Cautela nos juros 
Gabriela Valente 
01/06/2017
 
 
Citando aumento da incerteza, Copom reduz Selic em 1 ponto e sinaliza cortes menores

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- Como ninguém sabe ao certo como o recrudescimento da crise política brasileira impactará a economia, o Banco Central (BC) resolveu ser cauteloso. Disse que os efeitos sobre a atividade — que ensaiava uma recuperação — são incertos e que há várias dúvidas sobre como essa turbulência pode afetar a inflação. Não por acaso, a palavra “incerteza” surge cinco vezes no comunicado divulgado após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Por isso, o corte de juros foi aquele esperado pelos analistas: 1 ponto percentual. A taxa básica de juros (Selic) passou de 11,25% para 10,25% ao ano, na sexta queda consecutiva, atingindo o menor patamar desde janeiro de 2014. E o BC avisou que, daqui para frente, os cortes serão menores.

Não importava tanto, para o mercado financeiro, o resultado da reunião, mas o comunicado a ser divulgado pelo BC. Todos os economistas esperavam a avaliação da crise política deflagrada pela delação da JBS, revelada em 17 de maio. Antes, havia expectativa de corte de até 1,25 ponto na Selic.

“A manutenção, por tempo prolongado, de níveis de incerteza elevados sobre a evolução do processo de reformas e ajustes na economia pode ter impacto negativo sobre a atividade econômica”, afirmou o comunicado.

O Copom deixou claro que a incerteza sobre o andamento das reformas traz dúvidas em relação até onde pode ir na redução dos juros porque, sem ajustes, será mais difícil atingir a taxa neutra da economia (um ponto de equilíbrio, que não estimula a inflação nem impede o crescimento econômico).

EXPECTATIVA DE REDUÇÃO DE 0,75 PONTO EM JULHO

“O Comitê entende como fator de risco principal o aumento de incerteza sobre a velocidade do processo de reformas e ajustes na economia.” E, ressaltando que as estimativas “continuarão a ser reavaliadas”, aponta que cortará menos os juros daqui para frente:

“Em função do cenário básico e do atual balanço de riscos, o Copom entende que uma redução moderada do ritmo de flexibilização monetária em relação ao ritmo adotado hoje deve se mostrar adequada em sua próxima reunião”.

Ou seja, o BC deve analisar até onde pode chegar, ou seja, o tamanho do ciclo de corte. Ficará atento também aos efeitos da crise na incipiente retomada do crescimento e seus impactos na inflação, depois de a crise atual ter prejudicado as estimativas da autoridade monetária.

“Isso se dá tanto pela maior probabilidade de cenários que dificultem esse processo, quanto pela dificuldade de avaliação dos efeitos desses cenários sobre os determinantes da inflação”.

Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra e ex-secretário do Tesouro, ressalta que a crise tanto pode agravar a recessão, abrindo espaço para mais cortes de juros, como aumentar a inflação, o que impediria uma queda maior da Selic. E a dúvida com relação ao andamento das reformas no Congresso dificulta a avaliação.

— Esses dois efeitos vão em direções diferentes — diz Kawall, que espera um corte de 0,75 ponto percentual na próxima reunião do Copom, em julho, com a Selic a 8% no fim de 2017.

Para Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, era natural a cautela do Copom. Ela lembra que, à medida que a taxa básica de juros se aproxima de um dígito, o BC tende a fazer cortes menores, ainda mais em um cenário de incerteza, como o atual.

— É uma análise honesta: eu (BC) não posso dizer nem que vai ser um cenário ruim e nem que vai ser um cenário bom. É muito honesto isso. Não fala que vai dar errado nem que vai dar certo — pondera Zeina, acrescentando que a incerteza política pode ter um efeito no câmbio e que um dólar valorizado afeta a inflação. — Se não der bobagem no câmbio, vamos ter de cortar mais.

Avaliação semelhante teve o banco de investimentos Goldman Sachs. Em nota, apontou que a incerteza política justifica uma posição mais cautelosa do BC, apesar da inflação baixa e da demora na retomada da economia. O banco também espera corte de 0,75 ponto na próxima reunião.

No momento, a inflação está bem abaixo da meta, de 4,5%: em abril, o IPCA em 12 meses ficou em 4,08%. Para analistas, ainda há espaço para cortar juros. Pelo comunicado do BC, as projeções do Copom para a inflação “encontram-se em torno de 4,0% para 2017 e 4,6% para 2018. Esse cenário supõe trajetória de juros que alcança 8,5% ao final de 2017 e 2018.” Ressaltese, porém, que isso não significa um compromisso de levar a Selic até esse patamar.

A dúvida dos analistas é justamente até onde o BC tem espaço para reduzir a Taxa Selic, depois de o presidente da República, Michel Temer, ser envolvido em denúncias de corrupção. Com isso, o andamento das reformas trabalhista e previdenciária no Congresso pode ficar comprometido. O mercado financeiro, entretanto, ainda aposta que parte significativa das mudanças deve passar no Legislativo.

A própria Confederação Nacional da Indústria (CNI) afirmou, em nota, que a “recente turbulência política” impediu um corte maior nos juros, apesar de a inflação estar abaixo da meta. Para a CNI, a intensidade do ritmo de queda da Selic dependerá, agora, da solução das incertezas políticas. E ressalta que “as reformas são cruciais tanto para a garantia do equilíbrio fiscal de longo prazo como para a modernização das relações econômicas e a elevação da competitividade dos produtos brasileiros.”

Já a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) destacou que os sinais de recuperação da economia ainda são incipientes e, com a inflação baixa, há espaço para reduzir os juros. E ressaltou que “a duração e a intensidade desse processo dependem da aprovação das reformas.”

Para o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, porém, o Copom errou ao não promover corte “mais incisivo” da Selic, tendo em vista a inflação baixa. “Ao não acelerar a queda dos juros, o Banco Central retarda o processo de retomada da economia e da geração de empregos”, afirmou.

As centrais sindicais também defenderam um ritmo mais acentuado de cortes.

“Precisamos ser mais arrojados no que se refere à taxa de juros. O Brasil não pode ficar à mercê de tanta cautela quando tantos brasileiros não têm acesso sequer a produtos básicos para sua subsistência. O excesso de zelo é a tranca que fecha as portas do crescimento econômico”, disse o presidente da Força, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho.

Antonio Neto, presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), faz coro e diz que o corte de um ponto pouco ajudará a mudar o quadro recessivo e de desemprego elevado .

SEGUNDO EM RANKING DE JURO REAL

O corte de ontem fez com que o Brasil deixasse o topo do ranking dos países com as maiores taxas de juros reais (descontada a inflação) do mundo, onde estava desde março de 2015, de acordo com a Infinity Asset. Agora, a Rússia está à frente, com juro real de 4,57% ao ano, contra 4,30% do Brasil. Em terceiro vem a Turquia, com 3,63%.

Embora tenha mudado a metodologia — agora, em vez da Selic, a referência é a taxa do swap de DI de um ano, da qual desconta a inflação projetada para os próximos 12 meses —, o Brasil perderia o primeiro lugar para a Rússia de qualquer maneira, diz Jason Vieira, economista-chefe da Infinity e responsável pela elaboração do ranking:

— A Rússia também cortou recentemente seus juros referenciais, mas em apenas 0,50 ponto percentual, e o diferencial em relação ao Brasil ficaria maior também pela metodologia anterior.

 

O globo, n. 30614, 01/06/2017. Economia, p. 19