AO MENOS UMA BOA NOTÍCIA

George Vidor

29/05/2017

 

 

Areação dos mercados surpreendeu diante da crise política envolvendo Michel Temer, pois o câmbio se estabilizou rapidamente e muitas ações subiram. Os fundos estrangeiros especulativos aproveitaram as brechas para comprar barato ações e títulos de renda fixa. Em três dias, os investidores que apostaram em solução para a crise ganharam mais que 10%. Ainda bem que a maioria das instituições financeiras conta com departamentos que orientam consultores de investimentos e esses, por sua vez, conseguiram passar para os clientes a mensagem de que o melhor era não fazer nada naquele momento. Quem não se precipitou, não teve prejuízo.

As instituições — o Congresso e o STF, especialmente — deram demonstrações claras que a crise política terá um desfecho que não deverá afetar os rumos da economia. As reformas estão sendo discutidas, pois são questões que não tratam deste ou daquele governo. A equipe econômica está trabalhando nos moldes daquele gabinete de “salvação nacional” formado no último ano do governo Collor. O processo de impeachment estava em andamento, mas o gabinete ia tocando o barco.

A economia brasileira está hoje menos frágil do que nos tempos de Collor ou de Dilma. A inflação recuou para um patamar que permite ao Banco Central manter o ritmo de corte nas taxas básicas de juros. Uma redução de um ponto percentual é esperada para esta semana, na reunião que o Comitê de Política Monetária (Copom) terá na quarta-feira, e a taxa Selic deve cair para 10,25% ao ano. Um nível ainda muito elevado; porém, é consenso entre os principais analistas de mercado que já no início do segundo semestre a economia brasileira contará com juros básicos de um dígito (menos de 10%).

Com isso, abre-se um enorme espaço para renegociação de dívidas com os bancos. Com a corda no pescoço, muitas empresas e pessoas tiveram de aceitar juros absurdos para obter ou renovar financiamentos. Esses juros já não se justificam porque os bancos — que são intermediários — estão captando recursos junto à clientela a custos cada vez mais baixos. Assim, podem perfeitamente amenizar as condições dos devedores, pois também sairão lucrando com isso. Se as dívidas são quitadas em dia, diminuindo a chamada taxa de inadimplência, os bancos podem simultaneamente reduzir suas provisões para devedores duvidosos. São valores que revertem de imediato para seus lucros, que podem ser distribuídos aos acionistas como dividendos ou incorporados ao capital social.

As operações das instituições financeiras estão vinculadas ao tamanho do patrimônio líquido (capital e reservas). Quando se capitalizam, os bancos ampliam seus negócios, e, portanto, podem ter mais lucros. Em resumo, a queda das taxas de juros favorece a todos, inclusive aos banqueiros, no atual contexto.

 

Distrato

Como a vida tem de continuar, as entidades ligadas à construção civil e à administração de imóveis estão discutindo com o Congresso propostas que visam a evitar a repetição de problemas que resultaram do estouro da “bolha” do mercado imobiliário nos últimos anos. Não existe hoje uma legislação que regule, por exemplo, a devolução de casas, apartamentos ou lotes adquiridos antes das construções propriamente ditas, quase sempre com financiamentos dos próprios incorporadores. Geralmente nos contratos são estabelecidas regras para a devolução de parte do valor amortizado pelo adquirente do imóvel, mas no momento do distrato acaba havendo um conflito entre as partes. Sem uma legislação específica, fica a critério de cada juiz definir os percentuais e as condições para a devolução, pois a jurisprudência é difusa e não permite clara interpretação do que precisa ser feito.

Com a queda das taxas básicas de juros, o mercado imobiliário pouco a pouco tende a se recuperar. O número de lançamentos no primeiro trimestre superou o de mesmo período do ano passado. O mercado de locação para residências também se ajustou, em patamares bem mais baixos, obviamente. Assim, antes que as coisas voltem à normalidade, é preferível que se preencha esse vácuo na legislação, e as regras do distrato acabem sendo definidas por lei, de modo que nem os empreendedores nem aqueles que, por algum motivo, percam a capacidade de pagamento, saiam mais prejudicados no distrato.

 

Na ponta do lápis

Diante da crise que abalou as finanças públicas em todo o país, a prefeitura de Niterói adotou uma estratégia que vem dando certo: semanalmente avalia suas contas em uma reunião com os secretários de Fazenda, Planejamento e Administração. Somente a partir daí novas despesas são autorizadas. Já está mais que provado que fazer gastos e depois sair atrás do dinheiro para cobrilas não funciona, nem na administração pública, nem nas empresas ou nas famílias.


O globo, n.30611 , 29/05/2017. Economia, p.18