PF indicia 63 suspeitos da Carne Fraca

Ricardo Brandt / Julia Affonso / Luiz Vassallo / Fausto Macedo

17/04/2017

 

 

Funcionários públicos, empresários e executivos de frigoríficos estão entre os alvos; BRF e JBS dizem terem tomado medidas cabíveis

 

 

 

A Polícia Federal indiciou, no sábado, 63 alvos da Operação Carne Fraca por crimes de corrupção, concussão, prevaricação, formação de organização criminosa e crime contra a saúde pública. Os alvos são funcionários do Ministério da Agricultura no Paraná e em Goiás, donos de empresas de alimentos processados e executivos, entre eles nomes da JBS e da BRF.

O relatório parcial do caso foi entregue pelo delegado Maurício Grillo Moscardi para o juiz federal Marcos Josegrei da Silva.

Comandada por três delegados da PF em Curitiba, a equipe da Carne Fraca – deflagrada em março em sete Estados – apontou esquema criminoso de indicações políticas, para cargos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que tinha como contrapartida a obrigação de arrecadar propinas para partidos como PMDB, PP e PDT com empresários do setor de carnes.

Foram entregues ao juiz as análises de alimentos feitas pelo Ministério da Agricultura, nas 21 empresas alvos da Carne Fraca, que apontam adulteração em produtos, bem como os grampos que revelam tratativas dos empresários com fiscais para liberar cargas de produtos enviados ao exterior.

De acordo com o delegado, “as investigações demonstraram a existência de uma verdadeira organização criminosa atuante no Mapa/PR, composta por servidores do órgão e empresários sob fiscalização”.

Os policiais trabalham na conclusão do cruzamento de dados das quebras de sigilos bancários e fiscais dos investigados e dos 13 mil grampos telefônicos feitos em 2016. São 195 malotes de documentos, agendas e anotações que estão sob análise.

Por isso, o relatório ainda é parcial e será aumentado.

“As interceptações telefônicas, diligências de campo e laudos periciais evidenciam atos de corrupção e concussão, bem como a associação entre diversas pessoas para atender interesses específicos, tanto das empresas – facilitação em fiscalizações, substituição de fiscais indesejados, agilidade em procedimentos, aprovação de práticas irregulares, assinatura de certificados de remessas de cargas nacionais e internacionais sem a presença do Fiscal, etc – quanto dos servidores, tanto no recebimento de valores como na manutenção em determinados postos estratégicos ou ascensão a cargos superiores.”

 

Líder. Segundo o delegado, a “organização criminosa é liderada por Daniel Gonçalves Filho, que foi superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná”. Ele tem como braço direito Maria do Rocio Nascimento, “importante contato dos empresários corruptos para realização de atos de interesse das empresas”, diz a PF.

“Diante de todo o exposto, da clara divisão de tarefas para o cometimento de crimes, do fim no lucro ou vantagens especiais (cargos e posições) que também remetem a lucro, da infiltração no Poder Público, da hierarquia estrutural, do alcance regional e nacional, todas características específicas do conceito de organização criminosa e presentes no caso analisado, considerando que Daniel Gonçalves, Maria do Rocio e Gil Bueno, da parte dos servidores públicos corruptos e, de outro lado, Flavio Evers Cassou e Roney Nogueira, da parte das empresas corruptoras, formam o topo da cadeia de comando da referida organização criminosa”, afirma o delegado. Cassou e Nogueira são os homens da JBS e da BRF entre os indiciados da Operação Carne Fraca.

A PF apontou que “Roney Nogueira dos Santos, diretor de Relações Institucionais da BRF, permitiu detectar que o modo de atuação da empresa no Paraná era repetido em pelo menos mais dois Estados da Federação, Goiás e Minas Gerais”.

“Em Goiás, constatou-se, além de diversas irregularidades em plantas da empresa no Estado – como a presença de salmonela em produtos alimentícios – a relação espúria com servidores públicos federais. Tal relação ficou evidente nos diálogos reproduzidos ao longo deste documento, principalmente tendo Roney e André Luiz Baldisserra, diretor da BRF para o Centro-Oeste, à frente das negociações.” O delegado afirmou que ficou “claro que a BRF prometeu apoio financeiro para partido político responsável pela indicação de cargos no Mapa, em situação comandada por Dinis Lourenço da Silva, então chefe do Sipoa/Mapa/GO.” O juiz federal Marcos Josegrei abriu prazo para o Ministério Público Federal se manifestar sobre o caso. A JBS informou que “opera de acordo com a legislação e mantém rígidos processos para garantir a qualidade dos seus produtos” e que “não compactua com qualquer desvio de conduta de seus funcionários e tomará as medidas cabíveis”. A BRF disse que “não compactua com práticas ilícitas e refuta qualquer insinuação em contrário” e que, “ao ser informada da operação da PF, a companhia tomou as medidas necessárias para a apuração dos fatos.”

 

Procurados. PF apontou um esquema criminoso de indicações políticas para cargos públicos no no Ministério da Agricultura

 

Relatório

195 são os malotes com documentos que estão sob análise da polícia, além de 13 mil grampos telefônicos; o relatório da PF ainda é parcial e deverá ser ampliado

 

Promessa

“A BRF prometeu apoio financeiro para partido político responsável pela indicação de cargos no Mapa.”

Maurício Grillo Moscardi

DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45107, 17/04/2017. Economia, p. B5.