Na saúde, apenas a 'ponta do iceberg' da corrupção foi revelada

Fernanda Krakovics e Juliana Castro 

17/05/2017

 

 

Ao apresentarem denúncia contra o ex-governador Sérgio Cabral pelo esquema de desvios do dinheiro da saúde no Rio, que o tornou réu pela oitava vez em menos de um ano, os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato no estado afirmaram que o rombo descoberto até agora representa apenas “a ponta do iceberg" da corrupção no setor. Além de Cabral, o ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes e outras cinco pessoas foram denunciadas ontem.

De acordo com a investigação, Cabral cobrava 5% de propina sobre todos os contratos firmados pelo estado — sistema que se ramificou na Secretaria de Saúde, segundo o MPF. A organização criminosa era chefiada pelo ex-governador e operada por Côrtes e pelo subsecretário da pasta, César Romero, de acordo com o MPF. Os dois direcionavam licitações de serviços e equipamentos médicos ao cartel organizado pelos empresários Miguel Iskin e Gustavo Estellita, sócios nas empresas Oscar Iskin Ltda e Sheriff Serviços e Participações, que negam irregularidades.

César Romero, Carlos Miranda e Carlos Bezerra, apontados como operadores de Cabral, e Miguel Iskin e Gustavo Estellita também vão responder criminalmente pelas irregularidades cometidas na Secretaria de Saúde, entre 2007 e 2014. Eles são acusados de desviar até R$ 300 milhões em contratos fraudados da Secretaria de Saúde e do Instituto Nacional de Traumatologia (Into).

— Essa denúncia engloba 35 repasses mensais de propinas pelos empresários, levantadas através da contabilidade paralela na residência do Carlos Bezerra. Esses aportes eram de R$ 400 a R$ 500 mil por mês, somando em torno de R$ 16 milhões. A gente sabe que essa quantia é maior. Essa denúncia de hoje é só a ponta do iceberg da corrupção na saúde no Estado do Rio — disse o procurador regional da República José Augusto Vagos.

A força-tarefa da Lava-Jato no Rio aposta na cooperação internacional com os Estados Unidos, as Ilhas Virgens Britânicas e as Bahamas para rastrear o dinheiro de propina recebido pelo empresário Miguel Iskin no exterior e depois distribuído para outros integrantes da organização criminosa.

— As investigações estão caminhando para valores muito maiores. Só de importações, a Secretaria de Saúde fechou contratos de US$ 277 milhões nesse período. Está sendo descortinado que o Miguel Iskin ganhava de 30% a 40% desses valores no exterior e depois fazia a distribuição desse sobrepreço, da propina, tanto para o Sérgio Cabral quanto para outras pessoas que ainda não estão denunciadas, mas que fatalmente vão cair nas investigações, tanto da parte administrativa do Into até agentes públicos em Brasília, no Ministério da Saúde — disse a procuradora da República Marisa Ferrari.

Segundo Vagos, o desvio de dinheiro na secretaria de Saúde foi instituído quando Cabral tomou posse como governador, em 2007. Ainda de acordo com o procurador, Sérgio Côrtes teria sido nomeado secretário já com o objetivo de transferir para lá o esquema de corrupção que havia no Into, do qual era diretor.

Em depoimento à Justiça Federal, Sérgio Cabral reconheceu somente a movimentação de recursos de caixa dois de campanha. Cabral e Cortês afirmam que só vão se manifestar nos autos do processo.

PARA NÃO PERDER A CONTA...

CALICUTE: Em dezembro de 2016, Cabral tornou-se réu pela primeira vez. Ele é acusado, junto com outras 12 pessoas, inclusive a ex-primeira-dama Adriana Ancelmo, de receber R$ 224 milhões por desvios em contratos do governo do estado desde 2007.

COMPERJ: O juiz federal Sergio Moro aceitou denúncia que aponta o ex-governador como beneficiário de R$ 2,7 milhões de propina da empreiteira Andrade Gutierrez, relacionada a desvios na obra do Comperj.

EIKE BATISTA. O peemedebista virou réu pela terceira vez em fevereiro, depois da operação Eficiência que levou Eike Batista para a cadeia. Cabral é acusado de receber US$ 16,5 milhões do empresário.

MILHÕES NO EXTERIOR. Acusado de usar diamentes, barras de ouro e contas no exterior para ocultar dinheiro de propina, se tornou réu pela quarta vez. O valor levado para fora do país somaria R$ 317,8 milhões.

CARROS DE LUXO. A quinta denúncia aceita trata da ocultação de R$ 10,1 milhões, por meio da aquisição de carros de luxo e de imóveis no Rio e em Búzios.

ANDORRA. O sexto processo aponta que o ex-governador recebeu US$ 3 milhões da Odebrecht em um banco de Andorra. A denúncia é fruto da operação Eficiência. O ex-governador responde por corrupção e evasão de divisas.

MARACANÃ. O ex-governador é réu em ação que apura desvio de dinheiro da reforma do estádio do Maracanã e do PAC das Favelas.

FATURA EXPOSTA. Cabral responde por desvios de ao menos R$ 300 milhões na Secretaria de Saúde e no Instituto de Traumatologia e Ortopedia (Into). A fraude envolvia a importação de material hospitalar.

 

O globo, n. 30599, 17/05/2017. País, p. 6