As missões do ministro 
Renata Mariz e Eduardo Barretto 
01/06/2017
 
 
Ao assumir a Justiça, Torquato Jardim não descarta mudar PF, mas diz apoiar a Lava-Jato

-BRASÍLIA- Nomeado por Michel Temer no momento em que as investigações da Lava-Jato avançam contra o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal autorizou a Polícia Federal a interrogar o presidente, o novo ministro da Justiça, Torquato Jardim, não descartou fazer mudanças na PF.

Em uma cerimônia esvaziada no Palácio do Planalto —algo pouco usual para a posse de um ministro da Justiça—, com poucos congressistas e marcada pela ausência da maioria dos principais nomes do PSDB, Torquato teve de responder a perguntas insistentes sobre uma possível interferência nos rumos da Operação Lava-Jato.

Ele afirmou que vai conversar com o atual diretor-geral da PF, Leandro Daiello, em viagem que farão juntos amanhã, e com associações de servidores da instituição antes de decidir sobre substituições. Torquato assinalou, entretanto, que as investigações da Lava-Jato não sofrerão interferência.

— O Brasil é institucional. Não é caudilhesco, nem personalista. Seja quem for na PF, a investigação continuará. Não depende de pessoas, é institucional.

O ministro chegou a cogitar um prazo de três meses para fazer mudanças no ministério, incluindo na PF, mas depois tergiversou sobre data para as alterações. Na primeira entrevista após tomar posse, Torquato, o terceiro ministro da Justiça em um ano de governo Temer, respondeu em tom jocoso a algumas perguntas. Disse, por exemplo, que sua experiência em Segurança Pública, uma das bandeiras da pasta, restringe-se a assaltos sofridos:

— Minha experiência na Segurança Pública foi ter duas tias e eu próprio assaltados em Brasília e no Rio. A pasta é muito grande. Ninguém chega lá conhecendo tudo.

Torquato negou que tenha sido escolhido para o cargo para usar o bom trânsito que tem no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde será retomado, no próximo dia 6, o julgamento da chapa Dilma-Temer, para beneficiar o presidente. Mesmo tendo sido ministro por oito anos daquela Corte, ele disse que não cabe atuação nesse sentido enquanto estiver na Justiça.

— Não me cabe entregar memoriais, essa função constitucional é da AGU, dos advogados das partes. Não é minha — respondeu o novo ministro, na entrevista.

Torquato ironizou as informações de que a escolha de seu nome tenha a ver com supostas influências no Supremo Tribunal Federal, onde o presidente Michel Temer é investigado.

— Sinceramente, se eu tivesse todo aquele prestígio que a imprensa me atribuiu nos tribunais superiores, não teria subido ao Ministério da Justiça, montava um escritório de advocacia — disse, acrescentando: — Se tivesse toda essa influência no TSE e quisesse praticar um ato nas sombras, eu continuaria no Ministério da Transparência, e não estaria na Justiça.

Na entrevista, ele evitou cravar posições sobre temas atuais, e, quando o fez, ressaltou que falava como “advogado” e “cidadão”. Sobre foro privilegiado, disse ser favorável a que políticos sejam julgados na primeira instância. Em relação a prisões provisórias longas na Lava-Jato, que já foi alvo de críticas do hoje ministro, Torquato defendeu que sejam bem fundamentadas para não invalidar investigações.

Em entrevista Jornal Nacional, Torquato disse ontem não ver motivo para a investigação contra Temer. Segundo ele, há muita “especulação” e notícias falsas.

“CONVOCAÇÃO” FEITA PELO PRESIDENTE

O ministro desconversou sobre o motivo de ter sido anunciado por Temer em pleno domingo, sem que o antecessor na pasta, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) — que não foi à posse de seu sucessor —, tenha sido consultado. E jogou para o presidente a tarefa de explicar como se deram as tratativas em torno do nome dele:

— Ele falou que tinha nova missão, não era convite, era convocação. (…) Aceitei a convocação, sou disciplinado. Quanto tempo levou isso (escolha do nome), não sei. Não posso dizer se foi rápido ou não.

Torquato se disse pronto para eventuais conflitos, ressaltando que aceitou rapidamente o convite de Temer para assumir a Justiça.

— Se não gostasse de conflito, seria pescador na Amazônia. Ninguém me veria jamais — brincou.

 

O globo, n. 30614, 01/06/2017. País, p. 3