-SÃO PAULO- O interlocutor identificado como “Moreno” em conversa com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) que, segundo o Ministério Público, recebeu instruções do tucano para tentar interferir no recall (renegociação) do acordo da Andrade Gutierrez com a Lava-Jato, é Eduardo Wanderley, amigo próximo de Aécio e empresário da construção civil em Belo Horizonte. A identidade do interlocutor era um mistério para a Lava-Jato, que citou a conversa no novo pedido de prisão contra o político mineiro levado ao Supremo Tribunal Federal (STF).
MOTO SERIA PRETEXTO, DIZ PGR
Em conversa registrada em 29 de abril, Aécio pede a Wanderley que observe a edição do dia do jornal “O Estado de S. Paulo”, que trazia informações sobre a decisão de executivos da Andrade Gutierrez de se antecipar e procurar a LavaJato para falar sobre pagamento de propina na Usina de Santo Antônio, informação que tinha acabado de se tornar pública. A obra envolve pagamentos para Aécio, segundo outra colaboradora, a Odebrecht.
“Eu tô sem nenhuma, sabe, informação que, que por conta daquelas coisas, daqueles malucos lá, sabe?”, diz Aécio ao amigo, em conversa onde, para a Polícia Federal (PF) e o MPF, o tucano finge falar sobre um passeio de moto, um dos hobbies preferidos do senador, praticado com seu grupo mais restrito de amigos. “Aqueles motoqueiros malucos que falaram qualquer coisa. Em vez de chamar, eles resolveram se antecipar, sabe?”, afirma o tucano a Wanderley, que responde: “Eu falo com ele. Ele está por aqui. Eu falei com ele ontem”.
“Pelo diálogo com o interlocutor chamado Moreno, resta claro que o senador busca apoio para obter informações sobre o conteúdo dessas colaborações, visando, evidentemente, evitar que os fatos na sua extensão devida sejam trazidos ao conhecimento do MPF”, escreveu o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no novo pedido de prisão de Aécio enviado ao STF.
Eduardo Wanderley é dono da WanMix, empresa que forneceu concreto na obra mais cara dos 12 anos de gestão do PSDB no governo de Minas, a Cidade Administrativa, que custou R$ 2,1 bilhões. Também forneceu concreto na construção de usinas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte. É sobrinho de Saulo Wanderley, dono da Cowan, uma das mais tradicionais construtoras mineiras. Despacha também na empresa Conserva de Estradas Ltda., executora de contratos de cobertura asfáltica na gestão de Aécio.
Wanderley é integrante do grupo mais íntimo do tucano, onde todos se chamam pelo apelido “Moreno”. Outro amigo do mesmo grupo é o empresário carioca Alexandre Accioly, que chegou a ser confundido com Wanderley em relatório da PF, por também ser tratado pelo apelido. A PF captou conversas triviais de Wanderley com outro investigado: Frederico Pacheco, preso acusado de transportar R$ 2 milhões pagos pela JBS a Aécio. Wanderley também apareceu em colunas sociais jantando com o tucano em Minas na véspera de atos anticorrupção, em 2015.
O GLOBO perguntou ao tucano, por meio de sua assessoria, o que ele gostaria que o amigo lesse na edição de “O Estado de S. Paulo” daquele dia, mas ele preferiu não responder. Informou que “trata-se de conversas particulares que não têm qualquer relação com o objeto da investigação”. Segundo ele, “sendo de teor privado, não há o que comentar”.
Depois do contato do GLOBO, a defesa de Aécio protocolou petição no STF em que confirma ser Eduardo Wanderley o interlocutor nas conversas e anexou imagens de viagens de moto realizadas em sua companhia, em 2006. Para a defesa, a conclusão de que Aécio tentava interferir na delação da Andrade “é fruto de puro achismo ministerial”. Localizado por telefone, Wanderley preferiu o silêncio. A Andrade Gutierrez informou não ter “ciência do teor das conversas citadas" e argumentou que “segue colaborando com as investigações”, reforçando “o compromisso de esclarecer e corrigir fatos irregulares ocorridos no passado”.
O globo, n. 30614, 01/06/2017. País, p. 6