, o FTSE 100 teve desempenho melhor mas também encerrou com perdas, de 0,25%; o Ibex 35, de Madri, caiu 1,79%.

O dólar também costuma ser considerado um porto seguro, mas as dificuldades políticas de Trump tendem a influenciar sua força. O índice Dollar Spot, que mede o comportamento da moeda americana frente a uma cesta de dez divisas, caiu 0,50%. Assim, o dólar devolveu os ganhos que acumulou desde a eleição de Trump, em 9 de novembro.

A moeda subia porque os investidores interpretavam que as políticas pró-crescimento propostas por Trump tornariam necessária uma elevação mais intensa dos juros do país, o que fortaleceria a moeda. Com essa agenda ameaçada, a divisa perde fôlego.

— Sua capacidade de agir como um presidente e fazer o que prometeu foi substancialmente comprometida, e é isso que explica o enfraquecimento do dólar — disse Ole Hansen, chefe de estratégia no Saxo Bank, em Copenhaguem. Para os investidores, a probabilidade de o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) subir os juros no próximo mês está agora em 60%, contra 80% nas estimativas da semana passada. Também caíram as chances, segundo as apostas do mercado, de uma alta da taxa em setembro.

— Os mercados estão, com razão, preocupados com a possibilidade de essa turbulência frear o movimento da agenda do governo — disse Joe Watkins, ex-conselheiro do George W. Bush. — Enquanto a Casa Branca não conseguir esclarecer a situação, esse será o tema na imprensa e suas propostas ficarão paradas.

Mas se os investidores correram para moedas fortes, como o iene, o euro e o franco suíço, eles se desfizeram de divisas emergentes como o real. Interrompendo sequência de seis quedas, o dólar comercial subiu ontem 1,19%, a R$ 3,134. O real foi a moeda que mais perdeu valor frente ao dólar ontem, seguida pelo rand sul-africano (-1,07%), o rublo russo (-0,90%), a lira turca (-0,81%) e o peso mexicano (-0,74%).

Raphael Figueredo, analista da Clear Corretora, explicou que, em um cenário de maior volatilidade, os países emergentes acabam sendo mais afetados.

— O problema político nos EUA acaba gerando um aumento do risco global, sobretudo para os emergentes. Os investidores também tiram proveito desse motivo, que é forte, para fazer uma correção nos preços — avaliou.

Em meio a esse cenário, a avaliação de risco do Brasil também sobe. O CDS (Credit Default Swap, espécie de seguro contra calote da dívida soberana) registrou a primeira alta ontem após seis altas seguidas, a 201,68 pontos.

 

NO BRASIL, CAÍRAM 56 DAS 59 AÇÕES PRINCIPAIS

No Ibovespa, que reúne os papéis mais negociados da Bolsa brasileira, 56 das 59 ações que compõem o índice fecharam em queda. As preferenciais (PNs, sem direito a voto) da Petrobras caíram 0,57%, cotadas a R$ 15,61, e as ordinárias (ONs, com direito a voto) registraram desvalorização de 0,56%, a R$ 16,10, apesar da alta do petróleo no mercado internacional — o do tipo Brent subiu 0,95%, a US$ 52,14 o barril.

Na Vale, as PNs caíram 1,93% (R$ 25,44) e as ONs, 1,54% (R$ 26,84). Também houve recuo no setor bancário, o que tem o maior peso na composição do Ibovespa. As preferenciais do Itaú Unibanco e do Bradesco recuaram, respectivamente, 2,04% e 1,97%. As ações do Banco do Brasil tiveram queda de 2,71%.

Trump é acusado de obstrução de Justiça por ter, segundo um memorando, pedido que o exdiretor do FBI, James Comey, encerrasse a investigação sobre o seu ex-conselheiro de Segurança Nacional, Michael Flynn. Mais tarde, Trump demitiu Comey, em mais uma decisão polêmica, que levantou uma série de questionamentos, sobretudo, de democratas. Além disso, fontes disseram à imprensa americana que Trump compartilhou informações confidenciais em reunião com diplomatas russos.

Um pequeno mas crescente número de parlamentares republicanos, do partido de Trump, pediu ontem a realização de um inquérito independente. Um desses parlamentares chegou a citar a possibilidade de impeachment.

— Se ele estará ocupado se defendendo, e caso essa história se arraste por mais tempo, qualquer esperança de que sua agenda legislativa se concretize será bastante reduzida — afirmou John Stopford, chefe de renda fixa na Investec Asset Management, em Londres. — Claramente, é algo negativo. Agora, o que acontece é o movimento clássico de alta dos juros dos Treasuries e venda de dólares.

 

O globo, n.30600 , 18/05/2017. Economia, p. 23