Emílio: petista pedia dinheiro, mas não negociava valor

Dimitrius Dantas 

06/06/2017

 

 

Dono da Odebrecht afirma que a negociação sobre o montante era feita por Palocci

-SÃO PAULO- Em depoimento ao juiz Sergio Moro, o empresário Emílio Odebrecht afirmou ontem que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez pedidos de contribuições eleitorais da Odebrecht ao PT nos encontros que os dois tinham no Palácio do Planalto durante o mandato do petista. No entanto disse que nunca tratou com Lula sobre valores, que eram definidos por representantes do PT e da Odebrecht. Segundo Emílio, “todos os presidentes do Brasil e do exterior” faziam esse tipo de pedido.

— Houve (pedido de ajuda financeira de Lula), como todos os presidentes daqui do Brasil e do exterior sempre pediam ajuda — disse.

Segundo o dirigente, ao contrário da maioria dos outros políticos, que entravam em detalhes (sobre pagamentos), sua relação com Lula era mais cerimoniosa e de amizade.

Emílio Odebrecht poderá voltar a ser ouvido nesta semana. Isso porque o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) acatou parcialmente pedido da defesa de Lula, que reclamou de não ter tido acesso a documentos incluídos no processo na véspera do depoimento. Nos próximos dias os advogados de Lula informarão à Justiça se desejam ou não a nova oitiva.

De acordo com Emílio, a partir do pedido de apoio de Lula, Odebrecht e PT então negociavam os valores da doação. Segundo o dirigente, o acordo era firmado entre um representante do partido, indicado por Lula, e outro da empreiteira, indicado por ele. Em geral, disse o empresário, o interlocutor escolhido por Lula era o ex-ministro Antonio Palocci. Do lado da empreiteira, a negociação era feita inicialmente por Pedro Novis e, posteriormente, por Marcelo Odebrecht.

Ainda a Sergio Moro, Emílio contou que Marcelo levou a ele o resultado final das negociações com o PT, no valor de R$ 300 milhões.

— E por que o senhor precisava dar esse sinal verde? — perguntou Moro.

— Porque a solicitação de apoio veio do presidente Lula para mim. Eu não queria que ele (Marcelo) entrasse na discussão com o interlocutor achando que não era para atender. Ele não tinha esse direito. Ele tinha o direito de negociar e negociar da melhor forma possível — respondeu Emílio.

INTENÇÃO ERA DEIXAR GOVERNO AMARRADO

Questionado por Moro sobre o motivo para que os pagamentos fossem feitos para além do período eleitoral, Emílio disse que a intenção era deixar o governo ligado à empreiteira.

— Era para que, amanhã ou depois, (o governo) não diga: ‘Olhe, eu já estou livre dele, já me ajudou, vou fazer o que quiser’. Por isso que eu dizia (na empresa): espiche o possível. Quanto mais estender os pagamentos, melhor — disse.

Em depoimento, também ontem, o ex-diretor de Relações Institucionais do Grupo Odebrecht Alexandrino Alencar negou ter participado da compra de um prédio para sediar o Instituto Lula. O imóvel adquirido pela Odebrecht foi recusado pelo ex-presidente Lula.

— Entrei no processo diante da negativa. O próprio Okamotto comentou comigo, e Marcelo me disse para procurar uma alternativa de imóvel — disse Alencar.

O executivo disse também que Marcelo Odebrecht tinha uma conta-corrente com Palocci, administrada pelo empresário. Alencar afirmou acreditar que Palocci sabia da existência da conta, mas “que não tinha certeza disso”.

A defesa do ex-presidente Lula afirmou, em nota, que os depoimentos deixaram claro o “caráter irreal” das denúncias descritas nesta ação e que o Instituto Lula não recebeu a posse ou a propriedade do imóvel comprado pela Odebrecht. Os advogados de Lula afirmaram ainda que Emílio Odebrecht esclareceu que sempre teve uma “relação cerimoniosa” com Lula e que jamais tratou de valores com o expresidente.

“Confirmou que sua atuação em relação ao Instituto Lula seguiu o mesmo padrão praticado em relação a outros ex-presidentes, como Fernando Henrique Cardoso, para divulgação dos êxitos dos respectivos governos”, disseram os advogados. (*Estagiário, sob supervisão de Flávio Freire)

 

O globo, n. 30619, 06/06/2017. País, p. 6