Valor econômico, v. 17, n. 4238, 19/04/2017. Especial - Reforma da previdência, p. F1

Equilíbrio distante

 

Adriana Carvalho
Roseli Loturco

 

Em meio à abertura de 76 inquéritos da Lava-Jato, governo e Congresso correm para aprovar a reforma da Previdência até o final do primeiro semestre.

Mesmo diante do cenário político conturbado e alvo de críticas de entidades ligadas à sociedade civil, o presidente da comissão que discute a reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, Carlos Marun (PMDB-MS), disse ter passado do otimismo ao entusiasmo sobre a aprovação do novo texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, que deve ser apresentado hoje ao Congresso Nacional.

Defensor da idade mínima de 65 anos e da igualdade entre homens e mulheres para a aposentadoria, Marun fez coro ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de que há hoje um incentivo à aposentadoria precoce, mas admitiu que ajustes finais no texto podem reduzir a idade mínima para mulheres para 62 anos.

A discussão ganhou atenção extra do presidente Michel Temer e de membros do Congresso após a divulgação da lista de abertura de inquérito do ministro e relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin. A lista, que envolve investigados com foro privilegiado, inclui oito ministros, 39 deputados, 24 senadores, e na qual são citados 12 governadores, fez com que o governo corresse para impor uma agenda que considera positiva para acerto das contas públicas.

Meirelles disse que pedirá esforço extra do Congresso, inclusive para adiar o recesso parlamentar do meio do ano, para que a reforma seja aprovada ainda no primeiro semestre. "Existe este compromisso das lideranças do Senado e da Câmara, de ministros e do presidente. Com o relatório apresentado, após sua leitura, a votação tem que ser prioritária e aprovada o mais rápido possível", diz o ministro. A discussão foi o tema central do seminário "Os Caminhos da reforma da Previdência", promovido pelo Valor, em Brasília, na véspera da apresentação do relatório na Câmara.

A evolução dos gastos primários do governo central, tendo o avanço do déficit da Previdência como elemento chave, foi o principal argumento do grupo de palestrantes que defende a urgência na alteração do modelo de seguridade social no país.

Em 1991, o gasto primário representava 10,8% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, saltando para 13,6% em 1994 e para 19,7% em 2016.

O avanço do déficit da Previdência Rural é apontado como o mais dramático, na visão de Meirelles e Armando Castelar Pinheiro, coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) do Rio de Janeiro. Em 2002, a Previdência Rural era deficitária em R$ 16,7 bilhões e a urbana, em R$ 2,3 bilhões.

Em 2016, enquanto a rural estava negativa em R$ 103,4 bilhões, a urbana foi para R$ 46,3 bilhões. Já a seguridade social como um todo, que inclui ainda o pagamento de pensões, dentre outros benefícios, atingiu déficit de R$ 258,7 bilhões no ano passado, comparado a R$ 27,2 bilhões em 2003. "A reforma não é uma questão de preferência. É uma questão matemática, financeira e fiscal. Se não fizermos a reforma, faltará verba para financiar consumo e investimentos, o desemprego e a inflação vão voltar a crescer e os juros vão subir fortemente", disse Castelar.

Usando mais uma vez o exemplo da Grécia, em primeiro lugar, e dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em segundo, o Meirelles indicou casos do que não deve e do que deveria servir de modelo para o Brasil.

A Grécia, tida como o mau exemplo, "resistiu, quebrou e teve que fazer um ajuste ainda mais duro exigido pelos países da União Europeia".

"Há muitos Estados brasileiros que também podem ter previdência insolvente, como ocorreu na Grécia", afirma Meirelles, que lembra da rejeição popular que o país sofreu à época, inclusive convocando novas eleições. Mesmo assim, teve que ceder. Já outros países da OCDE cortaram benefícios da aposentadoria para não passar por esse drama. "Ou seja, o Brasil está na hora de fazer o seu ajuste", disse Meirelles.

Para o economista e especialista em contas públicas Raul Velloso, se o governo quiser um resultado mais imediato deveria mexer de cara com a aposentadoria diferenciada dos servidores públicos igualando-a aos da iniciativa privada. E, na sequência, discutir a reforma das regras com efeitos mais longos. "Mesmo com a aprovação da reforma que foi ao Congresso, não sei se ela permitirá conciliar com o teto dos gastos e enfrentar a reação da população, que virá, enquanto houver regime elevado de privilégio para os servidores, que não está sendo tocado", alerta Velloso.

Mas, comparativamente aos países da OCDE, a medida usada tanto por Meirelles quanto por Castelar foi a relação percentual de gastos com previdência em relação ao PIB desses países: de 8,1% no Brasil, similar aos níveis da França e da Alemanha e acima do Japão. O problema, para eles, é que o Brasil é um país ainda de população bem mais jovem do que os exemplos usados, e as projeções mostram que esse percentual de gastos em relação ao PIB deve chegar em 17,2% em 2060.

Nessa linha, Castelar enfatiza que não só o aumento da expectativa de vida do brasileiro justifica estabelecer os 65 anos como idade mínima, mas também a velocidade com que esse envelhecimento está acontecendo.

Ele cita dados do Banco Mundial que mostram que a porcentagem de brasileiros com 60 anos ou mais cresceu dois pontos percentuais em quarenta anos, saltando de 8% em 1960 para 10% nos anos 2000. Nos dezesseis anos seguintes, outros dois pontos e meio foram acrescentados, chegando a 12,5% em 2016.

A projeção do órgão é de que em 2044 o Brasil tenha mais de 26,2% da população nessa faixa etária, nível semelhante ao que a Europa tem hoje. "Se considerarmos o período entre 2011 e 2032, o Brasil deve levar 20 anos para elevar a proporção da população com mais de 60 anos dos 7% aos 14%, coisa que na França, por exemplo, demorou mais de cem anos para acontecer", afirmou.

Para lidar de forma sustentável com a "boa notícia de que o brasileiro está vivendo mais", segundo Castelar, é preciso que o sistema contemple regras de reposição parcial de renda, o fim dos regimes de aposentadoria por tempo de contribuição, fim ou limite do acúmulo de pensão e aposentadoria, equiparação dos regimes de servidores públicos aos dos trabalhadores da iniciativa privada e igualdade de idade mínima entre gêneros para obter o benefício.

Esse último item é um dos que têm gerado mais protestos e polêmicas. Tanto que, após receber a bancada parlamentar feminina na segunda-feira, o presidente Michel Temer declarou que o governo pode ceder e rever a idade mínima para mulheres.

"A igualdade de gêneros para aposentadoria é uma tendência mundial. Na América Latina, 72% dos países adotam esse critério. Na Europa Ocidental, chega a 82%", argumentou o coordenador do Ibre-FGV com base em dados compilados pelo coordenador de previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rogério Nagamine Costanzi.

Se em muitos países a idade mínima de aposentadoria entre homens e mulher é igual, o mesmo acontece com a taxa de reposição dos benefícios. No Brasil, porém, segundo dados da OCDE, a diferença é gritante: eles recebem 76% do que ganhavam na ativa e elas, 58%. "As mulheres têm um desconto maior do fator previdenciário porque se aposentam mais cedo. Mas mesmo o fator tem regras favoráveis no balanço contribuição versus benefício: soma cinco anos de contribuição no cálculo e a tábua de mortalidade é média para ambos os sexos, o que favorece a mulher", explicou Nagamine.

Segundo ele, a PEC muda a regra de cálculo, mas acaba com o fator previdenciário de vez. "A proporção de 76% de reposição é maior que a média de quem costuma sofrer o fator. A PEC reduziria a reposição para quem sai pela regra 85/95, mas mostra ganho em relação ao fator", disse o coordenador do Ipea, lembrando que para quem ganha salário mínimo, a reposição continua 100%, mesmo com 25 anos de contribuição.

"Em função desses dois pontos é possível que a taxa de reposição não mude tanto se a reforma for feita. Mas o mais importante é que isto garantiria reposição maior para quem ganha menos e menor para quem ganha mais, como acho que tem que ser", avaliou.

Já para Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), as estatísticas não consideram a realidade por região e precisam ser avaliadas com cuidado na proposta da reforma. "Por mais que digam que os números mostrem expectativa de vida média de 75 anos, para homens, em vários Estados, ela não passa dos 64. No Nordeste, os homens não vão se aposentar."