Jailton de Carvalho
06/06/2017
-BRASÍLIA- Não importa o resultado do julgamento que o presidente Michel Temer enfrentará a partir de hoje no Tribunal Superior Eleitoral, os problemas que põem em risco o seu mandato estão longe de acabar. Na próxima semana, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deverá apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF) denúncia contra Temer e o ex-assessor Rocha Loures. Na trilha da denúncia, a Polícia Federal entregou ontem a Temer uma lista com 84 perguntas sobre ele, Loures e a entrega de dinheiro ordenada pelo empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS — o advogado do presidente, no entanto, já o orientou a não respondê-las.
Ao contrário do que vêm dizendo auxiliares de Temer, a Procuradoria-Geral da República deverá incluir na denúncia as repostas do presidente, se ele resolver responder às perguntas, e a perícia sobre a conversa que ele teve com Joesley na noite de 7 de março, no porão do Palácio do Jaburu. Segundo disse ao GLOBO uma fonte ligada ao caso, o Instituto Nacional de Criminalística (INC) deverá concluir a perícia antes do prazo de 30 dias estabelecido inicialmente. Com isso, Janot terá tempo suficiente para incluir as informações dos peritos na acusação formal contra Temer e Loures, embora não considere o documento essencial para sustentar a denúncia junto ao STF.
A tendência da perícia, conforme uma segunda fonte ouvida pelo jornal, seria demonstrar que não houve adulteração no diálogo entre Temer e Joesley. Ruídos e trechos incompreensíveis da conversa seriam resultado das características técnicas do gravador e das circunstâncias da gravação. O próprio Temer, quando tratou do assunto publicamente, confirmou o encontro com Joesley fora da agenda oficial e ratificou o conteúdo básico da conversa. Para Janot, o presidente fez uma confissão extrajudicial dos crimes identificados na conversa com o empresário e nas investigações posteriores sobre o caso.
SUPOSTO INTERMEDIÁRIO
A pressão sobre Temer vem crescendo também desde a prisão de Loures, no sábado, por ordem do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF. O ex-assessor deve prestar depoimento amanhã e, logo depois, será transferido de uma cela da Superintendência da PF para a ala federal da Papuda. Ontem, o advogado Cezar Bitencourt, responsável pela defesa de Loures, ingressou no STF com um pedido de habeas corpus para o ex-assessor.
Temer e Loures são investigados por corrupção, obstrução de Justiça e organização criminosa. Loures é acusado de receber R$ 500 mil em propina da JBS em nome do presidente. O suposto suborno seria a primeira parcela de uma propina de R$ 480 milhões a ser paga ao longo de 20 anos, conforme o sucesso das transações da empresa. Para o procurador-geral, Loures era o “longa manus” do presidente, um faz-tudo.
As investigações sobre Temer e Loures começaram a partir da delação premiada do executivos da JBS, entre eles Joesley Batista. Na conversa gravada com Temer no porão do Palácio do Jaburu, Batista disse que, como o ex-ministro Geddel Vieira Lima investigado e fora de circulação, precisaria de um outro interlocutor que falasse em nome do presidente. O empresário fez a pergunta depois de discorrer sobre vários crimes e interesses da JBS em cargos e decisões estratégicas governo. Temer indicou Loures.
O empresário, então, perguntou se poderia tratar de “tudo” com Loures. “Tudo”, respondeu Temer. Dias depois, Loures foi gravado acertando com Joesley cargos e decisões do governo federal mediante pagamento de propina. Na cena seguinte, o exassessor foi flagrado recebendo uma mala de R$ 500 mil entregue a ele por Ricardo Saud a mando de Joesley. Um dos executivos da JBS a fazer delação, Saud era um dos operadores da propina da empresa.
SINAL DÚBIO DE DELAÇÃO
No sábado, Loures foi preso em Brasília por ordem de Fachin. Para o ministro, os crimes atribuídos ao ex-assessor de Temer são gravíssimos. Ele deve ser mantido preso para evitar que continue em atividade criminosa. Ele só não foi preso dia 18 de março, quando teve início a fase pública da Operação Patmos, porque ocupava a vaga de deputado de Osmar Serraglio, que estava no Ministério da Justiça. Com o retorno de Serraglio à Câmara, e a perda de foro de Rocha Loures, Fachin entendeu que não haveria mais obstáculos a prisão do ex-assessor.
Há duas semanas, um emissário do ex-deputado se reuniu com procuradores da Lava-Jato em Curitiba e, durante o encontro, quis saber sobre a possibilidade de Loures fazer um acordo de delação. Em resposta ouviu que, para obter benefícios, teria que delatar “toda organização criminosa”. Na semana seguinte, o advogado Cezar Bitencourt foi chamado para defesa do ex-assessor e adotou um discurso ambíguo.
O globo, n. 30619, 06/06/2017. País, p. 5